A concepção da obra de Raul Córdula é universal e dinâmica, porque essa foi sempre a sua maneira de olhar o mundo. Em nenhuma das atuações, como artista múltiplo, esquece o universo das linguagens da arte e da vida. Ao concretizar o seu pensamento na pintura, realiza antes, naturalmente, um mergulho em que encontra as simultâneas experiências e os caminhos como o do puro espaço geométrico, da inventividade do design, das instigantes relações das cores e da matéria pictórica, da aprimorada técnica dos mestres de todas as épocas. Além da poesia, do discurso veemente da política, dos registros históricos expressivos, da fotografia, da riqueza do artesanato popular, das manifestações da street art, dos pichadores que demarcam os seus territórios, da mística, da música, do belo arquitetônico, da crítica especializada e das implicações sociais das cidades em que ele dá a sua contribuição. Mas esse mergulho lhe serve apenas como substrato para a concretização plástica de suas próprias ideias. Não há concessão quando as consolida, porque essas ideias estão conectadas também com outras aspirações, vindas de personagens que, às vezes, extrapolam o âmbito da arte.
A exposição intitulada Mesopotâmia, que o artista inaugurou no último dia 4 de maio, na Galeria Arte Plural, no Recife, com a curadoria de Jomard Muniz de Britto, repercute entre seus pares nacionalmente, porque Raul Córdula trabalha em várias frentes no país e, em grande parte das regiões; há marcas de sua presença em seminários, revistas, jornais, salões de arte e debates, promovendo o diálogo permanente na convergência de movimentos e ideias. Isso se tornou tão claro e público que recentemente recebeu, dos seus consociados da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), um dos mais importantes prêmios – com a dimensão e o conteúdo que lhe foi concedido pela atuação no ano de 2009.
As cidades de Campina Grande, João Pessoa, Olinda e Recife receberam a participação do artista diretamente, contribuindo de forma efetiva para instituições e movimentos culturais. Sua morada há anos é em Olinda, e, talvez, por esse fato, se integra com a comunidade dos artistas plásticos numa honesta e sincera semeadura intelectual, na qual muitos lhe tributam reconhecimento como um dos consagrados criadores e críticos agudos. Mas o Recife lhe é extensão como um campo de atuação não menos importante. O seu olhar percorre todos os meandros dessa cidade e nela enxerga a rede que constrói o circuito da cultura nos diversos aspectos. Nada lhe passa despercebido, desde as facetas do suposto mercado de arte local a toda uma gama de artistas que lhe são caros.
Eis, então, a nossa Mesopotâmia tropical interpretada na luz e no mistério, entre águas e símbolos, na dolorosa realidade das gentes, da visão dos mangues, das pontes, da política, da arquitetura, da cultura, dos movimentos revolucionários, numa linguagem refinada e esotérica, enriquecida de metáforas, que foi a mesma da geração do artista. Isto é, a da resistência contra um regime ditatorial que não admitia nem os pensamentos complexos da arte nem a discussão direta dos problemas sociais.
O autor de Mesopotâmia é um alquimista no métier da pintura. Um dos poucos conhecedores dos materiais e das técnicas, porque possui o espírito de pesquisa. Procura, nas condições do suporte, da tinta, dos médiuns, dos vernizes, as indicações químicas dos produtos para comprovar a eficácia daqueles materiais. E prolonga-se na descrição de suas fórmulas, com um prazer em descrevê-las como quem movimenta sonoridades musicais. Um gesto de suas pinceladas é pensado dentro do que ele já constatou nos pincéis e nas pastas das cores, as reações destes na tela ou no papel. Não há tempo a perder quando da confrontação com o espaço dos suportes. Ali estará presente um projeto de ação que envolve tanto os materiais como a concepção da obra e os poucos improvisos da matéria. A sua percepção capta não somente as qualidades da pintura atual dos centros mais destacados do mundo, mas também, a dos grandes mestres dos museus. É capaz de descrever, com maestria, as técnicas tradicionais, livre de qualquer preconceito, afirmando assim, que ser um artista contemporâneo é permitir ao olhar, a maior abrangência possível.
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