"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A invenção da pintura

Plínio Palhano

A invenção da pintura percorreu um longo caminho até alcançar a contemporaneidade. Desde a época das pinturas rupestres, quando nossos antepassados encontravam meios de representação do mundo que os circundava, nascia a necessidade da imagem, que permanece no espírito criador do homem. As técnicas, ainda rudimentares, com sangue e minerais, estão gravadas em rochas como expressões milenares das primeiras demonstrações do pensamento plástico que motivaram artistas do século XX e de hoje em suas obras. Alguns estudiosos afirmam que aqueles criadores impregnaram as cavernas com pinturas dos seres que conheciam na intenção de captá-los de forma mágica para, então, concretizar a caça, como se eles não vissem a diferença entre o objeto da criação pictórica e aqueles animais. As formas e a dramaticidade dessas pinturas são tão magníficas que fez Picasso observar que “não aprendemos nada”.
As técnicas foram se aperfeiçoando e se consolidando pelos séculos de forma gradual, a partir, principalmente, das pinturas egípcias em murais que decoravam os túmulos e as obras arquitetônicas em geral, nas esculturas das representações dos deuses e faraós e em papiros; uma pintura em que a cor era utilizada com teor estritamente simbólico e místico, deixando marcas peculiares de uma grande civilização. Já a pintura grega possibilitou um movimento das figuras, a proporcionalidade, a ilusão da tridimensionalidade através das formas sombreadas e a introdução, no espaço, de alguns conceitos de perspectiva. Herdeira imediata da tradição da arte grega, a pintura romana aperfeiçoou os aspectos técnicos e estilos, dando um passo fundamental e deixando o legado à pintura bizantina, como também a toda pintura da Idade Média europeia e do Renascimento.
Até então só se conhecia a pintura em afresco, em iluminura, a têmpera e a encáustica. Mas a revelação da pintura a óleo encontrou em Florença um campo fértil para absorvê-la e torná-la tão nobre que seria a preferida depois de propagada nos ateliês. A novidade veio do Norte, e atribui-se ao flamengo Jan Van Eyck (c. 1390–1441) a invenção, que, paralela à importância da descoberta da perspectiva científica — realizada pelo arquiteto Fellippo Brunelleschi (1377–1446) —, buscava aperfeiçoar a sua obra, dando-lhe uma riqueza nos detalhes que a pintura a têmpera não oferecia. Diz-se que as primeiras obras de Van Eyck chegaram a Nápoles e Urbino atraindo a atenção. Até que o veneziano Antonello de Messina (c. 1430–1479) viaja para Flandres com o fim de iniciar-se na nova técnica. De volta, instala-se em Veneza e passa a novidade aos italianos, em particular a Domenico Veneziano (c. 1410–1461). Só depois os florentinos começam a experimentar a técnica a óleo. Não se tem conhecimento sobre como, exatamente, a pintura a óleo chegou ao ateliê de Andrea Del Verrocchio (1435–1488), mas ele foi um dos primeiros a utilizar a nova revolução, em Florença. Leonardo da Vinci (1452–1519) e Perugino (c. 1445–1523), discípulos de Verrocchio, quando jovens, desenvolveram-na ao máximo, deixando a herança para Rafael Sanzio (1483–1520).
Após o período de todas as técnicas confrontadas pelos grandes mestres na história, prolongando-se ao nosso século, o artista contemporâneo encontra os materiais — entre estes, a tinta acrílica — disponíveis com uma riqueza científica imensa para utilizá-los de maneira livre a ponto de negar, em alguns casos, a própria preocupação de conservação da obra. Não somente a liberdade ante a utilização desses materiais, mas também de criar o seu próprio caminho sem as interferências de escolas, movimentos, estilos, curadores, etc. A pintura, no mundo, encontra-se em vigor e volta a reinar em vários acontecimentos da arte — apesar da sua morte anunciada há anos —, porque é uma das expressões (entre outras linguagens compatíveis com as recentes tecnologias) refinadas que falam diretamente do pensamento poético de um criador e na qual encontramos uma concepção intransponível e única.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Bienal da Política Obscura

15/07/2010
Plínio Palhano

Toda Bienal, principalmente no Brasil, é polêmica, e, no mundo, existem mais de duas centenas delas. A anterior (2008), de São Paulo, foi chamada — como é do conhecimento público — a do Vazio, porque deixou um dos andares do edifício sem nenhuma utilidade. Esse andar foi preenchido pelos pichadores, que, dizem, serão representados este ano, na 29ª Bienal, em vídeos e fotos, num provável ato estratégico e preventivo com o fim, talvez, de domesticá-los e evitar que se atrevam a repetir a “transgressão”. Os curadores ainda têm o desplante de dizer que não sabem se o que os pichadores fazem é arte. Ora, se não sabem, para que servem esses vídeos e essas fotos?
Esta Bienal de 2010 é a da Política Obscura, porque, segundo o conceito dos atuais curadores, não se pode distanciar arte da política — isso dito sem maiores explicações. Mas a que política eles se referem? A dos conchavos? A das cartas marcadas? Diz-se que a permanência de políticas estranhas na Bienal é fato, sem nenhuma dúvida.
A unanimidade entre os pensadores e críticos das Bienais é que essas instituições estão em crise, falidas, nelas havendo pouquíssimas surpresas, principalmente no aspecto da concepção, mas, no Brasil, acrescentam-se as dívidas financeiras exorbitantes. E já que a curadoria fala da aproximação da arte com a política, seria fundamental dar outra dimensão ao evento, com uma verdadeira política, transparente e objetiva, sem as afirmações e os conceitos dúbios que geram apenas especulações e não atingem a finalidade de uma Bienal.