"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O artista telúrico



Lula Cardoso Ayres (1910–1987), filho da aristocracia canavieira pernambucana, um dos mais fortes representantes da arte do modernismo brasileiro, como criador voltou o seu olhar para as raízes da gente da terra, elaborando o mote para realizar uma obra fruto de uma pesquisa minuciosa de tipos da cultura africana, de mestiços, de indígenas, das manifestações populares do Carnaval, do artesanato dos bonecos de barro... Esse momento do seu olhar criativo iniciou quando foi convocado, em 1936, pelo pai, João Cardoso Ayres — homem culto e sensível à vocação do filho —, para acompanhar a administração de sua propriedade, a usina Cucaú; mas Lula demonstrou desinteresse para assumir essa tarefa, pedindo apenas ao pai um “atelierzinho lá num canto” e foi pesquisar nas regiões próximas, com lápis e papel, a desenhar os traços fisionômicos que encontrava em múltiplas variedades, inclusive utilizando a fotografia — outra arte que dominava — como meio de registro. Essa fase, que permaneceu muitos anos e se refletiu sobre os trabalhos futuros, foi de uma riqueza notável para sua obra.

Mas, antes, nutriu-se com mestres que lhe forneceram os artifícios do desenho, da pintura e a da prática dos materiais que evocam a ação do artista. Ainda bem jovem, o primeiro professor, em 1922, foi o artista alemão nascido em Munique Heinrich Moser (1886–1947), que era pintor, escultor, arquiteto, decorador, ceramista e vitralista e que o levou a exercitar todas as técnicas da pintura, inclusive o vitral. E, no segundo tempo, de 1930 a 1932, morando no Rio de Janeiro — onde conviveu com Candido Portinari, Procópio Ferreira (que lhe encomendou cenários teatrais), Ismael Nery, Cícero Dias e artistas que rondavam a vanguarda da época —, foi Carlos Chambelland (Rio, 1884–1950), que exerceu sobre o aluno uma disciplina rígida no desenho.

Tendo chegado de Paris em 1925 e conhecido Maurice Denis e os movimentos de ponta, se influenciou principalmente pelo cubismo sintético. Demonstrou isso quando, estudando os bonecos de barro, representou-os, na pintura, no guache, no desenho, a partir daquelas formas artesanais conhecidas, e as cenas eram todas transfiguradas com os volumes das técnicas do barro — considerados belos trabalhos de sua obra. Mas o universo de Lula Cardoso Ayres é amplo e inteiro na concepção e na realização; mergulhou numa mistura entre o abstrato e o figurativo criando uma harmonia e identidade própria na técnica que é marco na sua participação em bienais de São Paulo. Um artista fecundo com uma visão inconfundível.