"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Cidade dos artistas

                                            Bajado (1971) - Um artista de Olinda

Uma das obras essenciais para a compreensão e o registro histórico sobre os movimentos culturais da cidade de Olinda é o livro Utopia do olhar, de autoria do artista plástico e crítico Raul Córdula, uma das mais expressivas e fortes personalidades no âmbito da arte e da cultura, sempre presente no conceito e na concreção de manifestações visuais no País e na Região Nordeste. O texto é uma narração dos fatos que marcaram a cultura olindense e obedece a uma sequência desde os idos dos anos 1950 até a contemporaneidade, com um ritmo excelente para o leitor. Raul faz um levantamento monumental, nas artes visuais, de movimentos e nomes, sem omitir nenhum de seus pares, procurando ouvi-los e consignando depoimentos de forma harmônica e elegante, porque esse é o seu estilo.

                                               
Olinda se tornou Patrimônio da Humanidade, principalmente por sua história, sua beleza arquitetônica e o destaque da sua paisagem natural. Mas creio que também a presença de artistas na cidade contribuiu e impulsionou a conquista desse título, porque o próprio Aloísio Magalhães  — à época como secretário-geral do Ministério da Educação e da Cultura (MEC) —, um desbravador em várias vias culturais, principalmente quanto ao design no País, foi um artista que utilizou sua arte como um dos instrumentos para essa empreitada. Realizou dez litografias, através de seus registros fotográficos sobre Olinda, e um tríptico, isto é, três litografias conjuntas com o perfil completo do Sítio Histórico. Para cada imagem, cem reproduções. Aloísio reuniu 21 conjuntos dessas litografias assinadas por ele, a obra de Gilberto Freyre Olinda – Segundo guia sentimental de uma cidade e o conjunto de fotografias de Pedro Lobo. Distribuiu esse material com os 21 membros do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Cimos), da Unesco, para convencimento da conquista do título universal.

                                                              OLINDA

Mas até chegar a essa conquista foi uma longa história de movimentos e mobilização de artistas em Olinda. A gênese foram as primeiras presenças de artistas importantes na década de 1950, o Movimento da Ribeira, que foi fundamental para unir e dinamizar exposições e consolidou uma história nutrida por talentos que fixaram seu ateliê na cidade e repercutem nos âmbitos local e nacional; assim como, em paralelo, pelas vias governamentais, a criação de museus e a restauração de monumentos históricos; tudo isso alcançando a atualidade, que da utopia virou realidade como forças culturais e políticas que imperam e influem na cidade dos artistas.

domingo, 4 de agosto de 2013

Piedade Moura

                                                           Piedade Moura



Conheci a pintora Piedade na década de 1970, em uma visita que me fez, pelo fato de a artista ter lido uma entrevista minha. Desde então, consolidamos um laço que permanece vivo nas lembranças.

O seu sorriso vem logo à memória: largo, intenso, sonoro; os olhos brilhantes e inteligentes de quem gostava de ler, de falar intensamente, de viver, de acompanhar os melhores filmes, de ir às peças teatrais — e lá estava Piedade, às vezes nos bastidores, por ser amiga dos atores e por ter irmãos no ofício, como Nilson Moura, um dos criadores do Mamulengo Só-Riso, e Gilson Moura; uma família de artistas.

Piedade era assim, intensa, tudo o que fazia era como a sua pintura, com fortes pastas de tinta, cores saídas do tubo diretas e entregues ao suporte, com pequenas interferências de brancos e negros, para criar as sombras ou clarões que vinham de sua mente, como os amarelos que apreciava evidenciar. Rasgava as composições com pinceladas como meteoros, numa interferência proposital; tudo tinha o seu valor para o olhar da pintora, enxergava as coisas com uma visão própria e deixava-se levar pela força da ação gestual.

Pintávamos juntos nessa energia vibrante, paisagem, pessoas, temas variados. Era magnífico como encarava as paisagens. Dava o tom que queria e como via, sem nenhuma preocupação com a captação natural — em sua cabeça não havia nenhum mestre para se influenciar. A pintura de Piedade poderia, hoje, por exemplo, estar presente no que conceituamos sobre a arte contemporânea, ou melhor, pintura contemporânea. Estaria caminhando estreitamente com artistas desse veio atual.

Nesse entrelaçamento de trabalho e amizade, convidei-a para que posasse para mim. Ela concordou de imediato. Realizei uma série imensa com Piedade como modelo. Série que me deixou tomado por cada quadro realizado. Eram soluções pictóricas que encontrava, ora penetrando numa sequência abstratizante, ora captando as formas um pouco realistas. Mas a meta era dar o ponto exato da expressão.

No dia 21 de janeiro de 1984, acordei de madruga, e, naquele dia, o sol nasceu de cor dourada, com tons avermelhados, numa aparência de dor profunda, o meu sentimento é que havia perdido alguém tão importante que não poderia acreditar naquela fatalidade. Era um dia após a morte de Piedade Moura, nunca mais pude ter a alegria do seu convívio...