"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Embaixador de Picasso



Jaime Sabartés era escritor, poeta e jornalista; espanhol como Picasso, manteve com o artista uma relação de amizade de 1899 até 1968, ano em que faleceu. Os dois frequentavam o restaurante Quatro Gatos, na juventude, em Barcelona, onde vivenciaram intensa movimentação cultural, antes de Picasso retornar a Paris e permanecer, definitivamente, em 1904, após ter realizado uma exposição na Galeria Vollard, em 1901.
 
Sabartés foi retratado várias vezes pelo pintor, em pinturas e desenhos, a partir dos tempos juvenis. Essa aproximação se aprofundou devido às crises de angústias do artista — até mesmo com sua própria arte —, período da sua vida de constantes lutas conjugais e solidão. Picasso convidou, em 1939, o amigo, que tinha morado em Montevidéu e nos EUA, para voltar à Europa e acompanhá-lo nas atividades profissionais, morando com ele em Paris.
 
A partir daí, o escritor se torna um personagem silencioso, mas agudo, no universo picassiano, como um secretário particular ou eminência parda. Acompanhava-o em todos os momentos, principalmente à noite nos melhores e mais frequentados cafés e restaurantes. Todos que pretendiam visitar o ateliê teriam que passar pelo seu crivo. Os poderosos marchands europeus e estadunidenses —  ou qualquer outro profissional que viesse realizar um trabalho no estúdio, como fotógrafos, cineastas, críticos, editores — teriam que reverenciá-lo para alcançar o mestre da arte moderna do século XX. Era tudo o que Picasso precisava: um escudo sólido e culto para se proteger de todos os assédios.
 
Sabartés era um entusiasta da obra de Picasso e a defendia quando necessário. O escritor acompanhou seu trajeto nos primeiros passos em Barcelona, quando era influenciado pela obra de El Greco e pela vanguarda francesa, seguindo-o em todas as outras fases: azul, rosa, cubista, clássica... Segundo o marchand Kahnweiler, uma média de 800 telas cubistas foi vendida, juntando as de Braque, Derain e Vlaminck. E, se ele tivesse podido guardar durante quarenta anos essas obras e vendê-las uma a uma, a mesma quantidade, teria um lucro de muitos bilhões.
 
Quando se instalou no ateliê do pintor, já existia a pintura Guernica, o trabalho mais dramático e político de Picasso; e despontava a Segunda Guerra Mundial. O silencioso secretário foi importante para a vida e obra do artista, porque foi um apoio para serviços práticos e intelectuais em muitas decisões. Só uma coisa o incomodava: a sovinice do artista, Picasso raramente lhe pagava.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Carnaval e catarata

     
                                                                    BAJADO
                                                       


Fui surpreendido, numa consulta oftalmológica com o especialista Dr. Roberto Galvão Filho, pela necessidade de uma cirurgia para tratar a catarata, como é sabido, através de um implante intraocular de lentes, com o fim de corrigir a patologia — isso um pouco antes das festas de Dionísio (o deus grego, também reconhecido pelos romanos como Baco) presididas pelo Rei Momo: o nosso Carnaval, em que tudo é possível, mas sob a vigilância disciplinar de Apolo, o representante do Estado. Preferi realizar a cirurgia como meio de evocar a deusa grega da saúde Hígia, ou Salus, a romana. Contei com a ciência mitológica dessa divindade para que tudo desse certo.

Quando os médicos nos apontam uma cirurgia, vamos dizer compulsória, nos assustam. Mas a confiança é suprema nos homens da medicina que elegemos para nos salvar nas enfermidades. Sempre fui simpático a médicos e juízes. Explico melhor. Os médicos têm a paixão de curar seus pacientes, e os juízes, de fazer justiça — estes não utilizam retórica, dialéticas infindáveis, julgam com a possível sabedoria. E as aproximações que tive com esses profissionais foram bem-sucedidas, a começar pelo meu pai, que era magistrado e professor; atendia a todos que o procuravam, e vi, muitas vezes, receber pessoas humildes, correspondendo, de maneira discreta, elegante, às suas necessidades jurídicas como cidadãos. Tanto assim que, há anos, o homenagearam com o nome do fórum da cidade do Cabo de Santo Agostinho — Humberto da Costa Soares —, uma lembrança honrada e feliz.

Falo da Justiça também porque precisei da sua ação de bom-senso. O meu plano de saúde, em que há 24 anos sou assegurado, inicialmente negou o pagamento das lentes intraoculares, simplesmente porque dizia que o contrato não as cobria. Confesso que essa notícia me perturbou mais do que a de ter que fazer a cirurgia. Como não tenho dinheiro para pagar advogados, recorri às minhas próprias forças e fui à busca de uma solução. Procurei o Juizado Especial Cível e lá, realmente, encontrei pessoas fraternas que auxiliaram para que o documento de pedido de liminar alcançasse as mãos e a mente do juiz de quem não soube o nome — e consegui que o plano pagasse toda a cirurgia. Deixo este testemunho para que outras pessoas possam fazer o mesmo: essa via no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) está excelente para aqueles que pleiteiam justiça.