"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 12 de julho de 2017

O olhar indomável

                                                                        Ciência e caridade

Quando Pablo veio ao mundo, em 25 de outubro de 1881, em Málaga, as pessoas que o recepcionaram foram: três mulheres — sua avó, duas tias solteiras, irmãs de sua mãe, todas da família Picasso —, e o pai, Dom José Ruiz Blasco. O primeiro filho, que iria se juntar às irmãs Lola e, depois, Concepción. O universo da criança era enlaçado pelo ser feminino, temática que o perseguiu durante todo o seu percurso como artista. Logo cedo, demonstrou um interesse vulcânico pelo desenho. Em sua alfabetização, o próprio Picasso exigiu que o deixassem desenhar na escola.

Pablo só poderia entender o mundo através dos desenhos, dos quais ficaram os mais representativos para contar a história da infância do artista. Desenhos de pombos, captados ao natural: em pousos, indicando as asas nervosas no esforço de seus movimentos; touradas com todo o cenário: de touros, toureiros e a presença de um público em linhas hábeis; depois, vieram os desenhos dos familiares: a mãe, Dona Maria Picasso y López, o pai, as irmãs e outros, num traço preciso e espontâneo, de uma magia pouco encontrada em crianças vocacionadas para as artes visuais. O pai, impressionado com a verve do filho, sendo ele próprio professor de desenho na Escola de Belas-Artes, restaurador de quadros e conservador do museu municipal, cuidou da educação do jovem pré-adolescente para desenvolver seus talentos e influenciá-lo a ser um artista dentro dos padrões acadêmicos, que Pablo não aceitou com passividade: só estudou até esgotar os conhecimentos e os abandonou para iniciar o trajeto de criações múltiplas e intensivas da obra que realizou. Assinou-as primeiro com o nome Pablo Ruiz Picasso; em seguida, P. R. Picasso, reduzindo o nome do pai; quando adquiriu confiança, P. Ruiz; e, finalmente, com a sua personalidade criativa concretizada, assumiu definitivamente o nome Picasso.

Inicia os seus estudos acadêmicos no desenho, em La Coruña, com 11 anos de idade. Meio século mais tarde, acompanhado de uma de suas biógrafas, Antonina Valentin, visita uma exposição sobre desenhos infantis; então Picasso diz a ela que não poderia participar, à época, como criança, de mostras semelhantes, porque “já desenhava como Rafael”. Aos 13, seu pai lhe entrega todo o material de pintura e, a partir daí, deixa de pintar, talvez ofuscado pela genialidade do filho, segundo a hipótese de alguns estudiosos.
 
As primeiras obras-primas, em pinturas a óleo, realizadas com 15 anos, foram “Primeira Comunhão” e “Ciência e Caridade”. A “Primeira Comunhão”, pintura na qual os modelos principais são o pai e a irmã Lola, é uma cena de cerimônia de introdução aos dogmas católicos, considerada um exemplar de execução dentro dos parâmetros acadêmicos, indo muito além na concepção para a idade do autor. E “Ciência e Caridade”, obra que representa assistência a uma enferma, cuja modelo é sua mãe; o médico, o pai; e a irmã, uma enfermeira religiosa, segurando uma garotinha, que é a irmã mais nova, Concepción. Essa pintura recebeu uma menção honrosa na Exposição Nacional de Belas-Artes de 1897 e uma medalha de ouro em Málaga.

O olhar indomável de Picasso o fez caminhar na arte ao encontro de Paris (1900), onde ele descobriu uma infinidade de outras possibilidades de expressão; bebeu de quase todos os principais movimentos e artistas que viveram aquele momento, partindo do impressionismo, do pós-impressionismo, dos fauvistas... O jovem artista, com 20 anos, começou a vislumbrar um novo mundo, impossível de conhecer se ficasse na Espanha, reduzido aos estudos acadêmicos. Tornou-se um sol e expandiu a sua obra pela Europa e por outros continentes. Em todos os principais artistas visuais do mundo do século XX, há algo de Picasso...