"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cadê o Museu Guggenheim?

Em 2001, a Fundação Guggenheim promoveu, no Brasil, uma apresentação das suas estratégias para instalar uma das sucursais do Museu Guggenheim no País e, depois, expandir pela América Latina, reunindo, na ocasião, secretários de Cultura. É possível imaginar a parafernália tecnológica para fornecer aos participantes do encontro uma visão da grandiosidade sedutora desses museus no mundo. O País foi tomado por uma febre guggenheimniana, e explodiram notícias nutridas com polêmicas em grande parte nas capitais. No Recife, só se pensava “grande”, quando naturalmente poderia se pensar simplesmente com realidade, porque bastava perceber e procurar resolver primeiro os problemas dos nossos museus.

Fui um dos primeiros a expressar, em artigo, que seria inviável uma sucursal do Museu Guggenheim no Recife, porque não havia condições econômicas e sociais que possibilitassem um museu desse porte, que requer uma estrutura inimaginável para os tantos problemas básicos que já tínhamos (e temos) para resolver. Teria que se destinar toda a verba municipal da cultura e mais outras para instalar e manter o museu; seria como uma obra cultural única, porque, depois de sua construção, não existiria mais nada por fazer a não ser manter o monstro sagrado vivo, sacrificando todas as outras instituições culturais — certamente, estas morreriam de inanição, sem chance para ressuscitar.

Bastaria, no caso, olhar para dentro, isto é, para os museus que temos, e ver as coisas simples que faltam aos seus diretores para atuarem com mais eficiência. É necessário um projeto político-cultural mais amplo, que possa oferecer um aperfeiçoamento nessa estrutura, além de um corpo técnico especializado permanente, e destinar verbas corajosas para a divulgação da cultura plástica local.

A informação que se tem hoje é de que o diretor de estratégia global da Fundação Solomon R. Guggenheim, de Nova York, Juan Ignácio Vidarte, desistiu dos projetos que teriam como finalidade abrir novos museus no Brasil e no México. Segundo ele, “a Fundação está interessada exclusivamente no Museu Guggenheim de Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos”. Isso depois de gerar, no Brasil, imensas polêmicas, principalmente no Rio de Janeiro, quando a comunidade repudiou a forma como a prefeitura estava negociando com a Fundação Guggenheim. E, no México, faltou dinheiro público para embarcar no projeto. Claro, os Emirados Árabes serão um paraíso para um novo Museu Guggenheim.



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A árvore revolucionária do Porto



Em 1963, em Portugal, ainda sob o domínio ditatorial de Salazar, no conhecido e tradicional café de nome Magestic, no Porto, frequentado por artistas plásticos, escritores, poetas, arquitetos, jornalistas e profissionais de vários segmentos, foi se concretizando a necessidade de se criar uma associação que congregasse as intenções artístico-culturais, como a grande meta, mas que terminou se refletindo como uma postura política para o fortalecimento de ideias e de obras que pudessem favorecer certa liberdade à sociedade daquela estagnação para uma dinâmica visão da arte e da política. Assim, em abril do mesmo ano, nasceu a Árvore – Cooperativa de Atividades Artísticas, com a realização da escritura de sua constituição. Um sugestivo nome escolhido pelos fundadores e que, com a sua força simbólica e nos 47 anos de plena atividade, definitivamente marcou a história cultural da cidade do Porto e expandiu, para todo o país, a Europa e além-mar, a certeza de que é uma das cooperativas mais importantes do gênero no mundo.
Fomos apresentados à Árvore por um de seus importantes membros, o artista plástico Carlos dos Reis, que, fraternalmente, nos ofereceu um almoço no restaurante da própria Cooperativa e, logo em seguida, ciceroneou, mostrando-nos todas as outras instalações desenvolvidas ao longo dos anos na Instituição e motivando, com suas explanações históricas e técnicas, um natural reconhecimento de nossa parte das lutas enfrentadas pelos artistas e intelectuais portuenses para consolidar, na sociedade e na estrutura política nacional, uma Árvore plena de vigor, com as raízes fincadas na vontade coletiva de uma cidade reconhecida como uma das destacadas na Europa pela sua cultura.

No almoço, estavam presentes os artistas plásticos pernambucanos Sérgio Lemos – que nos proporcionou, com o seu prestígio construído em Portugal, o elo para a realização de uma exposição coletiva (com o título Pernambuco – arte além-mar) de intercâmbio com a cidade do Porto, na Por Amor à Arte Galeria -, Ferreira, José de Moura e este articulista. Roberto Botelho estava representado por suas obras, na exposição, mas não presente à Cooperativa naquele momento. Ficamos surpreendidos com as instalações das várias seções das atividades de cursos e laboratórios. Visitamos as salas da Galeria, de pintura, cerâmica, litografia, gravura em metal, serigrafia, fotografia, escultura, biblioteca: todas com uma qualidade de organização técnica única. Hoje, é uma Cooperativa consolidada, não somente no Porto, mas em todo o país; inclusive com o apoio de colaboradores efetivos, que lhe dá condições administrativas junto à diretoria, formada por artistas.

A Árvore percorreu um longo caminho para alcançar esse nível. No início, todas as dificuldades foram enfrentadas pelos seus fundadores, a começar pela conquista da casa, com suas várias reformas, chamada de Casa das Virtudes: um belo exemplar arquitetônico (do século 18) da aristocracia do Porto, que abriga, até hoje, a sua sede e oferece espaços suficientes para as imensas atividades. Mas essa casa foi também vítima de atentado à bomba, em 7 de janeiro de 1976, que destruiu a Galeria e a fachada principal; e a consequência desse fato foi a divulgação, com maior força, da Árvore, nos âmbitos nacional e internacional.
No 38º ano da existência da Cooperativa, em 2001, coincidindo com o título do Porto como Capital Europeia da Cultura, a Árvore se destacou como uma das notáveis obras coletivas contemporâneas, e, na ocasião, foi lançado um belo livro com o título Árvore das Virtudes, que contém pesquisas históricas, as editorações gráficas de catálogos, livros, cartazes etc., além de depoimentos que dão o testemunho sobre o trabalho da Cooperativa e reproduções de obras dos artistas plásticos fundadores e participantes históricos. Por essa publicação, nós vemos a seriedade do envolvimento dos artistas para que a Árvore se mantenha como uma das naus mais importantes da divulgação da cultura portuguesa. É essencial salientar que, para a própria fundação, a população do Porto contribuiu financeiramente, principalmente porque sabia da importância da Cooperativa na formação também das gerações futuras. Muitos artistas e docentes em destaque, hoje, passaram pela Árvore e sentem-se gratificados pela experiência sob sua copa frondosa.