"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

domingo, 20 de outubro de 2013

Mercantes de arte

                                                         Picasso - Ambroise Vollard

A era dos marchands internacionais que construíram o mercado de arte dos séculos XIX e XX passou, mas deixou uma história mútua de pactos, entre artistas e comerciantes, para a conquista de uma nova mentalidade de vendas de obras, porque, então, os compradores estavam mais próximos: eram burgueses e capitalistas.

O impressionismo, que foi um movimento, no início, rejeitado pelo público e pelo mercado, teve que suportar mais de 10 anos para iniciar os primeiros passos no convencimento aos investidores e colecionadores para adquirir pinturas que tinham como substrato a luz. Foi o visionário marchand Paul Durand-Ruel quem começou a comprar as obras dos artistas impressionistas e a divulgá-las no mercado parisiense e no mundo. As pinturas impressionistas, naquela ocasião, começaram a ter uma dimensão sempre crescente na cotação de preços. Também contaram com os investimentos de Ambroise Vollard, comerciante culto e de perfeita relação com os artistas impressionistas, cubistas e de outros movimentos do início do século XX. Picasso, inclusive, realizou uma obra cubista representando um retrato de Vollard.

Um dos maiores representantes comerciais da nova pintura, a de vanguarda — em destaque, o cubismo —, foi Daniel-Henry Kahnweiler; que alcançou uma espécie de exclusividade quando se tratava de obras cubistas; segundo seu depoimento publicado no livro Minhas galerias e meus pintores, conseguiu vender uma enorme quantidade de obras cubistas. E disse que, se tivesse guardado essas obras, elas renderiam bilhões de dólares. Mas, à época, ele vendia a preços baixos. Picasso, Braque, Derain, Léger, Juan Gris, Vlaminck, Soutine e outros foram artistas de suas relações comerciais e amigáveis. 

É claro que outros nomes de marchands importantes atuaram nesse período, mas não com tanto peso como esses que estiveram perto da maior produção de arte entre os dois séculos. Um deles, que viveu até 1998, herdeiro de uma das maiores fortunas do comércio de obras de arte, foi o francês Daniel Wildenstein, considerado um dos mais influentes do planeta, consultado pelo papa Paulo VI sobre obras-primas do Vaticano que o pontífice pretendia vender para fazer doações. Wildenstein testemunhou a grande crise no mercado em 1991. E afirmou que a quebradeira foi de grande porte. A partir daí, o mercado de arte internacional tomou outro rumo.  

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Escandalosos urubus

O poeta e crítico de arte Ferreira Gullar publicou um artigo, recentemente, com o sugestivo título Porque a vida não basta, na Folha de S.Paulo. Nele, expressa um olhar sobre uma faceta da arte contemporânea que explora o escândalo como forma de comunicação. Na sua abordagem universal, citou os exemplos de uma das Bienais de São Paulo e de uma obra de um artista brasileiro. Não o nomeou, nem a sua curadoria. Talvez para demonstrar que aquilo o que interessava ali era seu pensamento ante a crise da arte. A Bienal a que ele se referia expôs urubus engaiolados.

Para ele, as obras de arte nesse veio contemporâneo acabaram com a crítica, porque não têm o que se analisar, colocando-as como um fenômeno das manifestações sociológicas e culturais. Impressiona a Gullar a dimensão que têm os protagonistas que só provocam escândalos nas exposições, sem preocupação estética.

As suas intervenções no âmbito da crítica já são bastante conhecidas e sempre muito polêmicas. Um dos seus livros publicados, Argumentação contra a morte da arte, de 1993, criou um verdadeiro rebuliço. Alguns o colocam como conservador por contra-argumentar esse aspecto da arte contemporânea. Se não fosse o peso da história que construiu como poeta, escritor, crítico e militante dos movimentos políticos contra a ditadura, provavelmente ele não resistiria aos embates dos seguidores de Marcel Duchamp, um dos artistas, na história da arte do século XX, em quem Gullar bate, dizendo que tudo começou com ele. Todos os espaços da mídia são colocados à sua disposição para escrever ou falar, com independência, porque é uma personalidade internacional.

Em outro artigo, em 2007, o poeta ironiza a invenção dos ready-mades do artista francês. Um deles, o urinol de fabricação industrial, ao qual deu o nome de Fontaine, em que Duchamp pôs a assinatura R. Mutt, para concorrer em um salão organizado por uma associação de artistas independentes, da qual o artista fazia parte. Mas, como a assinatura não foi reconhecida, o júri ficou em dúvida se aceitaria o urinol como obra de arte. Terminou aceitando, por se tratar de uma entidade contrária à arte tradicional. Pegaria mal se negasse tanta audácia. Aceitou-a e colocou-a no fundo do salão atrás de um tabique, deixando o tão artista irado por tal desprezo que acabou abandonando, em seguida, a associação. “O urinol de Duchamp — afirmou Gullar — seria a expressão sarcástica da morte daquelas artes e, ao mesmo tempo, um modo de gozar a pretensão dos artistas que ainda se julgavam criadores de obras de arte.”