"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

terça-feira, 25 de março de 2014

Conceitos da arte


Estava eu presente numa aula, quando jovem, em que um eminente professor de Direito Penal citou exemplos de artistas que amenizavam a tendência homicida no exercício da Arte; entre eles, Van Gogh. Os meus colegas olharam para mim, por simples humor juvenil, porque era o artista da sala. Não sei em que se baseou o mestre para fornecer essa afirmação. Hoje nós temos, disseminadas no mercado, obras de arte de homens e mulheres, serial killers, presos, que, no meio cult, nos países desenvolvidos, são celebrizados como seres  criativos. E paga-se caro para adquiri-las, porque nesses países há bilionários que gastam com excentricidades. Parte delas foi apresentada na exposição Sensation, realizada em 1997, na Royal Academy of Arts, em Londres, que teve repercussão mundial, organizada pelo publicitário e, hoje galerista Charles Saatchi. Mas, após essa aula, como estava envolvido com a pintura, e só pensava nos problemas estéticos — por isso manuseava os códigos com estranheza —, comecei a refletir sobre a natureza do artista. Levei muito tempo para elaborar no cérebro essa questão e não tive repostas plausíveis. Apenas mantive o projeto de concretizar a Arte. O caminho para mim, então, foi lançar o olhar sobre os artistas históricos para decifrar o enigma.
   
Geralmente a Ciência tem uma resposta prática para aquele que a estudou.  Na Medicina, a cura. No Direito, a dialética nos tribunais. Na Engenharia, as invenções de utilidades. Na Biologia, o resultado nas pesquisas. Como na Física, na Matemática e outras ciências. Mas os artistas que mergulharam na Arte oferecem diversos conceitos, portanto a sua complexidade em todos os tempos. O pensamento deles nos dá a chave, o resto somos nós que devemos semear e ter a própria visão. Picasso era tão acelerado que dizia não procurar, mas encontrar.  Matisse, o seu maior concorrente, trabalhava a Arte para uma harmonia que conduzisse o homem ao bem-estar, ao conforto do espírito, após um dia de luta. Van Gogh buscava uma salvação para ele e a humanidade, através da Arte. Cézanne queria reduzir as coisas ao cilindro, à esfera e ao cone, antecipando o cubismo e influenciando a arquitetura moderna... E em cada um deles, um conceito próprio, quase infinito. Entretanto, os artistas que mostraram respostas imediatas foram aqueles que realizaram as pinturas rupestres tematizando o fim da caça, alimentando a si próprio e a sua aldeia.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Arte e ciência


Leonardo da Vinci (1452–1519) foi impedido de frequentar universidades. Por ser um filho bastardo, não lhe eram permitidos os estudos naquelas instituições. Nasceu da união de um bem-sucedido notário (que seria, no século XV, uma síntese de tabelião e advogado), Piero da Vinci, com uma camponesa, Catarina, em Florença. Seu pai, ao saber que Leonardo estava destinado às Artes, um dos estudos permitidos, encaminha-o, com 17 anos, para o ateliê do escultor, ourives e pintor Andrea del Verrocchio. Mas, antes, já tinha demonstrado o talento para o desenho e a pintura, conferido pelo mestre. Segundo os biógrafos, Da Vinci demonstrou sempre uma inteligência arguta. Desenhava com a curiosidade de cientista. Criou um hábito de anotar, em cadernos, as impressões e os pensamentos sobre os problemas com os quais se defrontava. Foram 13 mil páginas de tratados científicos e artísticos. Quando foi considerado um dos mentores do Renascimento, teria afirmado que o seu conhecimento se baseava nas investigações diretas da natureza, enquanto os sábios das universidades estudavam as ciências conquistadas por outros. Penetrou em várias ciências, permitindo um legado ainda pesquisado em nossos dias.


Foi um dos precursores nos estudos de anatomia e fisiologia, por exemplo.  Nesses estudos, conseguia cadáveres encomendados para dissecação em noites iluminadas por velas e de anotações de desenhos detalhados.Todo o corpo humano foi dissecado e desenhado com precisão técnica e didática, o que constitui um dos patrimônios científicos. Também os animais foram estudados, principalmente a anatomia do cavalo. Uma pesquisa solitária e constante, que custou uma denúncia à Inquisição pelo fato de utilizar corpos humanos, e só não foi condenado por interferências poderosas.

Leonardo apresentava um aspecto alquebrado, por excesso de trabalho, nos anos finais de sua trajetória, como demonstra o autorretrato realizado por volta de 1512/1515, que o faz parecer muito mais envelhecido para a idade que tinha. Um artista que colocou a Arte em sintonia com a Ciência. Em todas as obras realizadas, o aspecto científico estava presente. A cor, a perspectiva, a anatomia dos corpos... Dizia que a Arte teria que imitar a natureza segundo a visão da Ciência. Talvez um precursor dos princípios da luz e da cor apregoados no século XIX e concretizados pelo Impressionismo.