"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Um sonho e os fantasmas de Goya

                                                                                  Goya

Sonhei que me deitavam em um apoio de madeira, inclinado, preso com argolas que impediam movimentos, as pernas ficavam para baixo. O que compreendi ali é que eu era um sacerdote católico dissidente, e o ambiente do drama, obscuro, típico da Inquisição, cheio de apetrechos de tortura. “Vamos fazer nele o teste da paciência...”, disse um deles. Consistia em injetar uns ferros pontiagudos, como agulhas grotescas, que pudessem penetrar nas veias das pernas e retirar a maior quantidade de sangue para ver a reação da vítima. A sensação é de que passei grande parte da noite observando aquela cena numa circunstância de indefeso e forçado a ter a maior paciência. Creio que sobrevivi ao teste da perversidade daqueles santos monges, dispostos às maiores atrocidades. Parecia tudo tão real que não procurarei interpretar essas cenas.

Então, relembrei o excelente filme “Os fantasmas de Goya”, produção da Espanha e dos Estados Unidos da América (2007), direção de Milos Forman, uma mistura de ficção e realidade que narra a relação do grande pintor espanhol com as façanhas da Inquisição. Goya não era bem-visto pelos inquisidores, principalmente porque, em suas gravuras críticas, faz referência a monges glutões, sensuais, bruxas, representações de julgamentos da Inquisição, execuções, de forma que aquelas obras foram consideradas, pela elite da Igreja, como blasfêmia e desafio à própria Inquisição. Mas, além de um genial artista, era também hábil nas questões políticas. Em todas as situações difíceis na vida política espanhola, manteve-se quase intocável, principalmente pelas relações que obteve retratando o rei e sua família, a nobreza espanhola e até inquisidores; alguns destes defendiam o pintor quando chegavam denúncias sobre suas obras, etc. E tinha o cargo de Primeiro-pintor da Câmara do Rei, ainda sob o cetro de Carlos IV. Foi preservado também quando da invasão espanhola pelas tropas napoleônicas e atuou como pintor oficial no domínio de José Bonaparte, o irmão mais velho de Napoleão.

Uma das principais personagens do filme é a jovem Inez Bilbatua, filha de um rico judeu. Linda modelo de Goya, representada em retrato, foi denunciada por agentes do Santo Ofício por simplesmente ter sido flagrada negando-se a comer carne de porco em uma taberna com amigos, e por isso a intimaram para se apresentar aos tribunais da Inquisição. E quem a recebeu foi um inquisidor maquiavélico, Irmão Lorenzo. Aí começa a via-crúcis de Inez sob o sadismo do Irmão Lorenzo, que a submeteria a torturas variadas, seduzindo-a sob o sinal da cruz e de rezas, desfrutando de sua beleza. Inez enlouquece e só sai das masmorras da Inquisição com a entrada das forças napoleônicas e a presença de José Bonaparte... Isso já me lembra de outro assunto: as torturas e masmorras dos sistemas totalitários do mundo atual e do século passado, porque as torturas e guerras permanecem, e o mal ainda não foi extirpado no planeta.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Morte e renascimento na arte




A história da morte e do renascimento na arte persiste desde os tempos da arte rupestre, quando os artistas, considerados bruxos, mágicos, sacerdotes, eram “encarregados” de ligar as imagens ao desejo comum de caça dos produtos para a subsistência tribal. Foi principalmente nas cavernas escuras — que são símbolo de morte, de mistério — que os pré-históricos deixaram essas visões fenomenais em cores terrosas e negras, com cenas de bisontes sendo caçados, de batalhas e outras que são pesquisadas ainda hoje por diversos estudiosos sob a égide da complexa rede do conhecimento. Segundo estes, os materiais usados nas pinturas eram retirados do próprio ambiente, como minerais triturados, argila, sangue, gordura, resina, ervas... Todas essas substâncias naturais formavam pigmentos e aglutinantes, que permitiram resistir, pelos séculos, os registros desses ancestrais nas rochas. O tema principal era a morte para permanecer a vida, a possível conquista da carne e o sangue dos animais para perpetuar a própria espécie. A natureza, o cotidiano da caça e a fertilidade, em que predominava o culto ao ser feminino, estavam presentes em suas representações: em pintura, gravuras realizadas com incisões nas rochas, desenhos, esculturas...

A questão da transcendência foi acentuada na Antiguidade, quando a geometria desenhava os seres e os deuses, de forma rígida e hierárquica, obedecendo a uma simetria permanente. Um mergulho na ordem. E essa ordem geométrica foi morrendo para, aos poucos, a forma humana renascer e adquirir proporção e maior realismo na civilização greco-romana; o conceito de beleza se tornou, então, outro: espelhar a própria natureza. Nas eras Paleocristã e Bizantina, foi perdendo as características clássicas, permitindo nascerem os simbolismos cristãos, que predominaram em grande parte da Idade Média: voltaram às representações humanas sem obedecer às proporções. O Cristo, nas obras, era como se tivesse um corpo maior do que seus apóstolos, por exemplo. Foi preciso voltar ao que a História nomeia como Renascimento para que toda obra greco-romana influenciasse os artistas que marcaram para sempre o planeta em vários conceitos da arte. Desde o Renascimento, muitas concepções influenciaram e morreram.

O movimento de morte e renascimento a cada época representa a morte das ideias anteriores e o renascimento das suas sucessoras. Nos séculos passados, um pensamento e a concepção na arte demoravam muito tempo; só o Barroco durou quase 100 anos no mundo, influenciando muitos países, inclusive o Brasil. No século 20 e neste, passam quais raios e explodem como movimentos que já estão presentes nos anais da História. Só há uma morte definitiva: a do fanatismo, seja na arte, na religião, na ideologia ou na política...

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Os sentidos e a arte




Para Leonardo da Vinci, o olho era o órgão que espelhava o mundo e sua beleza, que se comunicava com o cérebro, fornecendo as informações da forma, da luz e do espaço; um dos primeiros sábios a penetrar nesses detalhes que, hoje, consideramos conhecimento básico para entender a visão. E, por analisar que era uma das percepções mais completas, nomeava a pintura como superior às outras artes. Para o artista florentino, a pintura — que considerava ciência e “coisa mental” — fornecia questões mais complexas para descrever as formas, tal qual a representação da natureza, com as suas minúcias. A escultura, por exemplo, apresentava os corpos com os volumes conhecidos e as proporções, mas a pintura descrevia aqueles corpos com as sombras e luzes e os colocava sob o domínio da lei do equilíbrio e da perspectiva, ante uma paisagem ou ambiente qualquer, que demonstrava a emissão luminosa do Sol.

Já Renoir, um artista que valorizava muito as mãos, dizia que havia uma interligação direta dos nervos das mãos com o cérebro; logo ele que, da maturidade ao final de sua vida, teve uma artrite severa em todo o corpo que, principalmente, deformou as mãos, fazendo seu filho, Jean Renoir, relatar que Pierre-Auguste Renoir era para ele um mistério; não entendia como o pai pintava as obras-primas com aquela deformação. O pintor dizia que conhecia as pessoas pelas mãos, eram elas que falavam do seu caráter, “É pelas mãos que devemos julgar os recém-chegados”. E ainda dizia: “mãos burras, mãos espirituosas, mãos de cafajeste, mãos de puta...”. Acrescentava Jean Renoir: “Enquanto as pessoas olham para os olhos com o fim de conhecer melhor o semelhante, Renoir olhava suas mãos”.

Um pintor que poderíamos considerar inteiramente mergulhado na matéria da pintura, como se colasse seu próprio corpo nos pigmentos e no óleo, na tela, ou em outro suporte utilizado, era Lucian Freud (1922–2011), artista considerado britânico, nascido na Alemanha, neto do psicanalista Sigmund Freud. Afirmava que pintava um corpo até que a pele virasse carne. Seus nus eram crus, de um realismo dramático, as pinceladas intensas, como quem buscava algo mais que a simples aparência, uma representação direta do corpo. Podemos considerar sua pintura como uma linguagem ímpar no século XX e início do XXI.

Um artista delicadíssimo, refinado, que aparentava pintar só com o espírito, era Balthus (1908–2001); as obras desse pintor francês — com ascendência polonesa — passam uma reflexão de quem pensa a pintura como algo à parte do mundo prático, com um sensualismo intimista, em composições rigorosas e clássicas. A execução de suas obras era lenta, pensada, sem pressa alguma. O mínimo detalhe de um quadro era trabalhado como um universo. Um pintor do silêncio e da meditação pictórica...


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Arte e democracia




É fato o fracasso da arte e dos artistas nos países totalitários, como na Alemanha — onde imperava o Partido do Nacional Socialismo dos Trabalhadores Alemães, ou simplesmente Nacional-socialismo alemão, ou nazismo — e na União Soviética — quando o Partido Comunista reinou por 69 anos. Sistemas políticos que obrigavam os artistas a pensarem a sua arte em sintonia com esses Estados totalitários, com o único objetivo de fazer propaganda para defender o poder absoluto e suas ideias esdrúxulas; caso contrário, os artistas seriam massacrados, perseguidos ou eliminados de várias formas, como realmente o foram. Estes, então, migraram para os países democráticos da Europa e para os Estados Unidos da América.

Os maiores movimentos da arte que influenciaram o mundo se estabeleceram nas democracias que permitiram o seu desenvolvimento sem importunar os artistas. O Impressionismo, nascido na França, tendo passado pela primeira fase de consolidação, espalhou-se para outras culturas, influenciando, com a nova estética, até mesmo no Brasil, como é o caso do pintor Eliseu Visconti. Os principais participantes do Impressionismo conseguiram firmar sua personalidade e expandir outras abordagens da arte. Exemplos advindos das obras de Van Gogh, Gauguin e Cézanne se desenvolveram em outras visões e interpretações plásticas. A começar pelo Fauvismo e pelo Expressionismo, o primeiro na França e o segundo na Alemanha (antes do nazismo), estes trocaram informações convergentes nas obras. Uma fase de extremo entusiasmo que envolveu artistas como André Derain, Roualt, Henri Matisse, Emil Nolde, Kandinsky, Kirchner, Oskar Kokoschka, Franz Marc, Paul Klee, Max Beckman...

O Cubismo foi inicialmente percebido por Picasso nas obras de Cézanne, com as formas geométricas em suas composições. O artista espanhol vai além e amplia a construção pictórica na obra “As Senhoritas de Avignon” (“Les Demoiselles d’Avignon”), sendo o passo mais radical na história da arte para a entrada no Cubismo. Após ver essa obra, Georges Braque, seu companheiro, que era como seu irmão siamês, trabalhou junto com Picasso quase as mesmas formas, a ponto de não se identificar a autoria de um ou de outro. O marchand Daniel-Henry Kahnweiler, que escreveu o livro “Minhas Galerias e Meus Pintores”, diz que vendeu mais de mil obras cubistas. E muitos outros artistas aderiram, de alguma forma, ao novo movimento, com variações próprias, como Juan Gris e Fernand Léger.

O Surrealismo, o Dadaísmo, a Scuola Metafisica, o Neoplasticismo e o Construtivismo, além da Arte Contemporânea — com todas as suas expressões e concepções atuais —, desenvolveram-se na democracia. O totalitarismo jamais permitiria essa riqueza construída desde então até os nossos dias.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Arte e totalitarismo





Toda vez que a arte esteve envolvida com os estados totalitários no século XX, houve um impasse, não deixou marcas salutares na História. As duas experiências mais fortes foram na Alemanha nazista e na União Soviética, principalmente porque esses Estados queriam imprimir na arte a ideologia de suas raízes, com as quais os artistas não poderiam dizer os seus pensamentos individuais, e sim expressar as ideias do Estado absoluto.

Antes da implantação do nacional-socialismo na Alemanha, a arte estava impulsionada pela criação de vários movimentos em sintonia com outros europeus, como o expressionismo e o fauvismo franceses. Muitos artistas procuravam Berlim para se alimentar dessas novas fontes; era uma efervescência cultural moderna estabelecida por nomes como Emil Nolde, Kandinsky, Paul Klee, Kirchner, entre outros que se destacaram nesse movimento. No advento do nazismo, Hitler e seus seguidores nutriram ódio ao expressionismo, por considerar uma visão deteriorada do mundo e das coisas, de origem comunista e judia, considerados inimigos do sistema.

Para contrapor a arte moderna, o ministro de propaganda, Joseph Goebbels, com o aval de Hitler, realizou a exposição “Arte Degenerada”, onde reuniu artistas que estavam sintonizados com o expressionismo e os que representavam uma ameaça às novas ideias para uma arte alemã considerada expurgada de todas as deformidades, tal como considerada pelo nacional-socialista.

A partir desse fato, criou-se uma tendência estética que representava a pretensa superioridade ariana, em que as esculturas, pinturas e gravuras evocavam o enaltecimento da ideologia vigente. Verdadeiro disparate ante a História, e o destino dessa nova concepção ariana, naturalmente, foi a nulidade. Também iniciaram as perseguições aos artistas, com prisões, torturas e assassinatos, e a migração forçada pelas circunstâncias da repressão.

O mesmo aconteceu após a revolução bolchevista, que atraiu inicialmente um interesse revolucionário na educação pela arte, envolvendo artistas interessados em participar da primeira etapa da Revolução de 1917. Artistas como Chagall, Malevitch, Lissitzky, Kandinsky e Maiakovski estiveram presentes nessa etapa educativa ainda aceita pelo poder bolchevista. O Estado predominava como patrocinador das artes; os colecionadores ricos que financiaram a vanguarda russa já tinham saído do país. Havia nesse momento conflitos sobre o que representaria a arte para a revolução, período em que foram afastados os artistas criativos e independentes, predominando o realismo soviético.

A partir de 1923, as cabeças que lideravam a arte independente foram excluídas dos programas da instalação da arte voltada para o Estado. A consequência real foram prisões, assassinatos, suicídios..


quarta-feira, 20 de abril de 2016

Chagall e a Revolução Russa

                                                                                Marc Chagall

Deflagrada a Revolução de 1917, o pintor russo Marc Chagall, imbuído de idealismo, retorna à sua pequena aldeia natal, Vitebsk, de população predominantemente judia — ele próprio era judeu —, já com um percurso considerável em Paris, onde conheceu a vanguarda de artistas plásticos e poetas. Amigo de Modigliani e do poeta Apollinaire, que selecionou obras do artista para realizar uma exposição em Berlim, associa-se à Escola de Arte do Povo de Vitebsk, fundada em 28 de janeiro de 1919, no calor da influência revolucionária, como um dos professores mais importantes e colaboradores educacionais da arte no movimento bolchevista.

Chagall alcançou um prestígio notável com os estudantes e a população local, atraindo todos os interessados em estudos da arte com as inovadoras interpretações das coisas a serem representadas. Em aulas de campo, por exemplo, ensinava que seria interessante captar a natureza pelo seu lado mais feio para, então, retirar dali o belo e a essência. Pregava uma arte livre, individualista e independente, que ia de encontro, naturalmente, ao coletivismo das novas ideias da ordem marxista/leninista vigente.

Seu interesse era o povo, e acreditava que a educação pela arte seria um meio libertador. Dizia que era preciso “cuidar para não apagar as peculiaridades individuais de cada pessoa, embora trabalhando em grupo”. Por isso, o seu ensino era chamado de “estúdio livre”, tinha o maior número de inscritos. O seu estilo marcou, entre seus alunos, pela admiração e pelo respeito às ideias e à obra.  Ele se entusiasmava em ver uma população pobre, jovem, de origem operária, interessada em se integrar à Escola de Arte, criando uma nova perspectiva de vida e de alegria. O artista recrutou, em Petrogrado e Moscou, professores como o futurista Ivan Puni e a esposa, Ksenia Boguslavskay, entre outros, para a empreitada educativa na arte.

Mas o entusiasmo de Chagall foi arrefecendo com as lutas internas revolucionárias e estéticas de alguns, que pretendiam provar qual arte estaria destinada a representar melhor a nova revolução. Um deles foi Malevich, que criou o suprematismo, acreditando ser o mais puro símbolo do coletivismo na arte bolchevista; e o seu discípulo direto, Lissitzky, que não aprovava o ensino do pintor de Vitebsk. Logo Malevich entrou em choque com o humanismo de Chagall, que se ausentou de Vitebsk e da Rússia e voltou a Paris. Esse momento significou o início do conturbado fim da Escola de Arte do Povo, que após também o afastamento dos suprematistas, aos poucos se destruiu. Mas existia outro grupo na arte da revolução bolchevista: era o dos que achavam que o realismo seria o caminho. O mau gosto predominou: o território russo encheu-se de esculturas de Marx, de Lenin, de Stalin e de corpos musculosos.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Leonardo e Michelangelo




Da Vinci e Michelangelo competiam em suas visões geniais sobre a arte. O primeiro, de modos delicados, elegante, um espírito enriquecido de pesquisas infindáveis que entendia a pintura como ciência e como a maior de todas as artes, acima da poesia, da escultura, e a música acima destas. Vinte anos mais velho que o escultor florentino. Segundo o artista, a sua obra-prima, a Gioconda, representava seu pensamento sobre a pintura, porque, dela, extraiu a supremacia da arte, pondo a expressão do sentimento humano na face do modelo e vida ao fundo, representando o cosmos, a elevação das montanhas, a vibração das águas, das plantas, tudo envolvido em luz e sombra, o que anteciparia os conceitos do impressionismo. Colocou o conhecimento científico paralelo à sua arte. Dizia que a pintura é “coisa mental”, afirmando, com isso, que, ao pintar qualquer coisa do universo, antes ela passa pela mente, pelo espírito, e, depois, é consolidada pelas mãos. Um cientista combinado com as potências de um demiurgo.    

Michelangelo era uma tempestade andante, vestia-se mal; era solitário, feio, irascível, difícil para qualquer aproximação. Trabalhava como uma máquina, obsessivo, e, após longas sessões no trabalho escultórico, dormia sobre o pó do mármore ou ali mesmo onde estava a pintar um afresco, como na Capela Sistina. Ninguém lhe dobrava a vontade; mesmo o papa Júlio II teve muito trabalho ao conviver com o artista e lhe solicitar as obras que o escultor deixou como patrimônio à humanidade. Conta-se que, em 25 de janeiro de 1504, em Florença, 28 notáveis da pintura e da arquitetura, como Botticelli, Perugino, incluindo Da Vinci, se reuniram para dar um destino à monumental escultura Davi – chamada de O Gigante, pela sua altura e grandeza. Ao analisar a escultura, Leonardo realizou um desenho demonstrando como a obra deveria apresentar a sua forma, indicando que existiam algumas desproporções entre a cabeça e o corpo e a exposição da genitália, que foi um assunto polêmico na cidade...  

Diz um cronista do século XVI que Da Vinci passava na Piazza Santa Trinità, onde estava reunido um grupo de pessoas a discutir um trecho de Dante, e solicitaram a ele que interpretasse uma parte enigmática. No mesmo momento, passava Michelangelo, e o pintor chamou a atenção dos cavalheiros para que convocassem o escultor. E aí Michelangelo devolveu: “Explica-a tu, que fizeste um desenho de um cavalo para ser moldado em bronze, mas foste incapaz de moldá-lo”.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Pierre-Auguste Renoir


                                                        Renoir desenhado por Picasso

Renoir era essencialmente um pintor do trabalho contínuo, da ação permanente com a matéria da pintura. Desprezava tudo que poderia se chamar “teoria” e gabava-se de ser assim. Logo cedo, na adolescência, aos 13 anos, iniciou o seu labor com os pincéis, mas para pintar porcelanas com temáticas florais e figurativas, como o retrato de Maria Antonieta, assunto que o público consumidor mais gostava. Quando adquiriu um sucesso popular e, principalmente, com o patrão do comércio das porcelanas — que ficou dependente de sua arte e impressionado com o pintor jovem e talentoso —, Renoir passou a ser saudado nas ruas de Limoges, sua cidade natal, como uma preciosidade na decoração em porcelanas. O sucesso foi tão precoce nessa atividade que conseguiu dinheiro suficiente para comprar uma casa para seus pais e juntar um pouco mais para ir a Paris e frequentar ateliês de mestres e a Escola de Belas Artes. Esse momento lhe foi importante porque travou conhecimento com os ainda jovens pintores Bazille, Monet, Alfred Sisley, Cézanne... Depois vieram os contatos com Pissarro, “o cérebro da jovem pintura”, Seurat, Degas, Caillebotte, Berthe Morisot e Manet, um dos inspiradores dos impressionistas...

                                                               

Renoir era um frequentador assíduo do Louvre e foi ali que aperfeiçoou o seu pensamento sobre a arte observando as pinturas de Watteau, Boucher e, posteriormente, Fragonard, com os retratos femininos; sobre a Escola de Barbizon, paisagistas que se reuniram a partir de 1830, afirmou: “Compreendi, de imediato, que homem excepcional era Corot. Não passará nunca”. Essa base fortaleceu suas pinceladas e o definiu antes de conhecer a luz do impressionismo, na qual encontrou uma libertação das cores e a criação absoluta do estilo, da caligrafia da sua obra, permanecendo como um dos fundadores mais fortes desse movimento.

Renoir orgulhava-se da simplicidade da sua paleta, da maneira rápida como pintava e como conseguia as formas nas telas, com felicidade, iluminação; para ele, a arte deveria imitar as coisas da natureza, na essência, na grandeza; tinha as mãos para representar o próprio olhar, antes das teorias. Dizia que “na minha casa só posso suportar as mulheres”. E estas eram modelos e serviçais. Segundo conta o seu filho Jean Renoir, no livro “Pierre-Auguste Renoir, meu pai”, o pintor pedia-lhes que cantassem, contassem histórias, tornassem a sessão mais alegre possível. Eram elas que punham as cores na paleta e amarravam os pincéis em suas mãos deformadas pela artrite e cobriam o seu corpo com ataduras ungidas por álcool para a higiene pessoal, todas as noites.

A generosidade de Renoir era notável, tornou-se rico, distribuía milhares de francos aos que necessitavam, deixando-os agradecidos e emocionados por essa atitude.