"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O pintor revolucionário


Paul Cézanne nasceu e morreu rico, graças principalmente ao pai, Louis-Auguste, homem habilidoso nos negócios, de origens operárias, ex-chapeleiro que ascendeu como banqueiro e se tornou um dos cidadãos mais bem-sucedidos de Aix-en-Provance, terra natal do pintor burguês, “o mais burguês dos burgueses franceses”, também considerado o mais revolucionário do seu tempo. Como a sociedade de Aix não aceitava o ex-chapeleiro por puro preconceito pelas suas origens, até mesmo quando alcançou o status de banqueiro de destaque, direcionou o seu filho a uma formação sólida, porque pretendia que ele seguisse a carreira da magistratura para honrá-lo ante os concidadãos que o renegava.
 
Cézanne estudou nos melhores centros educacionais e foi no Colégio Bourbon que conheceu Émile Zola, quando construíram uma bela amizade no período da juventude que, na maturidade, apresentou discordâncias pessoais nas concepções de vida, mas os laços permaneceram. Os dois eram estudantes notáveis interessados em literatura e poesia, que fez Cézanne registrar a outro amigo: “Imagine que, no colégio, Zola e eu passávamos por fenômenos...” Após esse período de formação o escritor segue à Paris para a sua trajetória, inicialmente, como jornalista, e Paul fica em Aix sob a influência do pai que o queria na faculdade de direito para concretizar o sonho de ver o filho como magistrado.
 
Impelido por Louis-Auguste estuda um ano no curso de direito, mas logo sente que não é o seu caminho e o pai fica decepcionado. Quer ir à Paris para estudar pintura. O banqueiro não pensa em apoiá-lo, mas a irmã Marie e a mãe, Anne, conseguem dobrar o velho Louis, e este a contragosto permite que Cézanne vá à Paris, como experiência, e permaneça durante um ano, mantendo-o com uma modesta pensão.  Após alguns fracassos do pintor em Paris, retorna para Aix-en-Provance e o pai o coloca no banco, para mais uma decepção: o único homem da família não queria cumprir a tarefa de continuar a atividade do pai, escolheu definitivamente ser um pintor, para o desgosto de Louis-Auguste Cézanne...

A história de Paul Cézanne é um testemunho vivo de inteligência, perseverança e coragem em alto grau. Foi um artista, em grande parte de sua trajetória, incompreendido pelo público, pela crítica vigente, por alguns artistas e pela oficialidade da arte, na academia e nos Salões de Paris. A sua formação como pintor foi  complexa, renegado pela Escola de Belas Artes fez o seu próprio caminho, aliando-se a outros que também estavam no mesmo estágio de vida, os considerados rebeldes ao o estabelecido do que era arte nos meios acadêmicos. Após passar por uma fase romântica-expressionista, com pinceladas largas, dramáticas, espessas, ele embarca na concepção dos jovens artistas que estavam a propagar na pintura a luz natural das paisagens e sobre as coisas, que o jornalismo à época os identificou como impressionistas, e não foram aceitos de imediato pelo grande público. Começou a frequentar a convivência com Camille Pissarro, de quem adquiriu a captação da luz pelas pinceladas, uma influência enriquecedora e uma amizade permanente. Ao mesmo tempo veio Auguste Renoir, Claude Monet, que compartilharam juntos em exposições impressionistas com outros pintores.
 
Mas, Cézanne foi além do impressionismo. Criou sua própria concepção de interpretar o mundo visível, à medida que envelhecia, refinava a sua pintura e quando apresentou esses períodos foram denominados pela crítica posterior de analítico, sintético e barroco; fases em momentos diferentes, mas que se confundem numa geometria sólida e arquitetural, baseada na construção da cor no espaço, ainda não explorado por outros criadores. Ele se dizia um artista do futuro, e o foi. Reconhecido nos seus últimos dias como um dos gênios que contribuíram para uma nova visão na arte, sua obra então se espalha sobre a Europa e América; admirado, principalmente, entre os jovens artistas que o tratavam com um respeito a um demiurgo.  A partir dele a modernidade se concretizou, não teria mais volta, a revolução foi instalada...