"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Arte e tragédia


Iberê Camargo

Para os artistas, a arte nunca foi um mar de rosas. Quem diz é a própria história, com as experiências individuais e coletivas. Houve até artistas que a chamavam de maldita. Só os amadores, aqueles que a apreciam através de livros e manifestações culturais, é que conseguem amar a arte incondicionalmente. Os que vivem e viveram os longos anos de amadurecimento reconhecem que essa amante não é somente tão prazerosa assim, têm os seus momentos de dúvidas, de angústias e fatos inesperados, e quem não os teve, então, não sabe o que é arte. A explicação para o fato é que se penetra tão profundamente na sua essência que se alcança o nível de ódio. Que o digam as tragédias shakespearianas que passam por punhais, venenos, traições, bruxarias, fantasmas...

Jacson Pollock

Em nosso país, começaria com o pintor Almeida Júnior, assassinado a punhal por um marido raivoso traído pelos seus encantos, já que era tido como, além de extraordinário artista, um galanteador de primeira linha. Portinari, o estandarte nacional da pintura, era um homem pacato, mas foi envenenado, lentamente, pelo manuseio das tintas a óleo, ainda com uma idade em que poderia produzir muito mais a favor da obra em que trabalhava, com destaque internacional. Pancetti, o paisagista de marinhas que encantou a crítica e o público, antes do câncer fatal, foi acometido, quando ainda era marinheiro, de uma tuberculose que o impediu de receber um prêmio de viagem ao estrangeiro, em 1941, no famoso salão revolucionário da Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas Artes. Iberê Camargo assassinou um transeunte que estava discutindo com uma mulher quando o artista foi tomar satisfação com ele e, depois, armado de uma pistola, disparou a sangue frio contra o homem; o fato trouxe consequências graves para a vida do pintor, mas foi absolvido como legítima defesa.

Caravaggio (1571–1610), um dos artistas do barroco italiano, teve uma vida tumultuada de brigas e assassinato, apesar das representações religiosas em sua obra — morre aos 38 anos como consequência de suas extravagâncias. Picasso, com toda a riqueza e fama, tinha uma relação familiar das mais trágicas, principalmente com as oito mulheres com que conviveu. Duas delas suicidaram-se após a sua morte: Jaqueline Roque, a última, em 1986, com um tiro na cabeça, e Marie-Thérèse Walter, que se enforcou em 1977. Poderíamos lembrar ainda duas artistas que se incluem numa vida trágica, a mexicana Frida Kahlo, com as intermináveis cirurgias, e a escultora francesa Camille Claudel, que morreu em um manicômio, em Paris, após 30 anos de internação. Quanto a nós, é só bater na madeirinha três vezes, toc, toc, toc...


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O autorretrato


Na história da arte, o autorretrato é uma das formas de registro do artista por ele mesmo. É quase sempre uma autoanálise profunda, às vezes cruel, como no caso de Van Gogh e Gauguin, que se retrataram nos momentos mais terríveis; outros artistas optaram por uma representação imponente, ou como Narcisos, encantados com a própria imagem.

Van Gogh, em todas as suas angústias, permanecia ante o espelho a pintar e desenhar o próprio rosto para poder decifrar a dor psíquica, mas também nos momentos de intervalos de relativa paz. Gauguin, à procura de um paraíso, se indagando acerca da sua visão como artista e a se autointitular selvagem e genial, confiante, se fortalecendo de ideias imbatíveis.

Em Picasso, era o olhar agudo a referência de si mesmo, ou as cenas clássicas O artista e o seu modelo, com um interesse de se colocar lado a lado ao corpo nu feminino, sendo o perfil do artista representado como uma presença permanente nessas obras. Cézanne, uma das fontes estéticas de Picasso para a consolidação do Cubismo, se retratava tal como uma pedra, impenetrável psicologicamente, submetia a face à simples concepção do espaço geométrico, sem as emoções, por exemplo, vangoghianas; o tempo das sessões era quase interminável, assim como pintou O Monte de Sainte-Victoire em sucessivas versões, nos trinta quadros a óleo e mais de quarenta aquarelas.

No Renascimento, alguns artistas se representaram cada um com uma visão peculiar. Da Vinci, como sábio que era, pintou seu mais famoso autorretrato (1510–1515), com uma barba, já velho, alquebrado por excesso de trabalho. Um desenho magnífico, em linhas claras e objetivas. Botticelli se fez representar, em têmpera (1475), na obra Adoração dos Magos – Galeria Uffizi, em Florença. Rafael Sanzio, num óleo sobre painel (1506) de pequenas proporções (47,5 cm x 33 cm) e no afresco A Escola de Atenas (1509) – Stanza della Segnatura, Vaticano –, onde se autorretrata como um dos presentes na cena.

O autorretrato é uma das mais curiosas representações do artista. É um documento do seu olhar sobre o mundo, uma verdade que passa para o espectador, principalmente quando realizado por artistas que pretenderam e realizaram obras que são patrimônio para a humanidade.