"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sábado, 24 de novembro de 2012

Pilar da arte



Os jovens artistas da geração de 1970 tinham como espelho os das anteriores, principalmente aqueles que admirávamos como um dos pilares da arte realizada em Pernambuco. E um deles era Montez Magno. Um artista consolidado, com opiniões críticas sérias e confiáveis; procurávamos, nele, ouvir os conhecimentos e necessitávamos de saber algo sobre nós mesmos.
 
Uma geração de autodidatas é o que se poderia dizer, apesar também de nos apoiarmos na experiência desses artistas. A vida era a nossa escola, não existia, como hoje, essa alternativa propagada de que, para ser artista, tem de frequentar mestrados e doutorados. Nós abríamos os livros de forma prazerosa, sem o “cabresto” dos orientadores atuais das universidades, que dão os rumos para a defesa de teses.
 
Para nós, uma opinião sobre o nosso trabalho ou um texto crítico com a assinatura de Montez Magno era um aval de grande importância. Como as de Gilvan Samico, Jomard Muniz de Britto, Francisco Brennand, José Cláudio, Raul Córdula, João Câmara, Ypiranga Filho, Wellington Virgolino, entre outros de gerações diferenciadas. E mais a influência dos pais do modernismo regional e nacional, como Vicente do Rego Monteiro, Joaquim do Rego Monteiro, Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres e Aloísio Magalhães. Fomos também os herdeiros do Atelier Coletivo, liderado por Abelardo da Hora.
 
Em 1982, procurei Montez Magno para mostrar uma série de pinturas sobre trabalhadores rurais, cortadores de cana-de-açúcar da Zona da Mata pernambucana, que a intitulei de Paisagem de nossa vida. Eram flagrantes de suas atividades, isto é, plantando, colhendo, transportando a cana; velhos, crianças, mulheres, todos, ali, suando para receber o seu sustento, uma sobrevivência dura ao sol a pino. Toda a pintura baseada em cores terrosas e alguns toques mais fortes de verde, azul, vermelho, e, às vezes, um amarelo intenso, tudo em pinceladas nervosas, gestuais.
 
Montez, paciente e atencioso, olhou cada quadro, fez as suas anotações e escreveu uma apresentação — Sobre a pintura atual de Plínio Palhano —, que considero séria e aguda. Abordou o lado expressionista do autor, o parentesco com outros artistas locais, como José Cláudio, Piedade Moura, Ana Ivo, e os de âmbito histórico internacional: Soutine, Daumier, Van Gogh. Creio que ele tenha dado o perfil do que viu naqueles trabalhos com a verve crítica sem a falsa complexidade que encontramos comumente nos textos atuais de certos curadores, nos quais nem o público nem ninguém sabe o que eles querem dizer. Entrou no lado técnico, na concepção, execução, estudando todos os ângulos do pintor. Um texto raro na fortuna crítica sobre a minha obra e que permanece uma representação do olhar verdadeiro sobre a arte e o artista.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A vez dos idosos


                                                   Rembrandt

Conta-se nas Escrituras Sagradas budistas que o príncipe Siddhartha Gautama (por volta de 566 a.C.), aquele que se tornou o Buda, o iluminado, na sua doutrina da universalização do sofrimento, encontra na velhice — como no nascimento, na doença e na consequente morte — um dos fundamentos da dor humana. É na contemporaneidade, nos países ocidentais, principalmente nos em desenvolvimento, que nós constatamos o fato com mais força no dia a dia dos idosos. No Nepal, onde surgiu o Budismo — que se espalhou depois pela Ásia — não há a necessidade de um estatuto que os proteja, porque, lá, a tradição milenar impele a respeitá-los.

Pressupõe-se que todo idoso seja sábio, mas nem todos alcançam essa possibilidade, mesmo porque a maioria não teve a oportunidade de uma vida mais tranquila para armazenar um conhecimento formal ou natural transmitido via intuição. Só aqueles que passaram toda uma vida refletindo, como um fruto que passa do broto ao amadurecimento completo, adquirem a sabedoria. Nem todos tiveram a oportunidade de um Claude Monet, que teve, no que se sabe, uma vida relativamente feliz e reflexiva na sua propriedade em Giverny, onde pintou incansavelmente a série de obras intitulada Nenúfares, nos seus últimos dias, no belíssimo lago que construiu e na famosa ponte japonesa. Foi ali que Monet fortaleceu e concluiu as ideias mais avançadas do impressionismo.

Também nem tiveram uma velhice como a de um Gilberto Freyre, que passou toda vida estudando e realizando obras-primas sobre a Nação brasileira e, antes da morte, deixou vários artigos para serem publicados na imprensa pernambucana, demonstrando uma vida social e intelectualmente ativa; sem falar do seu esforço para a consolidação da Fundação Joaquim Nabuco — órgão importantíssimo, que é referência para a cultura nacional.

Os idosos, já limitados pelas condições físicas, ainda são desrespeitados em nosso país, quando circulam pelos centros urbanos — nas filas de pagamento ou de recebimento de pensões, nos transportes coletivos, nos consultórios, no trato social — e pelos próprios parentes diretos, que os aprisionam para assinarem procurações ilegítimas e lhes toldam as próprias vontades, aproveitando-se da fraqueza natural da idade e fazendo de sua vida gato e sapato, numa santa hipocrisia: os nossos idosos familiares quase sempre são apenas peças de decoração para mostrar à sociedade que estão servindo às suas necessidades numa mentira sentimental mascarada de bondade religiosa.