"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os chefetes


Refiro-me aos chefetes de governos municipais e estaduais, que se arvoram de uma autoridade emanada do seu grande senhor: um presidente de uma estatal, secretário de estado, diretores e presidentes de instituições, etc. Esses personagens se tornam, muitas vezes, revestidos de um poder arrogante que oprime os seus companheiros mais elevados moral e intelectualmente. Eles pensam que têm carta-branca para cometer as arbitrariedades mais absurdas possíveis. E esses ainda possuem o DNA de certa psicopatia de ex-carcereiros de presídios, não identificada pelos seus superiores ou pela medicina que trata dessa patologia entre os corredores da administração pública, porque a sua atuação se caracteriza por um sadismo para àqueles que dependem das determinações deles e, na frente dos mestres, se comportam como seres adestrados.

É um sujeito capaz de apontar um falso deslize de um colega por simples prazer de deixá-lo triste, deprimido, isto se dizendo acobertado por lei ou Decreto que o torna num rei da severidade e da obediência servil aos prefeitos, governadores, secretários, presidentes de empresas... E, às vezes, deixam esses seus mentores em situações constrangedoras, porque quando fazem os deslizes administrativos ou quando flagrado em perseguição a um colega, culpam as ordens que receberam do príncipe da alta corte ou das leis e Decretos.

Geralmente são apadrinhados por políticos com força e influência no poder dessas administrações, que não constatam o caráter e não acompanham o seu desempenho na empresa escolhida que foi lotado. E qualquer opressão sobre estes, correm logo para os seus “padrinhos” para que venham em socorro dos seus atropelos criminosos. Estamos cansados de ver esses chefetes a distribuir dinheiro sob ordens superiores, como no caso do mensalão, em que se têm vários exemplos, e, hoje, os mesmos se apresentam num oceano de inocência.

Valorizar um trabalho de um companheiro, nunca, sempre ele, o chefete é que é o autor das grandes obras elogiadas pelos donos do poder. Os colegas são para serem maltratados de todas as formas, mas com bastante cuidado para não se caracterizar como assédio moral, não deixam rastros, seus pés são como de algodão, ocultando toda a sujeira de sua passagem. O mau-caratismo é praticado com um ar angelical, como uma aparente ética quase religiosa. Pois, o país está inundado desses personagens, que testemunhem Lima Barreto e Machado de Assis, em todos os recantos do poder, pobreza moral e lama nas repartições públicas!  



sábado, 8 de setembro de 2012

Coragem e leveza


Cada cidadão, ainda que não revele publicamente, tem o seu político que admira por uma realização social, sem que seja uma obra monumental: uma praça, uma escola, uma biblioteca, um hospital, um museu, uma avenida, um calçamento... Ou por uma atitude nobre que o destaque como político.

Convencionou-se em nosso país a não valorizar o político, nivelando todos por baixo: uma injustiça com os que realmente existem como exceção no Brasil. O mensalão e toda espécie de corrupção, essa chaga “democrática”, ajudou a desenvolver a ideia do mau político. Os privilégios do poder legislativo também. Mas todos os poderes no sistema democrático brasileiro criaram privilégios que reafirmam as desigualdades sociais. O Executivo, o Judiciário, o Legislativo, tem cada um deles, o lado podre instituído e amparados por leis. Mas também não deixamos de ter os ministros interessados em fazer obras em benefício social; os bons magistrados que procuram cumprir os seus deveres ante a sociedade; e os políticos que sonham com um país melhor e que dê condições plenamente favoráveis à população.

É uma minoria, nós sabemos, mas importantíssima, que tentam trabalhar para construir um mundo mais justo. O cidadão deveria observar, no caso particular dos políticos, a história dos parlamentares: os nossos representantes são reflexos das ações no voto e o que pensamos sobre o poder legislativo. Mas parece que permanecemos cegos sobre isso. É preciso fazer uma análise fria e comparar aqueles que representam a pior espécie do ser político e separar o joio do trigo; mas, para isso, talvez, precisemos de uma sólida formação cultural.

Dignidade e coragem são as características básicas para a atuação de um político que quer lutar em benefício da sociedade; e ainda requer uma sensibilidade especial, como antenas, para captar a vontade e as necessidades do povo e é aí onde se constrói o político carismático, porque ele se integra aos anseios coletivos como se fossem os seus próprios. Luciano Siqueira, que é um deles, médico, escritor, e, principalmente cidadão que ofereceu sua vida aos seus ideais, desafiou seus algozes, à época em que o forte argumento era a tortura, saindo vitorioso nessa luta, sem ódio; e o fez dizer, em seu livro de crônicas Como um lírio que brotou no telhado: para qualquer candidato, “pesa o estado de espírito, que precisa exibir coragem e leveza – para que atraia, agregue, entusiasme, convença, lidere.”

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sonhos de Chagall


O pintor Marc Chagall (1887–1985) teve, na cidade de Vitebsk, onde nasceu, a fonte durável para a criação de seus trabalhos. A memória do artista era repleta de passagens inesquecíveis daquele recanto da Rússia. Foi ali que descobriu seu talento e o amor por Bella, a primeira esposa, que o acompanhou a Petrogrado, a Berlim, a Paris e ao exílio nos EUA, quando fugia dos nazistas; era uma companheira produtiva e presente em muitas fases do artista. Os dois, judeus, mergulhavam na cultura judaica; ela, apegada aos rituais e às tradições, escrevia em iídiche e deixou um livro de memórias, que foi ilustrado pelo artista. Na obra de Chagall, a terra natal e a Bíblia foram mescladas e representadas com técnica e grande imaginação.

“Sonhos, sou um sonhador. Herdei essa índole onírica de minha mãe...”, disse Chagall em carta às suas irmãs. Foram esses sonhos que o alimentaram durante os seus 97 anos de vida.

Na juventude, após ter explorado Vitebsk em pinturas e desenhos e formado uma base com as orientações do pintor Yori Pen, partiu para São Petersburgo, a fim de ampliar seus horizontes nos estudos de Belas-Artes, mas logo se decepcionou com os métodos encontrados. Foi lá que teve as primeiras notícias da modernidade e conhecimento de Gauguin, iniciando uma linguagem própria que o desenvolveu e o tornou o Chagall que vemos propagado na História.

Na Alemanha, Chagall encontrou, com maior consistência, o público e o mercado para adquirir suas obras, após ter passado uma fase de entusiasmo com os movimentos culturais pós-revolucionários de 1917, que, por motivos de divergências, o fariam se afastar da Rússia por pretender maior liberdade para elaborar o seu pensamento na arte.

Paris, na verdade, era a sua meta, o seu sonho. Ele encontrou a Escola de Paris e se tornou um dos seus membros mais importantes. Conviveu com Soutine, Modigliani, Matisse, Picasso, Derain, Vlaminck, o marchand Ambroise Vollard, os poetas Apollinaire e Blaise Cendrars, tendo este último se tornado seu amigo. Nesse momento em Paris, dizia de si próprio: “A única coisa que vale a pena é que mestres como Matisse reconheçam a sua existência. Um teste? Sim. Paris é o peso mais pesado que pode existir para um artista”.

Ao final da vida de Chagall, as suas obras, com as imagens flutuantes e leves, em cores puras e extremamente harmoniosas, eram disputadas pelos museus e colecionadores, na Europa e nos EUA, numa consagração absoluta no mundo da arte.

                                                                 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Arte e Política




                                                      Portinari - "Os retirantes"




Sempre na época das eleições os artistas plásticos são solicitados para dar apoio político às campanhas; há assembleias, exposições, declarações, artigos e toda uma manifestação que feche a garantia de que eles estão do lado escolhido. Quando da volta do exílio e da candidatura de Miguel Arraes, nós estávamos presentes pintando muros com o grupo que chamamos de Brigada Portinari, numa bela campanha, porque acreditávamos na redemocratização e na volta de um político que foi retirado do Palácio do Campo das Princesas, simbolizando, assim, a expulsão de todos nós daquele palácio. Participar da Brigada Portinari nos deu muita alegria e fez história nas artes visuais.

A primeira candidatura municipal do PT, em 2000, só foi bem-sucedida por causa da presença entusiasta de personalidades no âmbito cultural e artístico, participando de encontros e expondo ideias; caso contrário, certamente não ganharia com aqueles pouquíssimos votos de diferença. Logo após a vitória, o secretário de cultura deu às costas a um segmento de artistas, não ouvindo os seus anseios ou não aceitando as reivindicações vindas das ideias que surgiram nas reuniões tão concorridas. O secretário só queria pensar “grande” querendo instalar o Museu Guggenheim na cidade, sem pisar no chão da realidade — iniciativa que “virou água”. Depois de longos anos, nada mudou nos museus municipais, ou muito pouco. Todos estão decadentes e sem verbas básicas para confecções, por exemplo, de um simples catálogo ou para infraestruturas necessárias para fazer um museu andar, sem falar nos baixos salários dos seus diretores.

Agora, em 2012, durante as campanhas, vão começar as mesmas histórias de reuniões e todas as formas de envolver os artistas para dar o respaldo necessário eleitoral. Creio que está no momento de o artista se impor como uma força independente, exigir em documentos formalizados os compromissos dos candidatos e cobrar, com altivez, a concretização de um plano de desenvolvimento dos museus já existentes e fazê-los agentes da cultura com maior força e eficiência. Diz-se que não se tem dinheiro para investir nas artes plásticas, mas, para instalar os palanques em cima da obra plástica Rosa dos Ventos, de autoria de Cícero Dias, e pagar altos cachês aos cantores de outros estados, para deles tirar imediatos proveitos, não há limites financeiros, porque são eventos que atraem as grandes massas; mas sabemos que a cultura não se expressa apenas com o talento dos nossos cantores, também com o dos poetas, dos escritores, dos artistas plásticos, dos atores... são as fontes de que a administração pública e os políticos precisam em suas campanhas.

                                                 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Um artista múltiplo


                                                                        Raul Córdula

Na Galeria Janete Costa, no Parque Dona Lindu, com sua área circular e espaços abertos, o espectador, de qualquer ponto do olhar, vislumbra a obra do múltiplo artista Raul Córdula — que inaugurou a exposição 50 anos de arte, uma antologia —, num equilíbrio entre a arquitetura e o pensamento que emana dos trabalhos do autor.

É uma bela exposição para se olhar e para se pensar, porque em cada série encontramos o alimento para os sentidos, por simplesmente estar presente a plenitude do artista com relação ao percurso que desenvolveu e o prazer de ter marcado uma história construída passo a passo com a coerência de um dos artistas mais presentes na arte e na política cultural do País, admirado e estimado pelos seus pares; e mais ainda para se pensar, porque induz o público a ver além do véu, das aparências, e o faz penetrar no objeto da intenção da obra, educando-o em outra percepção, dando-lhe meios para questionar a arte nas suas amplas interpretações.

Córdula nunca esteve dissociado de um objetivo coletivo: o seu trabalho permanente é ver a arte inserida num contexto social que envolva a comunidade, o artista, o público e todos os que possam circular nesse âmbito. Mesmo nos trabalhos mais recentes, que o artista intitulou Fachada, que tem uma conotação do pensamento estético que tanto o atrai, a geometria, o mote foi uma pesquisa realizada sobre a arquitetura popular do interior e, em uma dessas obras, interpreta a representação de um carro que captou em um grafismo numa das casas no Sertão do Ceará. Na série Paris, de 15 aquarelas, percebe-se a mão do pintor em gestos que estão presentes em outros trabalhos; essas aguadas em pinceladas tênues quebra o rigor das formas geométricas, os triângulos, os círculos, os pontos, numa sinfonia cósmica.

O artista segue em todo o espaço da exposição — com a curadoria competente de Olívia Mindêlo — dialogando com o espectador, mostrando-lhe que a arte transgride certos valores políticos, principalmente nos anos em que éramos proibidos até mesmo de usar metáforas: tudo era subversão, inclusive a inteligência. Na série Araguaia, Raul Córdula denuncia e lembra o trucidamento dos guerrilheiros presentes naquela região. Em outra série, 1968, as obras Primavera Negra 1, 2 e 3 representam mãos que nos apontam armas e foram censuradas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ao serem expostas no hall dessa instituição. Há ainda O País da Saudade, um trabalho em que Raul estabeleceu correspondência com os artistas enviando um papel em branco com esse título para que cada um deles interferisse na proposta...  
 

sábado, 21 de julho de 2012

Visão do Recife


  Imaginemos o centro do Recife sendo preservado desde a segunda metade do século 19, respeitando e dando ênfase à sua história urbanística. Mas o nosso caminho foi o inverso: começamos a destruir grande parte da cidade e deixamos, apenas, significativas obras, talvez porque não pudemos arrancá-las facilmente, como os fortes, as igrejas mais importantes e o Bairro do Recife, que ainda estava plenamente ativo no início e na metade do século 20.
 
  O que segura a impressão de beleza da nossa cidade é, principalmente, a paisagem vista por cima, aérea, que nos dá a oportunidade de contemplar os rios e as pontes, as ilhas e o imenso mar que banha o litoral. Porque, na hipótese de aterrissar ali, na Av. Guararapes, e caminhar pelo centro, teremos uma decepção! As calçadas tristemente malconservadas; os edifícios sem uma fiscalização eficaz; a sujeira nas ruas, com plásticos e papéis de toda espécie; e a poeira característica da falta de limpeza urbana. O centro do Recife está numa aparência que nos sensibiliza. Não sabemos se está a caminho para se tornar um só entulho. Basta olhar a Av. Dantas Barreto, que não sabemos exatamente para que veio, porque é uma obra dantesca que ficou para sempre instalada no coração da cidade. Para realizá-la, destruímos quase toda uma memória, com a sua igreja, a dos Martírios, e a tradição natural do bairro de São José. Lastimável.
 
  Os urbanistas franceses estiveram aqui e tentaram ajudar com a experiência deles. Mas preferem os nossos gestores, a pressa. Às vezes, podemos até consertar nessas tentativas, porém muito raramente e temos as desculpas prontas para defender os erros. Como, por exemplo, o calçadão de Boa Viagem. Tiraram as pedras portuguesas e colocaram as lajotas de cimento, que destoam da paisagem marinha, quando antes existia o desenho tão poeticamente pensado de barcos sobre as ondas. Aliás, uma obra pobre na concepção: bastava ampliar o que já tinha sido feito.
 
  “A forma de uma cidade muda mais depressa, lamentavelmente, que o coração de um mortal”, constatou Baudelaire, no século 19, olhando para as cidades europeias, que são sumamente preservadas, principalmente quanto ao aspecto cultural. Só que, aqui, não só se muda, como se tenta destruir a memória de nossa cidade.
                                         Recife

terça-feira, 10 de julho de 2012

Vicente, o inventor


O pernambucano Vicente do Rego Monteiro (1899–1970) tinha o espírito renascentista em sua verve criativa, isto é, a diversidade do olhar sobre a arte, como os grandes artistas do quattrocento italiano; nele, estavam o pintor, o escultor, o artesão, o ilustrador, o poeta, o editor, o diagramador, o tipógrafo, o fotógrafo, o figurinista, o cineasta, o jornalista, o radialista, o professor, enfim, o inventor, como está nos versos de João Cabral de Melo Neto: “Que quando a mim/ Alguém pergunta/ Tua profissão/ Não digo nunca/ Que és pintor/ Ou professor/ (Palavras pobres/ Que nada dizem/ Dessas surpresas)/ Respondo sempre:/ É inventor/ Sonha ao sol claro/ De régua em punho,/ Janela aberta/ Sobre a manhã”.

Mas a parte central do percurso como criador foi a pintura, tendo o desenho como um elemento fundamental para construir as ideias nas linguagens que selecionava.

Em 1911, estava em Paris iniciando os contatos com a vanguarda parisiense. Esses primeiros anos, junto ao irmão Joaquim, deram-lhe a base sólida para formar pensamento próprio, mesmo com a influência que recebeu dos movimentos estéticos revolucionários. Nesse alicerce pôde ver a cultura do seu país como um dos motes importantes para a visão plástica que iria desenvolver na série de estudos indianistas, através da cerâmica marajoara, sendo um dos primeiros artistas brasileiros a se interessar pela vida e pelas lendas indígenas de forma mais sistemática. Ou seja, um dos artistas modernos a antecipar o ideário da Semana de Arte Moderna de 1922, como também um dos participantes da mostra paulista.

A década de 1920, no conjunto da obra de Monteiro, foi uma das mais criativas e sólidas, porque, além dos trabalhos representativos indianistas e da participação na Semana, realizou uma pintura também considerada definitiva para consolidar o pensamento pictórico do artista, com uma conotação plástica realçando os volumes das figuras, construindo um aspecto quase escultural da forma, partindo de temas religiosos, como A Crucifixão (1924), Pietà (1924) e, em seguida, trabalhando variados temas, como animais, assuntos proletários, alegóricos... É com essa técnica que Vicente é mais universalmente conhecido e representa a nossa cultura como um dos artistas mais férteis, deixando um patrimônio imensurável que não se resume só a esta fase: até o final do seu percurso, as suas realizações são múltiplas e seminais para todas as gerações de artistas que o sucederam, tornando-o uma espécie de unanimidade nacional como uma das árvores mais frondosas da arte brasileira.



A Crucifixão (1924)