"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sábado, 21 de julho de 2012

Visão do Recife


  Imaginemos o centro do Recife sendo preservado desde a segunda metade do século 19, respeitando e dando ênfase à sua história urbanística. Mas o nosso caminho foi o inverso: começamos a destruir grande parte da cidade e deixamos, apenas, significativas obras, talvez porque não pudemos arrancá-las facilmente, como os fortes, as igrejas mais importantes e o Bairro do Recife, que ainda estava plenamente ativo no início e na metade do século 20.
 
  O que segura a impressão de beleza da nossa cidade é, principalmente, a paisagem vista por cima, aérea, que nos dá a oportunidade de contemplar os rios e as pontes, as ilhas e o imenso mar que banha o litoral. Porque, na hipótese de aterrissar ali, na Av. Guararapes, e caminhar pelo centro, teremos uma decepção! As calçadas tristemente malconservadas; os edifícios sem uma fiscalização eficaz; a sujeira nas ruas, com plásticos e papéis de toda espécie; e a poeira característica da falta de limpeza urbana. O centro do Recife está numa aparência que nos sensibiliza. Não sabemos se está a caminho para se tornar um só entulho. Basta olhar a Av. Dantas Barreto, que não sabemos exatamente para que veio, porque é uma obra dantesca que ficou para sempre instalada no coração da cidade. Para realizá-la, destruímos quase toda uma memória, com a sua igreja, a dos Martírios, e a tradição natural do bairro de São José. Lastimável.
 
  Os urbanistas franceses estiveram aqui e tentaram ajudar com a experiência deles. Mas preferem os nossos gestores, a pressa. Às vezes, podemos até consertar nessas tentativas, porém muito raramente e temos as desculpas prontas para defender os erros. Como, por exemplo, o calçadão de Boa Viagem. Tiraram as pedras portuguesas e colocaram as lajotas de cimento, que destoam da paisagem marinha, quando antes existia o desenho tão poeticamente pensado de barcos sobre as ondas. Aliás, uma obra pobre na concepção: bastava ampliar o que já tinha sido feito.
 
  “A forma de uma cidade muda mais depressa, lamentavelmente, que o coração de um mortal”, constatou Baudelaire, no século 19, olhando para as cidades europeias, que são sumamente preservadas, principalmente quanto ao aspecto cultural. Só que, aqui, não só se muda, como se tenta destruir a memória de nossa cidade.
                                         Recife

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