O ateliê do artista-artesão do quatrocentos florentino era uma verdadeira oficina coletiva e, ao mesmo tempo, loja, bottega, aberta para o público consumidor que circulava pelas vias e lá encontrava não somente a excelente pintura ou a obra-prima escultórica do mestre que estava em evidência, mas tudo o que se realizava naquela “fábrica” de engenho e genialidade: um serviço de arquitetura, de ourivesaria, de fundição; ornamentos para cofres e cavalos; candelabros; desenhos para tapeceiros e bordadores; louças de noivado; peças de armadura; sinos; e outros utensílios. No testemunho de Giorgio Vasari (1511–1574) — pintor e historiador que escreveu Vidas (dos grandes arquitetos, pintores e escultores italianos) —, artistas como Botticelli, Ghirlandaio e Donatello não se envergonhavam de realizar essas “pequenas” obras artesanais e, para concretizá-las, envolviam todos os componentes da oficina, formados com severa hierarquia. Entravam, inicialmente, como aprendizes e realizavam as atividades mais humildes; após um bom período, adquiriam o aprendizado dos métodos tradicionais e repetitivos, que eram ensinados pelos mais velhos. Já os discípulos exerciam, com o artista do ateliê, atividades simultâneas em pintura, escultura e outros ofícios até serem considerados mestres. Esse percurso de aprendizagem durava cerca de treze anos. E não havia, à época, a preocupação com a assinatura como temos hoje: tudo era realizado coletivamente sob a orientação do artista, que não se constrangia em delegar ao discípulo escolhido o término de uma pintura ou de parte dela, seguindo sempre o estilo do mestre. Para isso, o mais importante era o ateliê terminar a obra encomendada e a ideia de “permanecer na memória dos homens por todo o futuro”.
Durante o Renascimento, os ateliês dos mestres permaneceram com essas características, e todos os grandes artistas representativos desse período passaram pelo mesmo processo e continuaram formando os seus estúdios com esse espírito coletivo de produção. A possibilidade de comercialização de suas obras mais importantes e de custo maior direcionava, essencialmente, para o mecenato, em que a Igreja exercia a primazia, com as encomendas de projetos para catedrais, outros templos importantes, túmulos de papas, representações em esculturas e pinturas e mais o reforço do interesse de refinados cardeais colecionadores que adquiriam obras das mais variadas técnicas e autorias. A outra forma de mecenato encontrava-se no contrato do artista pelos tiranos para expandir as suas ambições como príncipes e honrar os antepassados ilustres e até, servindo-se da genialidade desse criador, para as mais destacadas festas, ornamentando-as com engenhosidades como, por exemplo, os trabalhos que Leonardo da Vinci realizou para o duque de Milão, Ludovico Sforza, o Mouro (1452–1508): além de pinturas, um projeto inacabado de escultura, em bronze — O Grande Cavalo (c.1483–1499), em homenagem ao pai do duque, Francisco Sforza —, estudos de engenharia militar e arquitetura urbanística. Da Vinci ainda tinha tempo para cooperar, como mestre de cerimônias, desenhando e concretizando projetos para a diversão da corte nas comemorações promovidas pelo Mouro.
Rubens (1577–1640) e Rembrandt (1606–1669), incluídos entre os artistas barrocos do norte europeu, formaram verdadeiras equipes em seus ateliês com o detalhamento e a especialidade para cada discípulo e aprendiz. Alguns pintavam mãos; outros, cenas de paisagens, retratos, detalhes de coloração, envernizamento e funções diversificadas para a produção de pinturas e de gravuras. O mestre seguia os trabalhos e realizava a última etapa com os retoques finais. Segundo informações históricas, Rubens conseguiu um alto padrão técnico e quantidades de obras pictóricas nunca alcançadas e espalhadas em toda a Europa, até então, por um artista. Hoje, há dificuldades de se saber a autoria de algumas obras, isto é, se foram criadas diretamente pelas mãos do artista ou pelos discípulos — discussão que alguns teóricos acham dispensáveis. Em Rembrandt, a visão da crítica especializada destaca os projetos e as ações que encontrou para difundir a sua obra e o paralelo da mesma questão quanto à autoria de pinturas realizadas com a colaboração dos discípulos. O artista criou uma técnica rugosa, com camadas espessas de tinta, através de toques com o pincel empastado e uma luz interna que emana dessa matéria, propagando, assim, com perfeição, uma pintura das mais expressivas e geniais, própria do estilo do pintor, que contrastava com a da moda, lisa, esbatida — maneira natural que conquistou o mercado direcionado mais para os aficionados da arte, diferenciando-se do tradicional, que era exclusivo para o mecenato. Os discípulos seguiam criteriosamente o seu estilo, e alguns, depois de sua morte, continuaram os trabalhos individuais sob a permanente influência do mestre holandês. O seu interesse era distribuir as suas obras, vendendo-as diretamente àqueles que estavam em condições de pagar o preço que determinava, sem a preocupação de serem, necessariamente, mecenas. Foi um precursor do mercado especializado para o público consumidor, como entendemos na contemporaneidade e como foi processado na era moderna.
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