"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Carnaval de Alcir


Um dos homenageados do Carnaval de 2013, o fotógrafo Alcir Lacerda, falecido em setembro do ano passado, recebeu também uma bela publicação sobre a sua obra, pela Cepe Editora: Alcir Lacerda, fotografia, que é um verdadeiro documento histórico sobre a arte e a técnica fotográfica em nossa região e Estado. O livro contém textos que se entrelaçam pelas abordagens sobre o fotógrafo, oferecendo ao aficionado e leitor uma visão completa da sua atuação; a influência sobre outros fotógrafos; as temáticas que apreciava desenvolver em seus trabalhos; a amizade com um dos artistas plásticos representativos da história do modernismo em Pernambuco e no País, que o considerava um grande fotógrafo, Lula Cardoso Ayres; e, dividindo, com este, impressões sobre a luz na fotografia.

Apesar de a fotografia ser apoio de sua sobrevivência, ele a tratou, permanentemente, como arte, porque o olhar e o cérebro do artista estavam ativos para que o seu testemunho visual não deixasse escapar algo que não tivesse o tom de seriedade profissional.

Atuou na imprensa pernambucana praticamente em todos os jornais locais, na revista Manchete, no Estado de S. Paulo, em Fatos e Fotos, em O Cruzeiro, na Veja... E foi pioneiro, em Pernambuco, em fotografias publicitárias e científicas. Toda essa desenvoltura profissional foi desenvolvida através do seu estúdio, Acê Filmes. Registrou fatos importantes na história pernambucana.

A paisagem do Recife era uma das paixões que conservava e o livro mostra uma série de fotos que são magníficas, não somente as aéreas, mas as captações dos pescadores no Rio Capibaribe, com as jangadas e velas abertas ou fechadas; as pontes, vistas de longe e de perto; os edifícios importantes da cidade; os fortes; o povo no Carnaval; as luzes à noite; detalhes arquitetônicos; os interiores das igrejas; o Teatro de Santa Isabel; as escadarias dos morros...

Considerava a foto em preto e branco a arte refinada, porque nela a luz era captada de forma mais plena, limpa, sem a mácula da cor. Segundo o depoimento dele à sua filha Betty Lacerda, “A melhor qualidade para mim continua sendo o preto e branco. Além do que, com p&b você pode dar a tonalidade que quiser à imagem: mais escura, mais claro. É no laboratório que se aprende fotografia”. O Recife ganha mais luz no Carnaval, com a homenagem a Alcir Lacerda.


sábado, 24 de novembro de 2012

Pilar da arte



Os jovens artistas da geração de 1970 tinham como espelho os das anteriores, principalmente aqueles que admirávamos como um dos pilares da arte realizada em Pernambuco. E um deles era Montez Magno. Um artista consolidado, com opiniões críticas sérias e confiáveis; procurávamos, nele, ouvir os conhecimentos e necessitávamos de saber algo sobre nós mesmos.
 
Uma geração de autodidatas é o que se poderia dizer, apesar também de nos apoiarmos na experiência desses artistas. A vida era a nossa escola, não existia, como hoje, essa alternativa propagada de que, para ser artista, tem de frequentar mestrados e doutorados. Nós abríamos os livros de forma prazerosa, sem o “cabresto” dos orientadores atuais das universidades, que dão os rumos para a defesa de teses.
 
Para nós, uma opinião sobre o nosso trabalho ou um texto crítico com a assinatura de Montez Magno era um aval de grande importância. Como as de Gilvan Samico, Jomard Muniz de Britto, Francisco Brennand, José Cláudio, Raul Córdula, João Câmara, Ypiranga Filho, Wellington Virgolino, entre outros de gerações diferenciadas. E mais a influência dos pais do modernismo regional e nacional, como Vicente do Rego Monteiro, Joaquim do Rego Monteiro, Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres e Aloísio Magalhães. Fomos também os herdeiros do Atelier Coletivo, liderado por Abelardo da Hora.
 
Em 1982, procurei Montez Magno para mostrar uma série de pinturas sobre trabalhadores rurais, cortadores de cana-de-açúcar da Zona da Mata pernambucana, que a intitulei de Paisagem de nossa vida. Eram flagrantes de suas atividades, isto é, plantando, colhendo, transportando a cana; velhos, crianças, mulheres, todos, ali, suando para receber o seu sustento, uma sobrevivência dura ao sol a pino. Toda a pintura baseada em cores terrosas e alguns toques mais fortes de verde, azul, vermelho, e, às vezes, um amarelo intenso, tudo em pinceladas nervosas, gestuais.
 
Montez, paciente e atencioso, olhou cada quadro, fez as suas anotações e escreveu uma apresentação — Sobre a pintura atual de Plínio Palhano —, que considero séria e aguda. Abordou o lado expressionista do autor, o parentesco com outros artistas locais, como José Cláudio, Piedade Moura, Ana Ivo, e os de âmbito histórico internacional: Soutine, Daumier, Van Gogh. Creio que ele tenha dado o perfil do que viu naqueles trabalhos com a verve crítica sem a falsa complexidade que encontramos comumente nos textos atuais de certos curadores, nos quais nem o público nem ninguém sabe o que eles querem dizer. Entrou no lado técnico, na concepção, execução, estudando todos os ângulos do pintor. Um texto raro na fortuna crítica sobre a minha obra e que permanece uma representação do olhar verdadeiro sobre a arte e o artista.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A vez dos idosos


                                                   Rembrandt

Conta-se nas Escrituras Sagradas budistas que o príncipe Siddhartha Gautama (por volta de 566 a.C.), aquele que se tornou o Buda, o iluminado, na sua doutrina da universalização do sofrimento, encontra na velhice — como no nascimento, na doença e na consequente morte — um dos fundamentos da dor humana. É na contemporaneidade, nos países ocidentais, principalmente nos em desenvolvimento, que nós constatamos o fato com mais força no dia a dia dos idosos. No Nepal, onde surgiu o Budismo — que se espalhou depois pela Ásia — não há a necessidade de um estatuto que os proteja, porque, lá, a tradição milenar impele a respeitá-los.

Pressupõe-se que todo idoso seja sábio, mas nem todos alcançam essa possibilidade, mesmo porque a maioria não teve a oportunidade de uma vida mais tranquila para armazenar um conhecimento formal ou natural transmitido via intuição. Só aqueles que passaram toda uma vida refletindo, como um fruto que passa do broto ao amadurecimento completo, adquirem a sabedoria. Nem todos tiveram a oportunidade de um Claude Monet, que teve, no que se sabe, uma vida relativamente feliz e reflexiva na sua propriedade em Giverny, onde pintou incansavelmente a série de obras intitulada Nenúfares, nos seus últimos dias, no belíssimo lago que construiu e na famosa ponte japonesa. Foi ali que Monet fortaleceu e concluiu as ideias mais avançadas do impressionismo.

Também nem tiveram uma velhice como a de um Gilberto Freyre, que passou toda vida estudando e realizando obras-primas sobre a Nação brasileira e, antes da morte, deixou vários artigos para serem publicados na imprensa pernambucana, demonstrando uma vida social e intelectualmente ativa; sem falar do seu esforço para a consolidação da Fundação Joaquim Nabuco — órgão importantíssimo, que é referência para a cultura nacional.

Os idosos, já limitados pelas condições físicas, ainda são desrespeitados em nosso país, quando circulam pelos centros urbanos — nas filas de pagamento ou de recebimento de pensões, nos transportes coletivos, nos consultórios, no trato social — e pelos próprios parentes diretos, que os aprisionam para assinarem procurações ilegítimas e lhes toldam as próprias vontades, aproveitando-se da fraqueza natural da idade e fazendo de sua vida gato e sapato, numa santa hipocrisia: os nossos idosos familiares quase sempre são apenas peças de decoração para mostrar à sociedade que estão servindo às suas necessidades numa mentira sentimental mascarada de bondade religiosa.


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Arte e tragédia


Iberê Camargo

Para os artistas, a arte nunca foi um mar de rosas. Quem diz é a própria história, com as experiências individuais e coletivas. Houve até artistas que a chamavam de maldita. Só os amadores, aqueles que a apreciam através de livros e manifestações culturais, é que conseguem amar a arte incondicionalmente. Os que vivem e viveram os longos anos de amadurecimento reconhecem que essa amante não é somente tão prazerosa assim, têm os seus momentos de dúvidas, de angústias e fatos inesperados, e quem não os teve, então, não sabe o que é arte. A explicação para o fato é que se penetra tão profundamente na sua essência que se alcança o nível de ódio. Que o digam as tragédias shakespearianas que passam por punhais, venenos, traições, bruxarias, fantasmas...

Jacson Pollock

Em nosso país, começaria com o pintor Almeida Júnior, assassinado a punhal por um marido raivoso traído pelos seus encantos, já que era tido como, além de extraordinário artista, um galanteador de primeira linha. Portinari, o estandarte nacional da pintura, era um homem pacato, mas foi envenenado, lentamente, pelo manuseio das tintas a óleo, ainda com uma idade em que poderia produzir muito mais a favor da obra em que trabalhava, com destaque internacional. Pancetti, o paisagista de marinhas que encantou a crítica e o público, antes do câncer fatal, foi acometido, quando ainda era marinheiro, de uma tuberculose que o impediu de receber um prêmio de viagem ao estrangeiro, em 1941, no famoso salão revolucionário da Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas Artes. Iberê Camargo assassinou um transeunte que estava discutindo com uma mulher quando o artista foi tomar satisfação com ele e, depois, armado de uma pistola, disparou a sangue frio contra o homem; o fato trouxe consequências graves para a vida do pintor, mas foi absolvido como legítima defesa.

Caravaggio (1571–1610), um dos artistas do barroco italiano, teve uma vida tumultuada de brigas e assassinato, apesar das representações religiosas em sua obra — morre aos 38 anos como consequência de suas extravagâncias. Picasso, com toda a riqueza e fama, tinha uma relação familiar das mais trágicas, principalmente com as oito mulheres com que conviveu. Duas delas suicidaram-se após a sua morte: Jaqueline Roque, a última, em 1986, com um tiro na cabeça, e Marie-Thérèse Walter, que se enforcou em 1977. Poderíamos lembrar ainda duas artistas que se incluem numa vida trágica, a mexicana Frida Kahlo, com as intermináveis cirurgias, e a escultora francesa Camille Claudel, que morreu em um manicômio, em Paris, após 30 anos de internação. Quanto a nós, é só bater na madeirinha três vezes, toc, toc, toc...


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O autorretrato


Na história da arte, o autorretrato é uma das formas de registro do artista por ele mesmo. É quase sempre uma autoanálise profunda, às vezes cruel, como no caso de Van Gogh e Gauguin, que se retrataram nos momentos mais terríveis; outros artistas optaram por uma representação imponente, ou como Narcisos, encantados com a própria imagem.

Van Gogh, em todas as suas angústias, permanecia ante o espelho a pintar e desenhar o próprio rosto para poder decifrar a dor psíquica, mas também nos momentos de intervalos de relativa paz. Gauguin, à procura de um paraíso, se indagando acerca da sua visão como artista e a se autointitular selvagem e genial, confiante, se fortalecendo de ideias imbatíveis.

Em Picasso, era o olhar agudo a referência de si mesmo, ou as cenas clássicas O artista e o seu modelo, com um interesse de se colocar lado a lado ao corpo nu feminino, sendo o perfil do artista representado como uma presença permanente nessas obras. Cézanne, uma das fontes estéticas de Picasso para a consolidação do Cubismo, se retratava tal como uma pedra, impenetrável psicologicamente, submetia a face à simples concepção do espaço geométrico, sem as emoções, por exemplo, vangoghianas; o tempo das sessões era quase interminável, assim como pintou O Monte de Sainte-Victoire em sucessivas versões, nos trinta quadros a óleo e mais de quarenta aquarelas.

No Renascimento, alguns artistas se representaram cada um com uma visão peculiar. Da Vinci, como sábio que era, pintou seu mais famoso autorretrato (1510–1515), com uma barba, já velho, alquebrado por excesso de trabalho. Um desenho magnífico, em linhas claras e objetivas. Botticelli se fez representar, em têmpera (1475), na obra Adoração dos Magos – Galeria Uffizi, em Florença. Rafael Sanzio, num óleo sobre painel (1506) de pequenas proporções (47,5 cm x 33 cm) e no afresco A Escola de Atenas (1509) – Stanza della Segnatura, Vaticano –, onde se autorretrata como um dos presentes na cena.

O autorretrato é uma das mais curiosas representações do artista. É um documento do seu olhar sobre o mundo, uma verdade que passa para o espectador, principalmente quando realizado por artistas que pretenderam e realizaram obras que são patrimônio para a humanidade.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os chefetes


Refiro-me aos chefetes de governos municipais e estaduais, que se arvoram de uma autoridade emanada do seu grande senhor: um presidente de uma estatal, secretário de estado, diretores e presidentes de instituições, etc. Esses personagens se tornam, muitas vezes, revestidos de um poder arrogante que oprime os seus companheiros mais elevados moral e intelectualmente. Eles pensam que têm carta-branca para cometer as arbitrariedades mais absurdas possíveis. E esses ainda possuem o DNA de certa psicopatia de ex-carcereiros de presídios, não identificada pelos seus superiores ou pela medicina que trata dessa patologia entre os corredores da administração pública, porque a sua atuação se caracteriza por um sadismo para àqueles que dependem das determinações deles e, na frente dos mestres, se comportam como seres adestrados.

É um sujeito capaz de apontar um falso deslize de um colega por simples prazer de deixá-lo triste, deprimido, isto se dizendo acobertado por lei ou Decreto que o torna num rei da severidade e da obediência servil aos prefeitos, governadores, secretários, presidentes de empresas... E, às vezes, deixam esses seus mentores em situações constrangedoras, porque quando fazem os deslizes administrativos ou quando flagrado em perseguição a um colega, culpam as ordens que receberam do príncipe da alta corte ou das leis e Decretos.

Geralmente são apadrinhados por políticos com força e influência no poder dessas administrações, que não constatam o caráter e não acompanham o seu desempenho na empresa escolhida que foi lotado. E qualquer opressão sobre estes, correm logo para os seus “padrinhos” para que venham em socorro dos seus atropelos criminosos. Estamos cansados de ver esses chefetes a distribuir dinheiro sob ordens superiores, como no caso do mensalão, em que se têm vários exemplos, e, hoje, os mesmos se apresentam num oceano de inocência.

Valorizar um trabalho de um companheiro, nunca, sempre ele, o chefete é que é o autor das grandes obras elogiadas pelos donos do poder. Os colegas são para serem maltratados de todas as formas, mas com bastante cuidado para não se caracterizar como assédio moral, não deixam rastros, seus pés são como de algodão, ocultando toda a sujeira de sua passagem. O mau-caratismo é praticado com um ar angelical, como uma aparente ética quase religiosa. Pois, o país está inundado desses personagens, que testemunhem Lima Barreto e Machado de Assis, em todos os recantos do poder, pobreza moral e lama nas repartições públicas!  



sábado, 8 de setembro de 2012

Coragem e leveza


Cada cidadão, ainda que não revele publicamente, tem o seu político que admira por uma realização social, sem que seja uma obra monumental: uma praça, uma escola, uma biblioteca, um hospital, um museu, uma avenida, um calçamento... Ou por uma atitude nobre que o destaque como político.

Convencionou-se em nosso país a não valorizar o político, nivelando todos por baixo: uma injustiça com os que realmente existem como exceção no Brasil. O mensalão e toda espécie de corrupção, essa chaga “democrática”, ajudou a desenvolver a ideia do mau político. Os privilégios do poder legislativo também. Mas todos os poderes no sistema democrático brasileiro criaram privilégios que reafirmam as desigualdades sociais. O Executivo, o Judiciário, o Legislativo, tem cada um deles, o lado podre instituído e amparados por leis. Mas também não deixamos de ter os ministros interessados em fazer obras em benefício social; os bons magistrados que procuram cumprir os seus deveres ante a sociedade; e os políticos que sonham com um país melhor e que dê condições plenamente favoráveis à população.

É uma minoria, nós sabemos, mas importantíssima, que tentam trabalhar para construir um mundo mais justo. O cidadão deveria observar, no caso particular dos políticos, a história dos parlamentares: os nossos representantes são reflexos das ações no voto e o que pensamos sobre o poder legislativo. Mas parece que permanecemos cegos sobre isso. É preciso fazer uma análise fria e comparar aqueles que representam a pior espécie do ser político e separar o joio do trigo; mas, para isso, talvez, precisemos de uma sólida formação cultural.

Dignidade e coragem são as características básicas para a atuação de um político que quer lutar em benefício da sociedade; e ainda requer uma sensibilidade especial, como antenas, para captar a vontade e as necessidades do povo e é aí onde se constrói o político carismático, porque ele se integra aos anseios coletivos como se fossem os seus próprios. Luciano Siqueira, que é um deles, médico, escritor, e, principalmente cidadão que ofereceu sua vida aos seus ideais, desafiou seus algozes, à época em que o forte argumento era a tortura, saindo vitorioso nessa luta, sem ódio; e o fez dizer, em seu livro de crônicas Como um lírio que brotou no telhado: para qualquer candidato, “pesa o estado de espírito, que precisa exibir coragem e leveza – para que atraia, agregue, entusiasme, convença, lidere.”