"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

terça-feira, 27 de outubro de 2020

A arte nos tempos de convulsão

 


A arte sempre surgiu, em todas as épocas da humanidade, envolvida em várias circunstâncias inevitáveis: físicas, sociais, políticas, econômicas... O artista, o ponto-chave dessa produção, procurou se adaptar em momentos turbulentos e gigantescos ante a sua individualidade: teve uma história de anonimato, como escravo ou simples artífice nos sistemas de Estados opressivos, quando o cidadão não tinha a classificação de um indivíduo influente na sociedade, como relativamente nos tempos de hoje. Mesmo assim, com a limitação, criou obras notáveis que fazem parte de um conjunto que está no acervo do patrimônio mundial. 

Na arte das cavernas, que se realizava em pinturas com intenções mágicas para captar, na representação, presas para as suas caças de forma objetiva e prática, quando enfrentava as intempéries da natureza em cada região, na da Mesopotâmia, na do Egito, criada em função da elite sustentada pelo poder dos faraós ou dos sacerdotes, o artista era um anônimo, não assinava as suas obras, não deixava a sua digital. Grécia e Roma foram onde começaram a aparecer nomes importantes (Fídias, Crésilas, Praxiteles, Aristéas de Afrodísias...). Mesmo os chineses mais primitivos, em períodos semelhantes, mantiveram o anonimato, como também ocorriam na arte africana, hindu, islâmica, pré-colombiana... A arte esteve, por muitos séculos, sob o domínio de teocracias, de tiranos, de poderosos monárquicos, clericais e, na modernidade, nas democracias e nas ditaduras. O que salvou o artista foi a genialidade de cada um, que soube satisfazer os seus senhores com uma estética própria, individual, numa concepção inigualável e difícil de ser compreendida, na sua totalidade, por aquela elite.

O Renascimento constituiu o coroamento da personalidade do artista. No entanto, Michelangelo foi praticamente obrigado a pintar a Capela Sistina pelo papa Júlio II, que queria um afresco realizado pelo gênio florentino. Em primeiro momento, o artista quis recuar, afirmando ao bispo de Roma que era um escultor e não um pintor, é quando o guerreiro papa reafirma que ele saberia pintar porque aprendeu com o seu mestre Domenico Ghirlandaio as técnicas do afresco. Michelangelo ainda resiste, desaparece, enraivecido com Júlio II, mas este o manda buscar e o repreende, forçando-o a realizar o grande afresco no teto da Capela, que foi completado em quatro anos, de 1508 a 1511. Realizou o que o papa queria com sua marca de genial artista do Renascimento. Também aceitou, como ele queria, a construção do túmulo de Júlio II, uma de suas obras-primas em escultura. 

São nas grandes convulsões que o artista armazena fôlego para criar. É o exemplo do pintor espanhol Francisco de Goya (1746–1828), ao adquirir uma doença que o manteve surdo a partir de 1792, mergulhando-o no silêncio, com ele se comunicando por sinais e escrevendo bilhetes para se fazer entender. Por este fato, a sua visão desenvolveu um potencial maior, e, segundo alguns críticos, essa crise despertou a sua genialidade sobre o mundo e os sentimentos humanos, de forma que realizou obras assombrosas de imaginação e de concepção em pinturas, gravuras e desenhos. Foi na série de gravuras “Desastres da Guerra”, em que se permitiu interpretações da violência bélica, quando da invasão das forças napoleônicas na Espanha, relatando, plasticamente, a animalidade da guerra, a fome em Madri, no mesmo período, e a reação dos espanhóis na expulsão dos franceses do seu território. Cada uma dessas gravuras aborda um aspecto humano quando está sob pressão de um conflito. Goya dá título genérico à série: “Fatais consequências da guerra sangrenta na Espanha contra Bonaparte e outros caprichos impressionantes”. 

A obra “Guernica”, do pintor malaguenho Pablo Picasso, também foi um testemunho de protesto contra a opressão comandada pelos alemães nazistas, com o apoio de Franco, durante a Guerra Civil Espanhola, que bombardeou por três hora e meia a cidade de Guernica (1937), no País Basco, proporcionando uma destruição material total e ceifando vidas humanas, uma tragédia simbolizada numa obra dramática e concebida com o estilo próprio do autor, que é um marco na história da arte. 

 

 


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