Nesses tempos da exaltação do poder pela política e da riqueza, voltamos o nosso olhar sobre a arte e vemos o quanto as suas propostas e concepções estão distantes das forças externas que tentam influenciar o futuro da humanidade. Os sistemas estabelecidos que têm o domínio da sociedade em todas as formas dão as cartas acima das coisas pelas quais os artistas e a arte se interessam. Os reflexos da arte quase sempre são considerados anos depois da passagem de um pensamento contido numa obra, só então são compreendidos como lembranças que deveriam ter sido consideradas ou validadas. E, a partir daí, a história, a ciência e a filosofia voltam a consolidar uma aparente verdade na arte e no artista. Hoje, quando voltamos nossa atenção ao que aconteceu no século 20, considerado o século também dos ditadores modernos, nós os vemos pequenos em relação à importância de avanços concretos para a humanidade, porque eram, principalmente, imbuídos de ideologias ridículas de supremacia racial ou daquelas superadas pela realidade da vida e da economia; no entanto, manipularam armas e praticaram crimes danosos contra a humanidade, com a aparência direta do poder em que a arte era tida como um nada.
Poderíamos começar com a investida dos artistas que buscaram a luz do campo para realizar suas pinturas, o que, na época, era considerada uma atitude ridícula para se manifestar na matéria pictórica. As exposições realizadas por esses pintores eram centros de debates para desconsiderar aquelas imagens tratadas nas obras. Quando passaram um bom tempo sem vender suas telas ou vendendo-as com preços irrisórios, acusados de representar tudo apressadamente, sem os cuidados do realismo das obras orientadas pelo academicismo, um crítico, Louis Leroy, para desconsiderá-los, chamou-os de “impressionistas”. Título que permanece até hoje e é considerado uma bandeira de inovações na arte.
Com o estudo científico da luz nos meados do século 19, foi constatado que a cor é um estado da luz e que a sua permanência e mutação dependem de sua intensidade. Fato constatado, séculos anteriores, por Leonardo da Vinci, nas suas teorias sobre a cor. E, hoje, para nós, isso é tão evidente que nem no pensamento podemos negar. Também eles queriam pintar a vida, documentar como ela era nas ruas, nos lugares de lazer, no trabalho, nos campos, etc. Um modo de ver que influenciou a literatura, a música, o teatro... e o século 20, nas várias manifestações da arte. Mas o início disso tudo foi o simples fato de sair e presenciar a luz sobre as coisas.
Três desses artistas que participaram do movimento impressionista, Cézanne, Gauguin e Van Gogh, influenciaram artistas e movimentos posteriores. Cada um com sua personalidade forte e concepções que se diferenciaram na captação da luz impressionista e criaram caminhos próprios que foram considerados precursores do Cubismo, do Sintetismo e do Expressionismo, entre outros. Cézanne concebia as coisas de forma geométrica, que tudo se interligava de forma esférica, cilíndrica, cônica e cúbica, o que tanto influenciou artistas como Picasso, Braque e demais cubistas; Gauguin, com suas formas cheias de cores puras e chapadas, sintetizava tudo de maneira simbólica, influenciando o Sintetismo, o primitivismo e o fauvismo; e Van Gogh, com suas pinceladas e cores expressivas, deu início a uma ideia do Expressionismo, que, no princípio do século, foi uma verdadeira febre na Alemanha.
Sabe-se que quando Picasso realizou a obra “As Meninas de Avignon” (1907), célebre no percurso cubista do artista malaguenho — que escandalizou seus colegas, porque não foi aceita de pronto, por ser um passo considerado ambicioso demais para a cultura vigente —, Einstein, em 1905, tinha concebido sua teoria da Relatividade Restrita, na qual, posteriormente, os especialistas viram pontos de intersecção com o Cubismo, no tocante à concepção. No silêncio dos ateliês, esses artistas conceberam obras que, no seu tempo, não tinham repercussão como hoje, com as ideias se sedimentando aos poucos e abrindo a cabeça da crítica e do público para uma outra realidade do espaço e das formas. Em todas as épocas, as inovações foram vistas dessa maneira.
As revoluções na arte não têm os rugidos das sociais, com a violência das tempestades e de lutas tão próprias de seus movimentos. As da arte são quase sempre silenciosas e conduzidas pela reflexão de um artista, com elas são concretizadas ideias mais permanentes que o poder das armas. Nesse sentido, penso na obra de um Giogio Morandi, o silencioso artista italiano que pintou suas belas e modestas garrafas que são verdadeiras obras-primas da modernidade, um artista que pensou diferente, como um monge dedicado ao trabalho, a exemplo de centenas de outros artistas.
E para nós, os do século 21, quanto mais penso em nosso modesto olhar, mais retiro o prazer e a surpresa sobre o interesse nos pequenos temas, algo como uma parte da natureza, um fragmento que mostre a expressividade da microforma, um corpo de um animal, a cabeça, o olhar, a boca humana, os detalhes tão sem importância aparente, longe das grandes cenas, das batalhas, das gigantescas representações... Prefiro extrair essas formas das coisas solitárias, mas que estão plenas com o cosmo, com a vida.