Judas - Leonardo da Vinci
Sabe-se
que Leonardo da Vinci tinha um temperamento, como pintor, que o induzia a
trabalhar com vagarosidade, na concepção, nos desenhos preparatórios, nas
pinceladas, com camadas de tinta inferiores finas, a ponto de algumas vezes
abandonar obras que permaneceram inacabadas. A pintura a óleo ― uma novidade no
século XV, atribuída ao flamengo Jan van Eyck (c. 1390–1441) ― era a mais
adaptada para o processo de elaboração pictórica do artista. E às vezes utilizava
uma técnica mista, com têmpera. Quando partiu de Florença ― sua terra natal,
que lhe deu a formação necessária no ateliê de Andrea del Verrocchio para se
tornar um mestre ―, foi para Milão e se aproximou do duque Ludovico Sforza, o
Mouro, o senhor da capital da Lombardia. Ofereceu-lhe, numa carta de
apresentação, primeiro as suas habilidades inventivas na engenharia, na
arquitetura e nos projetos de armas bélicas e, por último, na música, na
pintura e na escultura. Apesar de Ludovico se interessar mais por outras
engenhosidades, como as militares, e ainda dar-lhe tarefas variadas, fez-lhe
uma encomenda para ser realizado o mural A
Última Ceia, no refeitório da Santa Maria delle Grazie, em Milão, igreja e
convento dos dominicanos. A pintura, a têmpera, ficaria na parte central, mais
alta e iluminada do ambiente.
Leonardo
faz as anotações, por escrito, do drama da Ceia, em que Cristo diz: “um dentre
vós me trairá...” (Mt 26.21). Concebeu o estudo de cada apóstolo, de como seriam
representados na reação à premonição do Mestre. Como se movimentariam em
conjunto, ressaltando suas particularidades psicológicas. Para melhor retratar
os apóstolos, desenhava pessoas que pudessem representá-los. Há alguns
testemunhos de que, quando trabalhava na obra, o mergulho era tanto que se
esquecia de se alimentar. Deixou o Cristo e o Judas por último. E nessa fase ia
diariamente observar o mural para estudar como decidiria pintá-los. O prior dos
dominicanos foi se queixar a Ludovico que o artista só estava contemplando a
obra e não trabalhava, pedindo-lhe que falasse com o pintor para que a finalizasse.
Da Vinci foi chamado à presença do duque de Milão e do prior. Leonardo explicou
que estava num momento muito delicado, porque procurava modelos que pudessem
representar os dois personagens, mas que, ali, já tinha encontrado quem iria
representar Judas: o próprio prior. O duque deu gargalhadas.
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