"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand
Francisco Brennand
domingo, 10 de junho de 2012
Cícero viu o mundo
Filho da aristocracia canavieira pernambucana, Cícero Dias, o pintor-poeta, como alguns críticos o veem, surgiu no mundo com um olhar agudo a todas as impressões que iriam enriquecer a sua obra, a partir da sua terra natal: a cidade de Escada. Ali viveu experiências de uma infância privilegiada dentro do universo rico de pessoas, da cultura local, do mar imenso dos canaviais, das terras dos engenhos Noruega, Contendas e Jundiá — em meio à arquitetura das casas-grandes —, de propriedade da família, principalmente o Jundiá, que foi, segundo o artista, a capital de sua infância: “Lá recebi o sopro da vida. A vida que levei nesses engenhos foi estimulante para as obras que mostrei mundo afora”.
Das terras da cana-de-açúcar, o jovem Cícero partiu, como era tradição nos engenhos, para estudar no Rio de Janeiro, e, estabelecido no colégio São Bento, o diretor informou aos pais que o aluno só se interessava em pintar. Quando souberam da notícia, perguntaram-lhe: “O que você quer ser?”. Com coragem, Dias respondeu: “Pintor”. Os pais ficaram “parados no ar”, mas terminaram aceitando.
É na Escola de Belas-Artes que a sua personalidade como artista se consolida, realizando uma obra com estilo independente e discordante do naturalismo que os acadêmicos apregoavam. Nessa fase, entra em contato com nomes importantes da história cultural do País, tais como Manuel Bandeira, Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Graça Aranha, Villa-Lobos, Lucio Costa, entre muitos outros que o admiravam por apresentar uma concepção plástica considerada única.
São os mesmos nomes que ficaram impressionados com a grande tela Eu vi o mundo... Ele começava no Recife (1926–1929), que o colocou no centro e no palco da cultura no Rio de Janeiro, até mesmo de forma polêmica, porque alguns falsos acadêmicos entraram em guerra contra a obra. Esses artistas, no entanto, o apoiaram defendendo-o e incentivando-o. Nela, Cícero explodiu em imagens que lhe rondavam a mente: eram recordações do início da sua vida, histórias fantásticas; a sua força telúrica e transparência solar fazem lembrar um Chagall dos trópicos. Após a tela ser exposta no Rio de Janeiro, Cícero Dias foi motivado — com uma carta de apresentação a Gilberto Freyre — por Manuel Bandeira a expor suas obras no Recife.
O sociólogo encanta-se com os quadros do artista, e logo surge uma afinidade que permaneceria por longo tempo. Gilberto Freyre fez-lhe mostrar que os verdes que utilizava nas obras eram os dos mares pernambucanos, o que muito impressionou Cícero e o fez indagar-se: “Teria sido Gilberto o primeiro a mostrar-me os verdes que empregava nos quadros?”.
A partir daí, segue outra história: por questões políticas, é forçado a viajar para Paris, conhece artistas da Escola de Paris, Picasso, Léger, Jean Arp... E se torna o universal Cícero Dias.
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