Tudo começou com Marcel Duchamp, no início do século XX, quando afirmou que o seu urinol era arte e a inteligentsia cultural aplaudiu e institucionalizou que tudo o que dissermos que é arte, a partir de então, passa a ser um pensamento estético concretizado. O pioneirismo do artista francês não deixa de ser intrigante ao inventar que uma ideia vale mais que toda a prática da arte acumulada durante séculos: desde as cavernas — em que os artistas representavam a sua impressão ante um mundo repleto de caça, praticando a magia pictórica para conquistar o objeto de sua sobrevivência, representando-o como se fora já o animal capturado — até a sofisticada malha de gênios que deixaram marcas na pintura, na escultura, na arquitetura e em todas as pesquisas valiosas no âmbito da arte e comprovadas na história, presentes há séculos no imaginário do planeta.
Mas a transgressão que Duchamp veio instalar virou moeda corrente e, hoje, está consolidada e institucionalizada com a força e o poder do capital (quem diria!), dando respaldo junto a governos prontos a repeti-la à exaustão.
A transgressão institucionalizada virou tema de doutorados nas academias, inundando a mídia e a cabeça de toda uma geração cujo lema é violar. Mas o que ainda transgredir? Como tudo isso se tornou um sistema bastante fortalecido, não vejo nenhum daqueles que praticam essa meta atingir o centro desse poder avassalador, o que seria uma verdadeira transgressão; ao contrário, quando os importantes curadores dessa linha de pensamento visitam o nosso país, eis que toda uma plêiade de seres criadores se ajoelha e os reverencia como divindade e salvador da pátria quanto aos caminhos estéticos a seguir. Não, os devotos, a estes não se diz nada.
Creio que a National Gallery de Londres cometeu uma real transgressão na contemporaneidade ao montar uma mostra importantíssima para o mundo cultural — Leonardo da Vinci, Pintor na Corte de Milão —, que esteve em cartaz até fevereiro de 2012 e reuniu as mais importantes obras desse artista que deixou um patrimônio imensurável para a humanidade. Ainda bem que há o outro lado da moeda para transgredir a transgressão institucionalizada.
A volta aos grandes mestres universais é um fato e essa é uma das violações a uma institucionalização que já virou um “feijão com arroz” insuportável. No Brasil, temos pensadores que, corajosamente, se colocam na contramão dessa falsa transgressão, como Ferreira Gullar, com a obra Argumentação contra a Morte da Arte; Affonso Romano de Sant’Anna, com Desconstruir Duchamp; Luciano Trigo, A Grande Feira; e Ângelo Monteiro, com seu recente livro, publicado pela É Realizações Editora, Arte ou Desastre, obra de impacto para aqueles que pretendem se deliciar com os pensamentos do poeta e ensaísta nordestino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário