Parte do Modernismo brasileiro representado por Oswald de Andrade e pela pintora Tarsila do Amaral, como também pelo poeta Raul Bopp, se influenciou pelo livro do alemão Hans Staden, História Verídica, lançado, em primeira edição, em 1557, em Marburgo, Alemanha, no qual o autor relata as suas vindas ao Brasil recém-descoberto: a primeira em 1549 e a segunda em 1550, quando foi aprisionado e, por pouco, não foi comido pelos antropófagos Tupinambás, inimigos ferrenhos dos portugueses, e Tupiniquins, que, quando aprisionados pelos primeiros, eram assados e devorados com o peculiar apetite canibal. O livro foi ilustrado com xilogravuras feitas por outros artistas, com orientação do autor, e com suas próprias anotações em desenho.
A obra de Hans Staden me fez pensar nos artistas plásticos de todas as épocas que trabalharam temas dramáticos e fortes, numa tentativa de mostrar ao mundo o lado violento e autodestrutivo do homem. Começo pela obra de Caravaggio Salomé com a Cabeça de João Batista, que dá uma ideia da representação da violência, da força plástica da decapitação e do transbordante sangue na composição; a série de gravuras em metal Os Desastres da Guerra, de Goya, em que o gênio captou todas as misérias que as ambições e os instintos assassinos humanos são capazes de concretizar numa situação de defesa dos seus interesses, como, no caso, do povo espanhol ao expulsar os franceses do seu território; e a obra de Picasso Guernica, um verdadeiro campo de batalha pictórica contra o ditador Franco, este aliado às atrocidades dos alemães, que treinaram os seus aviões nos bombardeios à cidade de Guernica.
Como no título de uma gravura de Goya, O Sono da Razão Produz Monstros, tive — não sei se ainda igualmente influenciado por Staden — uma visão, em sonho, que deixou marcas para a realização de uma obra. Vi um personagem que me disse: “Venha ver uma cena que você poderia pintar!”. Entramos numa sala escura, à maneira das Pinturas Negras, de Goya, e ali estava uma velha mulher, de semblante angelical, de seus 90 anos, levitando no centro e três homens e três mulheres ao seu redor. Cada um deles exercia uma função. Era uma visão de antropofagia. Um, com o olhar esgazeado, perdido e louco, segurava, no braço, um facão amolado e era guiado por uma mulher, a mais velha do grupo, que entendia um pouco de anatomia, a indicar-lhe as partes para cortar aquele corpo; a mais nova mordia-lhe o crânio, a sorver parte do cérebro, pensando assim em chupar toda a sua alma, enfraquecendo-a; outra, gorda, a rezar uma espécie de terço macabro, do anticristo, para segurar a parte mística da ação; o mais novo entre os homens mordia-lhe o braço já decepado, em lágrimas e risos; o mais velho segurava em uma das mãos uma espécie de diploma à primeira vista, mas, depois, percebi que era simplesmente uma procuração; na outra mão, movimentava moedas num pequeno baú como a sentir o prazer tátil daqueles metais; uma sétima jovem personagem, separadamente, anotava tudo, descrevendo a cena com interpretação própria, para que não houvesse nenhuma testemunha a relatar o real crime antropofágico. Era apenas uma visão.
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