O tecido pictórico na obra de José Cláudio tem uma marca inconfundível, formada por uma trama de captações rápidas, diretas e precisas das coisas da natureza, através das ferramentas utilizadas pelo pintor, que se movimentam em suas mãos construindo o tom da sua visão plástica: como os toques dos pincéis — de preferência redondos — na superfície do suporte escolhido (telas, eucatex) que traçam vibrações na matéria da pintura, que volteiam, que pontuam, que riscam, que esmagam as pastas intensas de cores; das espátulas que cortam em gestos uma cena , um registro qualquer; ou mesmo algum outro instrumento que o faça expressar o pensamento pictórico, como a utilização dos panos, na tentativa de apagar uma solução imprevista no trabalho, e que o faz, de imediato, deixar, naquela ação, uma forma definitiva: o que ele pretende, na verdade, é o resultado, a captação do espírito e a concreção do que ver, nada de soluções óbvias que tragam uma acomodação, mas que escancare uma boa batalha para o espectador, indicando que a pintura veio com a força natural.
Os temas escolhidos para as obras foram se confirmando ao longo de sua história, desde quando convivia na loja do seu pai, em Ipojuca, onde tinha a oportunidade de observar o movimento do povo e desenhá-lo, nos papéis de embrulho, tentando captar as cenas diretas, frescas, um flagrante que permanece nas pinturas posteriores que é uma rede de forças que nos incita àquela matéria — que se faz carne nas representações dos frutos, das folhagens, do mar, da brisa marinha, dos pássaros, das nuvens, da luz… — para tocá-la com o prazer tátil, porque não se pode apenas contemplar uma pintura de José Cláudio como algo estável, ali tem uma vida, um movimento que o olhar percorre acompanhando cada centímetro de pincelada, como moléculas que se interagem em estado vibrante.
Essa captação assumida pelo próprio pintor — “Eu dependo como pintor do que flagrar…” — resultam, em todas as temáticas das pinturas, dois fatores que observamos de imediato: o primeiro é a matéria densa que constroem as formas, numa pincelada definindo um tronco de coqueiro, um peixe, um pássaro, um fruto, um rosto, uma passista do frevo numa cena coletiva; o segundo é a captação do que envolve esses elementos separados jogando-os numa luz, num ar, que parecem movimentar na estrutura do quadro — é quando vemos uma paisagem na qual os coqueiros balançam com suas folhagens; nos peixes, ainda frescos vindos do mar, brilham; os frutos prontos para degustação; os pássaros saltam ante o nosso olhar num espaço luminoso; corpos das passistas dançam ao som da música; e os retratos de pessoas que são colocadas numa verdade particular de sua natureza que sabemos que são elas por terem sido captadas em algo que transcendem a simples aparência física.
Soma-se a toda essa força plástica a sua visão de homem refinado, culto, que está presente em seu tempo, fortalecido dentro de uma tradição que não paralisa, mas impulsiona para o futuro, proporcionando-lhe uma liberdade de quem sabe o que está fazendo e nada o tira de sua meta de captar e dizer do olhar sobre as coisas. Por isso, conversar com José Cláudio e ouvi-lo sobre os grandes artistas, como quem fala de um companheiro de sua proximidade, também é uma arte. Revela-se íntimo, encontra coisas e fatos que nos surpreende, gravando em nossa memória, porque, principalmente, diz com propriedade. Quem desfruta desse outro aspecto do artista sabe o quanto é prazeroso conversar e dividir algum conhecimento com ele, porque também o artista tem a arte de ouvir e observar o que o seu interlocutor tem a acrescentá-lo.
O Museu do Estado de Pernambuco inaugurou, no dia 7 de outubro, uma retrospectiva do pintor, na qual podemos observar grande parte da sua produção, com um impacto digno de sua arte; e lançou um belo livro, de excelente feitura, com textos de Marco Polo sobre a obra e vida do pintor, paralelo à exposição, que destrincha as suas fases. Muitos artistas de várias gerações estiveram lá para cumprimentar o pintor, desenhista, escultor, escritor, José Cláudio, sinalizando a admiração e o respeito por um artista que dá uma contribuição avaliada com a dimensão que merece a sua obra.
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