"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sábado, 13 de abril de 2002

Pernambuco sem Memória

Plínio Palhano


O impulso inicial do
movimento modernista
veio das artes plásticas.
Manuel Bandeira



Abaporu foi o título que Tarsila do Amaral deu a sua obra, realizada em 1928, e que entusiasmou o então seu marido Oswald de Andrade. É uma pintura que, segundo a própria artista, surgiu representando uma figura estranha de aspecto selvagem. Daí Tarsila procurou pesquisar um nome que identificasse aquela criação. Abriu um dicionário tupy e encontrou – Abaporu. Que significa antropófago. Eis o início da fase antropofágica de Tarsila do Amaral… Oswald de Andrade desenvolve a partir dessa obra toda uma teoria. A antropofagia natural nossa, brasileira, de comermos tudo o que é estrangeiro e definir uma personalidade nacional.
A propósito das comemorações dos 80 anos da Semana de Arte Moderna (1922), evento que se refletiu no Recife e contou com a participação de artistas pernambucanos, os órgãos públicos locais fazem ainda “tímidas” referências a esse marco histórico representativo para a arte atual, perdendo assim a oportunidade de aprofundamento da discussão para o entendimento desse quase secular movimento na arte brasileira.
Os principais espaços públicos (museus e galerias) mantiveram em suas pautas para 2002, divulgadas pela imprensa, um programa, até certo ponto, descompromissado com a atenção dada, neste ano, às questões que envolvem o movimento modernista. À Fundação Joaquim Nabuco, que tem o nome Vicente do Rego Monteiro em uma de suas galerias, caberia a tão reivindicada retrospectiva desse artista, um dos mais importantes representantes do Estado na semana paulistana e que já apresentava na época obras com temáticas nacionais mais avançadas que as de muitos dos seus pares naquela exposição de artes plásticas, em 1922.
A UFPE, que detém em seu Departamento de Cultura, na Rua Benfica, obras de Vicente do Rego Monteiro, não as exibe para o conhecimento público e tampouco o Curso de Artes Plásticas, por sua vez, busca nessa representação a pesquisa histórica ou estética. Já ao Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, criado, como indica seu próprio nome, para tratar de assuntos assim, caberia outra retrospectiva não menos didática e importante – a de Cícero Dias, considerado hoje, a glória da arte pernambucana, o modernismo vivo, ainda não devidamente pesquisado aqui em Pernambuco. Seria essa a oportunidade para um entendimento maior de sua dimensão histórica. Apesar do lançamento, recente, do livro Cícero Dias, Uma Vida pela Pintura – bancado pela iniciativa privada -, nos jardins do Palácio do Campo das Princesas, não foi suficiente para Pernambuco se sentir quitado com essa dívida à ilustre presença artística.
Com duas grandes retrospectivas – Vicente e Cícero – estariam aqui presentes artistas, críticos, museólogos e curadores, discutindo a participação do Estado no Modernismo brasileiro, e certamente isso daria, além da visibilidade histórica, um conhecimento atualizado sobre a contribuição estética desses artistas pernambucanos.
Claro que os gestores públicos tiveram tempo para marcar, de forma significativa, a presença pernambucana nas comemorações do Modernismo brasileiro, desde as administrações anteriores. Mas, em vez disso, estavam navegando nas águas ilusórias do Guggenheim, que ficou com os mais de 8 milhões de dólares pagos por nós, para realizar a exposição Corpo e Alma em Nova York, e de Pernambuco levou o altar do mosteiro de S. Bento de Olinda, talvez a única representação artística que eles acharam digna para nos representar. Vale ressaltar, aqui, a iniciativa do artista plástico Paulo Bruscky, que desenvolve importante pesquisa sobre Vicente do Rego Monteiro, e sua intenção de futuramente disponibilizar o acervo pesquisado para consulta do público. Iniciativas como essas podem apontar para a criação de um banco de dados, de forma ampla e de caráter permanente, que pudesse localizar, para o pesquisador, o estudante ou o cidadão comum, movimentos artísticos que fizeram e fazem a história das artes em Pernambuco. Por que não concretizar esse acesso à pesquisa em convênio com as universidades e começar a formar uma base de dados em artes plásticas? Seria plenamente positivo, além de democratizar a informação para a população.
É possível tratar a memória num diálogo com a arte atual, e isso nos é demonstrado em outros centros de produção artística no Brasil, a exemplo da cidade de São Paulo, onde a história da arte é preservada e compartilhada com as universidades, que dão o apoio técnico e científico. Agora mesmo, além de lançar a 25ª Edição de sua Bienal, a terceira mais importante do mundo, com a temática Iconografias Metropolitanas, concomitantemente, está realizando, com igual importância, mostras de coleções privadas com obras de artistas do século 20 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com títulos – Espelho Selvagem: Arte Moderna no Brasil da Primeira Metade do Século 20 (Coleção Nemirovsky) e Paralelos: Arte Brasileira da Segunda Metade de Século 20 em Contexto (Coleção Cisneros) – que, certamente, remetem a uma reflexão e reavaliação do Modernismo brasileiro.

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