"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand
Francisco Brennand
sábado, 7 de fevereiro de 2015
Não matarás
Judite e Holoferne - Caravaggio
A civilização ainda está na barbárie. A ciência aperfeiçoou as técnicas para eliminar o ser humano. Mata-se apenas apertando um botão, com uma precisão nunca vista na história nem no período das lanças e espadas. O homem atual é imbuído de questões filosóficas, religiosas e políticas de forma radical. Há múltiplas divisões do pensamento e, pelo que se apresenta hoje, nunca conciliáveis. Acreditar em seu ponto de vista significa excluir o outro em suas verdades, e estas não podem ser compartilhadas por adversários. São únicas. Essa é a atitude dos que têm em si um fundamento irremovível. A flexibilidade é coisa para os fracos.
Diz-se que política e religião não se discutem; ora, não! É como se dissesse que, se tocar nesses assuntos, haverá conflitos sangrentos. Se assim fosse, não existiriam os vários caminhos na humanidade, que foram produtos de dissidências, de discussões. Agora, o que permanece no homem são os sentimentos primitivos. A história de Caim e Abel se repete a cada dia como dramas nos núcleos familiares e na sociedade; porque o assassinato de Abel é um simbolismo da inveja, da hipocrisia, da trama sórdida da vingança, da traição, do ódio, da brutalidade dos algozes e da fatalidade das vítimas. Nosso país apresenta índices absurdos de homicídios. Pelos números, parece que estamos em uma guerra civil. E os motivos são tão variáveis como os matizes das cores: creio que na base estão os graves problemas sociais; o Código Penal, como apontam os especialistas, desatualizado; e o sistema prisional, sem nenhuma estrutura para a ressocialização dos encarcerados.
Nós nos escandalizamos com os crimes que acontecem no mundo; é justo, mas nas ruas do País se espalham os crimes bárbaros, que ultrapassam a imaginação e tocam a sensibilidade. O cidadão não tem mais a segurança natural e confiante no Estado; pelo contrário, sente-se abandonado também nesse quesito. Está bem claro que não cumprimos ainda as leis ditadas a Moisés por Deus: todos os itens dos 10 mandamentos, estamos permanentemente infringindo-os, vale salientar, com perfeição. O Cristo lançou uma nova meta para a humanidade: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13.34). Apesar dos exemplos individuais e coletivos em muitos momentos da História, constatamos a distância de concretizar, no planeta, essa utopia!
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
À luz vacilante
A História e seus estudiosos dizem que, se Da Vinci não houvesse empregado o seu tempo em várias pesquisas científicas, talvez tivesse uma produção de obras pictóricas em maior quantidade; na verdade, o artista florentino realizou um pouco mais de uma dúzia de obras-primas e outras inacabadas, que repercutem junto às suas investidas em vários âmbitos do conhecimento.
Conta-se que na sua época os pintores e escultores se interessavam pela ciência do corpo humano, como os médicos. Leonardo foi um deles, mas mergulhou com intensidade na pesquisa. Frequentava o Hospital Santa Maria Novella, em Florença, por manter excelentes relações com os monges que o administravam; lá, observava os pacientes que estavam com doenças incuráveis e aguardava o falecimento de algum deles para realizar autópsia investigativa da causa da morte, com entusiasmo. Um desses pacientes foi um velho que o artista procurou ouvir: o paciente lhe informou que tinha quase 100 anos, mas que não sentia dor nenhuma, apenas uma extrema fraqueza. No dia da morte desse homem, de forma tranquila, o artista encontrava-se presente. Logo em seguida, com uma serra muito fina em mãos, ele iniciou os trabalhos de dissecação do cadáver; encontrou nas veias do corpo calcificações em forma de pedras. Segundo biógrafos, o primeiro diagnóstico de arteriosclerose.
Da Vinci anota as experiências no Caderno de Anatomia – a ciência no seu tempo não fazia distinção com a fisiologia. Passa longas horas à noite, pacientemente, a dissecar corpos e avisa aos escritores que esses trabalhos só poderão ser acompanhados por desenhos, e não por palavras; a imagem, na sua visão, traria muito mais informações. Então, cada corte que realizava para descrever um órgão, músculos, ossos, veias, registrava em desenhos detalhados, que são considerados os estudos precursores de anatomia e fisiologia, adiantados para o século XV. Alertava também o mal-estar que o pesquisador poderia sentir nesses trabalhos pelo ambiente que proporcionava, com odores e cena macabra à luz vacilante das velas, e dizia que este é um dos ofícios mais difíceis de serem concretizados. Mas ele sabia que tinha um imenso trabalho a ser realizado e o fez de 1485 a 1513. Detalhou o esqueleto completo, o crânio, o cérebro, os músculos e seus movimentos, o coração, os órgãos genitais... Considerou, com esses longos estudos, o ser humano como o “primeiro animal entre os animais”.
Conta-se que na sua época os pintores e escultores se interessavam pela ciência do corpo humano, como os médicos. Leonardo foi um deles, mas mergulhou com intensidade na pesquisa. Frequentava o Hospital Santa Maria Novella, em Florença, por manter excelentes relações com os monges que o administravam; lá, observava os pacientes que estavam com doenças incuráveis e aguardava o falecimento de algum deles para realizar autópsia investigativa da causa da morte, com entusiasmo. Um desses pacientes foi um velho que o artista procurou ouvir: o paciente lhe informou que tinha quase 100 anos, mas que não sentia dor nenhuma, apenas uma extrema fraqueza. No dia da morte desse homem, de forma tranquila, o artista encontrava-se presente. Logo em seguida, com uma serra muito fina em mãos, ele iniciou os trabalhos de dissecação do cadáver; encontrou nas veias do corpo calcificações em forma de pedras. Segundo biógrafos, o primeiro diagnóstico de arteriosclerose.
Da Vinci anota as experiências no Caderno de Anatomia – a ciência no seu tempo não fazia distinção com a fisiologia. Passa longas horas à noite, pacientemente, a dissecar corpos e avisa aos escritores que esses trabalhos só poderão ser acompanhados por desenhos, e não por palavras; a imagem, na sua visão, traria muito mais informações. Então, cada corte que realizava para descrever um órgão, músculos, ossos, veias, registrava em desenhos detalhados, que são considerados os estudos precursores de anatomia e fisiologia, adiantados para o século XV. Alertava também o mal-estar que o pesquisador poderia sentir nesses trabalhos pelo ambiente que proporcionava, com odores e cena macabra à luz vacilante das velas, e dizia que este é um dos ofícios mais difíceis de serem concretizados. Mas ele sabia que tinha um imenso trabalho a ser realizado e o fez de 1485 a 1513. Detalhou o esqueleto completo, o crânio, o cérebro, os músculos e seus movimentos, o coração, os órgãos genitais... Considerou, com esses longos estudos, o ser humano como o “primeiro animal entre os animais”.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
Sefie
Essa é a palavra mais conhecida e utilizada no planeta na atualidade. Mesmo as crianças já sabem que se refere à imagem da própria pessoa sozinha ou junto a outras, materializadas em fotografias e publicadas nas redes sociais, onde comungam caras e bocas; insinuando poder, inteligência, títulos, beleza, riqueza, amizades, capacidade falsa ou verdadeira de trabalho, felicidade, criatividade e pouquíssimo sofrimento; inclusive, da depressão e dos seus inibidores químicos não se falam. Mas com a presença intensa de álcool, geralmente bons uísques e vinhos. E os ambientes são os mais elevados, muitos do exterior, e poucos pobres nacionais, tais como restaurantes, ruas, praças, universidades, raramente livrarias, hospitais, círculos domésticos — quando também é contemplado o amor pelos animais de todas as espécies —, clubes, palácios, cerimônias variadas, igrejas, hotéis... Bem, infinitos como o oceano da Internet, há lugares para os mais imprevistos selfies. Isso nos diverte, porque, se olharmos por um ângulo, vamos dizer freudiano, estamos tentando fazer autoanálise coletivamente.
Tudo isso não nos é estranho, a começar pela era das cavernas, em que realizávamos pinturas rupestres e éramos nós mesmos virtualmente retratados nas rochas, quando nos imaginávamos capturando os animais com dardos; assim, eram selfies em atividades, numa luta pela sobrevivência. A maioria dos pintores e escultores, principalmente a partir da Idade Média, realizou obras representando-se, ainda mais no Renascimento, em cenas históricas ou diretamente, como nos autorretratos de Da Vinci e de Rafael Sanzio. Na era moderna e contemporânea artistas se fizeram presentes em variados autorretratos. Van Gogh, Gauguin, Degas, Pissarro, Lautrec... Em seguida, Picasso, Matisse, Duchamp permitiram concretizar os selfies (autorretratos) em seu tempo. Lucian Freud e Balthus realizaram autorretratos que são leituras cruas de suas expressões. Como também Francis Bacon, na captação dos traços vigorosos do próprio rosto, em pinceladas cortantes e dramáticas. Muitos e importantes artistas analisaram sua própria face como uma das formas de autoconhecimento. Selfies sempre existiram através dos pintores e escultores em todas as épocas, mas, hoje, popularizaram-se em todo o planeta via redes sociais, como numa febre pandêmica.
sábado, 3 de janeiro de 2015
Tempo veloz
A velocidade neste terceiro milênio é de uma intensidade tal que se diferencia de todas as eras anteriores e parece contradizer a natureza e as galáxias. Tudo é elaborado às pressas. Nos governos, nas instituições, nas empresas, nas famílias, nos relacionamentos amorosos, nas artes, na informática, na sociedade, enfim. As igrejas cristãs consideradas mercenárias estão com soluções bem práticas para captar mais rápido os recursos dos adeptos. Enquanto o universo se movimenta com um ritmo, que imaginamos harmonioso, cabendo a cada corpo celeste a ação determinada, nós, em nosso planeta, estamos num burburinho perturbador em constante desencontro com o reino da natureza e demonstramos que somos o animal predador por excelência ao inventarmos situações que produzem sangue e morte. Os animais irracionais só se defendem. O poder e o dinheiro mal direcionados — por exemplo, a fabricação e vendas de armas, o interesse desonesto por riquezas naturais, tráfico de drogas, etc. — impulsionam os acontecimentos sociais e políticos desastrosos no mundo. Haja vista a política do País nas ações de corrupção generalizada.
Estamos vivendo um tempo de fazer inveja ao “Manifesto Futurista”, editado e publicado no “Le Figaro”, por Filippo Marinetti, em 1909, que tinha como fundamento a velocidade, o desenvolvimento tecnológico e as máquinas e enaltecia que “um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia”. Ora, se Marinetti e os seguidores alcançassem o que está acontecendo hoje no planeta, com a pressa característica e opressora sobre a sociedade, talvez preferissem a suposta paz coletiva dos mosteiros. O manifesto compartilhou uma modernidade nascente, que surgiu com a fúria natural desses movimentos e influenciou parte dos artistas, principalmente europeus; inclusive, no Brasil, Oswald de Andrade e Anita Malfatti foram contagiados por Marinetti e se tornaram precursores do futurismo tupiniquim, um dos impulsionadores da “Semana de Arte Moderna”, em 1922. Face ao que existe agora no âmbito da tecnologia, a leitura do texto do poeta, escritor e jornalista italiano soa como uma voz revolucionária específica da época; porque é constatado que a violência das máquinas segue no sentido inverso da arte e da reflexão. Talvez estejamos tentando encontrar um caminho que possa amenizar esses destroços da atualidade e criar um universo mais aprazível para vivermos em sentido horário e harmônico.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Raízes da arte
A vida é enraizada em conflitos, por isso existem a arte e o artista, para transcendê-la ou adentrá-la mais densamente. A visão que tenho sobre o mundo contemporâneo é de como se estivéssemos imersos em ondas que se quebram sobre nós, num ritmo permanente. A dor é espalhada no planeta, e bilhões de indivíduos atingem o cume da miséria, da fome e de todas as doenças possíveis, que os levam a condições sub-humanas; ainda enfrentam fundamentalismos religiosos, às vezes, cruéis, guerras étnicas e a violência generalizada. A cada pessoa, uma história concretizada em percursos impregnados de imprevistos raramente bons e invariavelmente maus.
Os artistas Francis Bacon e Lucian Freud representaram a angústia, a carne humana, num simbolismo da prisão em que a humanidade se encontra. Como na obra O Grito, de Edvard Munch, que é a representação da agonia, principalmente do próprio pintor, que, ao realizar essa obra, estava em desespero. Van Gogh percebeu na pele toda a força da vida, da natureza, e extraiu o ouro dos astros solares, das árvores contorcidas, das igrejas, como se estivessem em pleno terremoto. O chão tremeu em pinceladas expressas através de uma das almas mais sensíveis do século XIX. Picasso representou a injustiça e a perversidade dos bombardeios em Guernica, em 1937, realizando uma das suas obras-primas — símbolo da nossa era, em que impera a amargura coletiva. Goya, ao observar a guerra na Espanha, deixou um patrimônio que fala do homem e seus instintos na série de gravuras Os Desastres da Guerra.
É essencial lembrar não só a história dos grandes artistas que deixaram a sua marca e seus testemunhos sobre a vida, com seus percalços, mas também lembrar a história das pessoas que crescem, vivem em família e lutam pela subsistência. Aquela dos homens comuns. Que são pegos nas ondas que mencionei e que são açoitados por essas investidas até deixá-los sem forças. Que sonham um mundo melhor, mais justo, e recebem o troco da péssima política dos poderosos, corruptos e hipócritas, como se para eles, não valesse a luta que continuamente desempenham. Que são abandonados pelo Estado em todas as assistências. E só encontram a desilusão. Combalidos, procuram o consolo nas religiões e são explorados por guias cínicos e ambiciosos que lhes tiram o dinheiro, valendo-se do nome de Deus em vão. Esses cidadãos vilipendiados habitam no Brasil.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
Arte e liberdade
Stalin
A arte de Picasso, apesar dos seus laços com o comunismo, principalmente o soviético, não seguia os preceitos estéticos do realismo socialista, adotados pelo partido. Conta-se que na conferência de Wroclaw, na Polônia, em 1948, o artista foi atacado pelo Sindicato dos Escritores Soviéticos por causa do seu estilo, considerado decadente para o consumo da massa comunista e para ser reproduzido em jornais do sistema. Mesmo assim, Picasso negou-se a fazer concessões à ortodoxia comunista. Françoise Gilot, a sexta das suas oito mulheres, dizia que a Rússia odiava o seu trabalho, mas amava a sua política; e os EUA amavam a sua arte e odiavam a sua política. Um retrato de Stalin desenhado pelo artista e reproduzido em Les Lettres Françaises, logo após a morte do ditador soviético, causou um mal-estar no partido, porque o representou de forma sintética; o pintor dizia que era odiado por todos os lados, talvez por ser um criador, e encarava esse embate como uma alavanca para expandir a sua obra.
A Revolução Russa de 1917, nos primeiros momentos, entusiasmou os artistas que a apoiaram oferecendo ideias para estabelecer um movimento que desse uma nova dimensão à cultura. Os artistas bolcheviques estavam dispostos a criar com liberdade. Mas logo vieram os obstáculos. Malevich fez um monumento em homenagem a Lenin: reuniu peças agrícolas e industriais e máquinas. No topo da pilha, pretendeu pôr a imagem de Lenin em forma de um cubo. Mas aí cobraram o realismo na representação do líder. Como é que o povo iria entender que o cubo era Lenin? E começaram a determinar aos artistas uma propaganda mais direta, como no realismo soviético, para o povo entender a arte. Logo em seguida à morte de Lenin, iniciaram-se as perseguições, prisões, os assassinatos e a consequente fuga dos artistas para outros países europeus. Um deles que viveu esse movimento foi Marc Chagall, que emigrou para Paris.
Os estados totalitários no século XX foram desfavoráveis à arte e aos artistas. O nazismo é um dos fortes exemplos. Como no realismo soviético, produziu-se um horror de esculturas e pinturas, sem a forma e o conteúdo das verdadeiras obras de arte. Com ódio à arte moderna, por avaliá-la como judaica e comunista, o nazismo realizou uma exposição, em Munique, em 1937, intencionalmente caótica e a intitulou de Arte Degenerada, incluindo obras de artistas como Mondrian, Otto Mueller, Kandinsky, Max Ernst, Lasar Segall, Klee, Otto Dix e muitos outros.
A arte de Picasso, apesar dos seus laços com o comunismo, principalmente o soviético, não seguia os preceitos estéticos do realismo socialista, adotados pelo partido. Conta-se que na conferência de Wroclaw, na Polônia, em 1948, o artista foi atacado pelo Sindicato dos Escritores Soviéticos por causa do seu estilo, considerado decadente para o consumo da massa comunista e para ser reproduzido em jornais do sistema. Mesmo assim, Picasso negou-se a fazer concessões à ortodoxia comunista. Françoise Gilot, a sexta das suas oito mulheres, dizia que a Rússia odiava o seu trabalho, mas amava a sua política; e os EUA amavam a sua arte e odiavam a sua política. Um retrato de Stalin desenhado pelo artista e reproduzido em Les Lettres Françaises, logo após a morte do ditador soviético, causou um mal-estar no partido, porque o representou de forma sintética; o pintor dizia que era odiado por todos os lados, talvez por ser um criador, e encarava esse embate como uma alavanca para expandir a sua obra.
A Revolução Russa de 1917, nos primeiros momentos, entusiasmou os artistas que a apoiaram oferecendo ideias para estabelecer um movimento que desse uma nova dimensão à cultura. Os artistas bolcheviques estavam dispostos a criar com liberdade. Mas logo vieram os obstáculos. Malevich fez um monumento em homenagem a Lenin: reuniu peças agrícolas e industriais e máquinas. No topo da pilha, pretendeu pôr a imagem de Lenin em forma de um cubo. Mas aí cobraram o realismo na representação do líder. Como é que o povo iria entender que o cubo era Lenin? E começaram a determinar aos artistas uma propaganda mais direta, como no realismo soviético, para o povo entender a arte. Logo em seguida à morte de Lenin, iniciaram-se as perseguições, prisões, os assassinatos e a consequente fuga dos artistas para outros países europeus. Um deles que viveu esse movimento foi Marc Chagall, que emigrou para Paris.
Os estados totalitários no século XX foram desfavoráveis à arte e aos artistas. O nazismo é um dos fortes exemplos. Como no realismo soviético, produziu-se um horror de esculturas e pinturas, sem a forma e o conteúdo das verdadeiras obras de arte. Com ódio à arte moderna, por avaliá-la como judaica e comunista, o nazismo realizou uma exposição, em Munique, em 1937, intencionalmente caótica e a intitulou de Arte Degenerada, incluindo obras de artistas como Mondrian, Otto Mueller, Kandinsky, Max Ernst, Lasar Segall, Klee, Otto Dix e muitos outros.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Memória pernambucana
José dos Santos
O livro “Fotografias da Memória Pernambucana – Coleção José dos Santos” transportou-me para uma reminiscência da cultura católica nativa que recebi na infância; fez-me relembrar de rituais e celebrações, imagens, crucifixos, santuários, adornos das igrejas barrocas de Olinda e do Recife, e do Convento de Santo Antônio — localizado no Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife. Acompanhado por meu pai, natural daquele município, ex-seminarista, era levado para venerar a imagem do Santo Cristo, uma tradição que recebeu dos seus ancestrais. Da religião romana, ficou a visão cultural; a admiração pelos santos e, atualmente, pelo Papa Francisco; a beleza plástica das obras-primas que constam no Vaticano e em igrejas do mundo; a grandiosidade histórica; e o tradicional batismo firmado, do qual não dou conta.
Voltando ao livro, o que me abismou mesmo foi a capacidade de José dos Santos — conhecido também como Zé Santeiro — de reunir durante toda a vida uma coleção notável, principalmente de imagens e símbolos católicos, também de peças raras em cristais, pratarias, miniaturas, fragmentos, peças de engenho, obras de artistas populares e outras, que provam um olhar agudo do colecionador, consolidado com a experiência. Nascido na cidade do Cabo, logo cedo aprendeu, nas oficinas especializadas em restauração e conservação de imagens, no Recife, a penetrar nas leis que regem esse campo do conhecimento. Tornou-se um dos maiores antiquários do País, pesquisado por gente especialista, como Pietro Maria Bardi, que foi um dos muitos que constataram o valor da sua coleção.
Grande parte do conjunto é um registro da nossa história, da nossa cultura, da maneira como procurávamos eternizar a fé predominante. Homens e mulheres escravos, oprimidos, apelaram às mesmas imagens católicas que a aristocracia canavieira reverenciava para amenizar os seus sofrimentos — ou simplesmente porque eram coagidos. Acompanhavam as senhoras de engenhos nas rezas ante os oratórios das casas-grandes, com imagens das Virgens Marias, dos Cristos crucificados e dos santos; muitas dessas peças estão na rica coleção de José dos Santos. Dentre tantas fundamentais, existe uma que me chamou a atenção: um “tronco-prato”, de pedra, com forma cilíndrica, para prender até três escravos, com correntes de ferro que os aprisionavam, entre as quais se alimentavam, através da abertura acima, onde se colocava a ração. Creio ser essencial a preservação, pelo Estado de Pernambuco, para que esse patrimônio renasça como um museu cultural e sacro.
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