"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Giacometti

                                                                              Giacometti

Em uma longa entrevista concedida a Georges Raillard e publicada em livro com o título “A cor dos meus sonhos”, Joan Miró conta que a descoberta do escultor Giacometti foi um caso inusitado e histórico na modernidade do século XX. Diz que o personagem responsável pela incidência foi Jean Cocteau, que se encontrava em um café, em Montparnasse, e, ao lado, em outra mesa, estava sentado Giacometti, impressionando-o com a forma do seu crânio, e a partir daí entabularam uma conversa quando o artista se identificou como escultor. Mesmo sem conhecer a sua obra, Cocteau correu e disse ao galerista Pierre Loeb que conhecera um escultor e que era preciso visitar o seu ateliê, porque, pela forma da sua cabeça, acreditava que era um artista de mérito. Então, Miró informa: “Foi assim que tudo começou para Giacometti: descoberto por Cocteau, e por causa da sua cabeça!”.
 
Os primeiros passos do suíço Alberto Giacometti (1901–1966) como artista foram dados através do seu pai, um pintor impressionista, Giovani Giacometti, que o iniciou no desenho, na pintura e na escultura. Depois segue a Paris (1922) e frequenta cursos de escultura. Adquire uma personalidade artística, sob a influência da arte africana e da Oceania. Trava conhecimento com o surrealismo e é convidado para participar do movimento, com a admiração de André Breton. Mas será expulso do grupo por cometer o sacrilégio de adotar nos seus métodos, em escultura e pintura, a percepção ao natural, com modelos. É quando pinta e modela retratos e corpos. Um dos retratados por Giacometti foi Jean Genet, que realizou um livro esclarecedor sobre o artista, com o título “O ateliê de Giacometti”. Também aclamado por Jean-Paul Sartre, foi considerado um artista representante do existencialismo.

Suas esculturas são peças de uma notável concepção que o faz ser visto como um artista que tinha um pensamento exclusivo entre as outras personalidades, seus contemporâneos da arte. São representações escultóricas longilíneas que permitem a ideia de espaço, de movimento, da matéria em ação, como se rompesse a lei da gravidade. Giacometti era tão rigoroso em sua visão que destruiu parte de sua obra para deixar o que considerava melhor e desbastava as figuras ao máximo para dar-lhes grandeza. Mas acreditou que não alcançou o seu ideal de arte.    

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Signos de Miró

                                                            Miró e sua obra

Joan Miró (1893–1983) é um daqueles artistas do século XX que se distinguiram por terem uma personalidade única e notada logo no início do seu percurso. Escolheu cedo o que deveria ser, contrariando a vontade do pai, que gostaria que o filho tivesse o mesmo caminho dele, como ourives próspero. O avô paterno, com mesmo nome do pintor, era um ferreiro. E, do lado materno, marceneiro. Herdeiro, então, pelas duas raízes, das tradições de habilidades manuais, que lhe davam, naturalmente, suporte para mergulhar na matéria ilimitada do poder da sua arte, que encantaria o mundo e permaneceria um dos ícones da história da cultura plástica universal.

Apesar de ter frequentado, em Barcelona, a Escola de Belas Artes — a mesma que anteriormente Picasso assombrou com talento precoce —, Miró tinha uma maneira de representar as coisas que as academias não poderiam lhe dar. Nas primeiras pinturas, já havia as marcas das futuras obras que iria realizar. Não lhe interessava a representação natural das coisas, ele buscava algo que estava, talvez, no subconsciente. Nesse período, a ligação passageira foi com o impressionismo, o expressionismo, o fauvismo e com uma ponta do cubismo, mas sempre de modo próprio. Considerava que a natureza estava dentro dele, deveria partir das manifestações internas. Além disso, o arquiteto Antoni Gaudí foi uma inspiração permanente para sua geração.  Uma das obras mais representativas desse período é “A quinta” (1921/1922), entre outras, como “Caminho de El Guel” (1917), “Autorretrato” (1919), “Jardim com um burro” (1918), “Retrato de E.C. Ricart” (1917), “A vereda, Ciurana” (1917).

Mas o fundamental encontro foi com o surrealismo, em Paris, na década de 1920, principalmente porque o artista conviveu com André Masson — os dois compartilhavam ateliês separados apenas por uma divisória —, que o apresentou aos poetas do movimento, como André Breton, Louis Aragon e Paul Éluard, e, posteriormente, ao ator Antonin Artaud, que o influenciou nas ideias. Todos eles impressionados com a obra do artista catalão, de baixa estatura, tímido, mas com um espírito de fogo criativo que penetrou em todas as linguagens: na pintura, na gravura, na cerâmica, na escultura... Um artista que ultrapassou os limites da imaginação com monumentais obras na Espanha, nos Estados Unidos da América, na França... Legado incontestável de um gênio.

domingo, 7 de junho de 2015

A fotógrafa

                                                               Roberta Meira Lins

O olhar da fotógrafa Roberta Meira Lins tem como base a tríplice força necessária que impulsiona o ato criador de um artista: a sensibilidade, a cultura e a inteligência. A sensibilidade fornece elementos para perceber o mundo de forma própria, transfigurando-o com as teclas, vamos dizer, musicais, que mostram as coisas sob vários aspectos. A cultura dá ao seu olhar a percepção do que pretende captar; possui informações que a fazem lembrar a história, os criadores de que tem conhecimento e, principalmente, as raízes da sua terra. Nesse quesito, a fotógrafa teve o privilégio de conviver, na infância e adolescência, com as obras da coleção do seu avô materno, Albino Gonçalves Fernandes — psiquiatra culto que mantinha amizade com Vicente do Rego Monteiro e foi um dos retratados pelo pintor —, que, em sua pinacoteca, tinha quadros de Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres e de outros artistas plásticos internacionais... Além disso, a casa era frequentada por escritores e pensadores. A inteligência a deixa aguda para poder alcançar os objetivos da arte, naturalmente, os requintes da técnica, do mote a ser trabalhado e do seu processo de desdobramento. Elegeu a arte da fotografia como expressão e entende que essa linguagem é ponta de lança nas concepções contemporâneas. Nada se perde em seu percurso, tudo se concretiza e se transforma em obras que são produto da sensibilidade, da cultura e da inteligência.

A fotógrafa tem um currículo considerável de imagens que a consolida como uma das mais significativas artistas no âmbito da fotografia em Pernambuco. E em Paris, ainda este ano, participará de uma exposição coletiva de fotógrafos selecionados, numa das instalações do Museu do Louvre. Agora, escolheu um tema que lhe foi e está muito próximo: a praia de Porto de Galinhas. Conheceu esse recanto do litoral sul do Estado no tempo em que frequentava, com a sua família, a praia mais deserta e quase primitiva. Talvez nessas recentes fotografias tenha um pouco de autobiografia, a lembrança das coisas simples e verdadeiras que envolvem aquele paraíso notado e divulgado em todo o planeta. Faz questão de mostrar os pescadores em suas atividades diárias na pesca e na condução de jangadas com velas largas, brancas ou de várias cores, luminosas, num límpido mar e no céu expressivo em sol pleno e com nuvens tropicais. São fotografias que encantam e enriquecem o olhar e a memória do espectador.

terça-feira, 26 de maio de 2015

O pintor das máscaras




  

                                                           James Ensor

O simbolismo das máscaras é marcante e exerce uma atração nas multidões e nos indivíduos. São como um véu das verdadeiras faces. Usamo-las em várias circunstâncias da vida: na profissão, na política, na sociedade, na religião...  A todo o momento estamos prontos para pô-las como proteção e arte da sobrevivência. Com elas representamos uma felicidade imaginária e pública, com o espírito falsamente favorável aos semelhantes. Muitos praticaram crimes gigantescos contra a humanidade numa inocência mascarada. Todavia, nunca permitimos que nos avaliem como maus e hipócritas.Talvez os homens das cavernas fossem mais verdadeiros e coerentes.

Foi esse o mote que impulsionou o pensamento do pintor e gravador belga, James Ensor (1860-1949), na fase madura como criador, iniciada na pintura As máscaras escandalizadas (1883). No seu percurso inicial foi influenciado pelo Impressionismo francês, quanto às belas captações da luz genuína. Mas, depois partiu para representar os homens pelas máscaras de todas as formas como animais, palhaços, espectros, de uma maneira crítica e violenta, que lhe trouxe alguns prejuízos por ser tão veemente, mostrando rostos e corpos que espelham os apavorantes truques humanos do interior de suas almas e do caráter: um mundo transfigurado e perverso. Ensor expressava uma explosão de contendas contra a falsidade burguesa do seu tempo. Igualmente se autorretratava como Eu triste, Eu morto, Meu retrato esqueletizado, James Ensor crucificado pelos críticos. Cada vez mais se distanciava de uma estética solene e formal, criava obras que eram verdadeiros ataques à sociedade do final do século XIX, fato que o levou a ser expulso do grupo, nascido em Bruxelas, chamado Os XX. Uma das pinturas consideradas obras-primas do pintor tem o título O ingresso do Cristo em Bruxelas, que faz representar a entrada do Messias não na Jerusalém bíblica, mas na Bruxelas dos homens que o pintor julgava como os novos hipócritas e fariseus. Outra obra que dramatiza o horror e o fantasmagórico é a pintura Esqueletos que disputam um enforcado. Concebeu uma obra de plena liberdade de pensamento e foi considerado um partícipe decisivo do expressionismo e o surrealismo, consagrando-se como um dos pilares da arte moderna.   


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Embaixador de Picasso



Jaime Sabartés era escritor, poeta e jornalista; espanhol como Picasso, manteve com o artista uma relação de amizade de 1899 até 1968, ano em que faleceu. Os dois frequentavam o restaurante Quatro Gatos, na juventude, em Barcelona, onde vivenciaram intensa movimentação cultural, antes de Picasso retornar a Paris e permanecer, definitivamente, em 1904, após ter realizado uma exposição na Galeria Vollard, em 1901.
 
Sabartés foi retratado várias vezes pelo pintor, em pinturas e desenhos, a partir dos tempos juvenis. Essa aproximação se aprofundou devido às crises de angústias do artista — até mesmo com sua própria arte —, período da sua vida de constantes lutas conjugais e solidão. Picasso convidou, em 1939, o amigo, que tinha morado em Montevidéu e nos EUA, para voltar à Europa e acompanhá-lo nas atividades profissionais, morando com ele em Paris.
 
A partir daí, o escritor se torna um personagem silencioso, mas agudo, no universo picassiano, como um secretário particular ou eminência parda. Acompanhava-o em todos os momentos, principalmente à noite nos melhores e mais frequentados cafés e restaurantes. Todos que pretendiam visitar o ateliê teriam que passar pelo seu crivo. Os poderosos marchands europeus e estadunidenses —  ou qualquer outro profissional que viesse realizar um trabalho no estúdio, como fotógrafos, cineastas, críticos, editores — teriam que reverenciá-lo para alcançar o mestre da arte moderna do século XX. Era tudo o que Picasso precisava: um escudo sólido e culto para se proteger de todos os assédios.
 
Sabartés era um entusiasta da obra de Picasso e a defendia quando necessário. O escritor acompanhou seu trajeto nos primeiros passos em Barcelona, quando era influenciado pela obra de El Greco e pela vanguarda francesa, seguindo-o em todas as outras fases: azul, rosa, cubista, clássica... Segundo o marchand Kahnweiler, uma média de 800 telas cubistas foi vendida, juntando as de Braque, Derain e Vlaminck. E, se ele tivesse podido guardar durante quarenta anos essas obras e vendê-las uma a uma, a mesma quantidade, teria um lucro de muitos bilhões.
 
Quando se instalou no ateliê do pintor, já existia a pintura Guernica, o trabalho mais dramático e político de Picasso; e despontava a Segunda Guerra Mundial. O silencioso secretário foi importante para a vida e obra do artista, porque foi um apoio para serviços práticos e intelectuais em muitas decisões. Só uma coisa o incomodava: a sovinice do artista, Picasso raramente lhe pagava.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Carnaval e catarata

     
                                                                    BAJADO
                                                       


Fui surpreendido, numa consulta oftalmológica com o especialista Dr. Roberto Galvão Filho, pela necessidade de uma cirurgia para tratar a catarata, como é sabido, através de um implante intraocular de lentes, com o fim de corrigir a patologia — isso um pouco antes das festas de Dionísio (o deus grego, também reconhecido pelos romanos como Baco) presididas pelo Rei Momo: o nosso Carnaval, em que tudo é possível, mas sob a vigilância disciplinar de Apolo, o representante do Estado. Preferi realizar a cirurgia como meio de evocar a deusa grega da saúde Hígia, ou Salus, a romana. Contei com a ciência mitológica dessa divindade para que tudo desse certo.

Quando os médicos nos apontam uma cirurgia, vamos dizer compulsória, nos assustam. Mas a confiança é suprema nos homens da medicina que elegemos para nos salvar nas enfermidades. Sempre fui simpático a médicos e juízes. Explico melhor. Os médicos têm a paixão de curar seus pacientes, e os juízes, de fazer justiça — estes não utilizam retórica, dialéticas infindáveis, julgam com a possível sabedoria. E as aproximações que tive com esses profissionais foram bem-sucedidas, a começar pelo meu pai, que era magistrado e professor; atendia a todos que o procuravam, e vi, muitas vezes, receber pessoas humildes, correspondendo, de maneira discreta, elegante, às suas necessidades jurídicas como cidadãos. Tanto assim que, há anos, o homenagearam com o nome do fórum da cidade do Cabo de Santo Agostinho — Humberto da Costa Soares —, uma lembrança honrada e feliz.

Falo da Justiça também porque precisei da sua ação de bom-senso. O meu plano de saúde, em que há 24 anos sou assegurado, inicialmente negou o pagamento das lentes intraoculares, simplesmente porque dizia que o contrato não as cobria. Confesso que essa notícia me perturbou mais do que a de ter que fazer a cirurgia. Como não tenho dinheiro para pagar advogados, recorri às minhas próprias forças e fui à busca de uma solução. Procurei o Juizado Especial Cível e lá, realmente, encontrei pessoas fraternas que auxiliaram para que o documento de pedido de liminar alcançasse as mãos e a mente do juiz de quem não soube o nome — e consegui que o plano pagasse toda a cirurgia. Deixo este testemunho para que outras pessoas possam fazer o mesmo: essa via no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) está excelente para aqueles que pleiteiam justiça.          

terça-feira, 24 de março de 2015

Mercado de compadrio

                                                        Vicente do Rego Monteiro - 1924

As leis tradicionais que regem o comércio de arte não existem de maneira consolidada no Brasil. Com raras exceções de artistas importantes, reconhecidos pelos mercadores e críticos, principalmente os históricos, mortos: para estes, sim, existem a oferta e a procura de refinados colecionadores e marchands. Então, aqui, é preciso estar na história, naturalmente, e morto!, para constar no elevado mundo da arte. O resto é o negócio de compadrio, isto é, ser amigo de banqueiros que possam bancar preços altos em leilões e criar bolhas de valores de obras sem permanência, de políticos que facilitem os meios oficiais, de novos ricos, como mecenas contemporâneos — ou, no caso menor, em regiões como o Norte e o Nordeste, o interesse vem dos profissionais da classe média ou de médios e bem-sucedidos empresários —, para se firmar no trato da arte.

Na Europa e nos EUA, com as devidas reservas das deformações atuais de publicidade exageradas, o mercado venceu com as leis reais. Artistas que estiveram no nimbo do esquecimento estouraram na procura como preciosidades de ouro e diamantes. No século XIX e início do XX, várias personalidades artísticas não existiam para a época, mas, com o tempo, foram sendo reconhecidas. Hoje, são as maiores fortunas apresentadas nas leiloeiras Sotheby’s e Christie’s, termômetro em que se apresentam as obras mais caras do mundo.

Internacionalmente, quanto mais crise econômica, mais a arte desponta como uma das soluções de investimento para aqueles que têm dinheiro de sobra. Os homens do petróleo no Oriente Médio estão investindo bilhões de dólares em seus museus, talvez a futura meca da cultura. Recentemente, um investidor do Qatar pagou US$ 300 milhões por uma obra de Paul Gauguin, artista que morreu em plena miséria e nunca conheceu esse valor. No Brasil, já estão anunciando que um dos maiores leilões anuais está ameaçado pela crise nacional, prova de que o mercado não está consolidado; se o fosse, os milionários ou bilionários do País estariam investindo e multiplicando o seu capital. Pelo que demonstram, evadem-se do tal evento para não arriscarem as suas riquezas.

O mercado de arte, nos países desenvolvidos, sempre dará as cartas ao mundo, aos especialistas, aos colecionadores e ao público para, de alguma forma, a História registrar algo de real que sucessivamente fica nessa trama presente no percurso da humanidade.