"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

domingo, 14 de setembro de 2014

Com José Cláudio

                                                                                  José Cláudio

Vi aquele senhor, sentado num banco, com a voz forte e jeito de quem gostava da vida, apoiando as mãos sobre os joelhos, a observar um quadro de José Cláudio — cena testemunhada em seu ateliê —, a dizer, virando-se para mim: “Hein! Que maravilha! Hein!”. Eu, um interlocutor ali por casualidade, jovem, que visitava o pintor sem pedir licença, e era hábito essa audácia, concedida pelo artista, por morarmos perto. A pintura era um nu feminino. O aficionado tratava-se de Renato Carneiro Campos. Foi a primeira vez e última que o vi. Só o acompanhava através das suas crônicas, sempre aos domingos, que ficou posteriormente como título do livro — capa ilustrada por José Cláudio —, publicado pela Editora Massangana - Fundaj. Sobre Renato Campos, também o escritor Sérgio Moacir de Albuquerque falava-me muito; eram grandes amigos, e tive o prazer de ouvir bem-humorados casos. Sérgio era outro vizinho na praia de Rio Doce, onde mantenho o atual ateliê, e já casado com a poetisa Lucila Nogueira.

Nessa época em que eu frequentava aulas de direito e trabalhava numa empresa federal de processamento de dados, com passagem breve pela Escola de Belas Artes na intenção apenas de me integrar às artes, um ateliê de um artista, principalmente da dimensão de José Cláudio, era um verdadeiro campo de fortalecimento. O meu primeiro interesse pela arte foi através de leituras sobre movimentos e criadores. Praticava desenho e pintura como autodidata. As visitas ao seu ateliê foram marcadas por momentos que ficaram anotados na memória. Gostava de ver os materiais, as tintas, os pincéis, os pedaços improvisados como paletas... As esculturas em madeira de jaqueira. E sempre a nutritiva conversa. Tudo respirava uma nova visão. O artista era paciente com o jovem frequentador do seu ateliê. E expressava atitudes de fraternidade e compreensão. Certa vez, percebi que tinha novas pinturas e comecei a arrumá-las na sala para observá-las, comentando entusiasmado o que estava vendo — e José Cláudio calado, só olhando por cima dos óculos. Foi mais de uma dezena de obras. Passei um tempo apreciando-as. Então, disse-me: “Plínio, vem cá, toma aqui esses tubos de tinta, que não vou usar, e você poderá aproveitar”. A tinta era maravilhosa. E ansioso para experimentá-la, quando ia saindo, lembrou: “Não esqueceu nada?... Devolva os quadros ao mesmo lugar, meu caro”.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário