"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A matéria da luz



Quando a fotografia surgiu no século XVIII em suas primeiras experiências, sendo depois aperfeiçoada no século XIX para captar a luz e materializar melhor a imagem do mundo e das pessoas, alguns críticos consideraram que a pintura do retrato tinha cumprido a sua missão. Mas, essa nova técnica foi se aliando à pintura e trocando interesses. Hoje, a fotografia é uma das artes independentes com dimensões admiráveis, e o artista fotógrafo é considerado um criador de ponta. Não é por menos que a primeira exposição impressionista, em 1874, foi no estúdio de um dos fotógrafos de proeminência em Paris, amigo dos artistas, que ofereceu o espaço para que fosse realizada a mostra; isso porque os impressionistas, nesse período, não eram aceitos nem nos salões oficiais de arte nem nas galerias. O fotógrafo era Félix Nadar, que também exercia a função de caricaturista em jornais e foi fundador de alguns veículos de imprensa.

Nadar fez o registro fotográfico de eminentes personagens contemporâneos, a exemplo de Baudelaire, Gustave Courbet, Delacroix, Corot, Jules Verne... E o próprio autorretrato. Muitos pintores começaram a utilizar a fotografia como dado de imagem para realizar as obras. Cézanne era um deles, embora não conseguisse, por timidez, pintar nus ao natural; precisava de fotos para pintá-los. Toulouse-Lautrec se baseou em diversas imagens fotográficas. Degas era um amante da recente tecnologia e pintou cenas via essa fonte. Na modernidade do século XX, para Picasso e outros, a fotografia foi substrato em algumas obras.

Roberta Meira Lins elegeu a fotografia como uma arte sua, que envolve olhar, técnica e rigor. A temática são pessoas, cenas sociais, a arquitetura, a paisagem... Às vezes cria detalhes das coisas numa captação de luz adequada. Faz o seu trabalho com verve, mas depois de analisar todos os resultados sob o controle do olhar e do cérebro. Procura expressar o belo que encontra na natureza e explode no inconsciente. Se for uma marinha, ela dá voz e vida às ondas do mar para que dialoguem com as cores celestes das nuvens ensolaradas e voluptuosas e com as faixas arenosas. Reúne esses elementos e cria o mundo que lhe pertence. A fotógrafa armazenou durante a vida uma cultura do olhar: nasceu no meio de obras, de artistas, de escritores; a estética e a superfície pictórica não lhe são estranhas, não precisou “ir atrás” para compreender as artes; cresceu vendo obras de Vicente do Rego Monteiro, Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres... Só precisou escolher a maneira de dizer sua arte. E diz a matéria da luz com os poderes dionisíaco e apolíneo.

domingo, 12 de outubro de 2014

Corot


                                                                              Corot

O pintor francês Jean-Batiste Camille Corot (1796–1875), mais conhecido simplesmente como “Corot”, por assim assinar suas obras, é considerado um dos paisagistas mais representativos da pintura europeia da primeira metade do século XIX. Inicialmente, teve uma formação clássica, acadêmica, mas logo se libertou após a sua viagem à Itália. Criou uma maneira de interpretar a paisagem com linguagem única, ao pintá-la ao natural, captando uma realidade luminosa e delicada que antecedeu o movimento impressionista e influenciou alguns de seus artistas, como Pissarro, Sisley, Renoir... É considerado um dos precursores do estudo da cor e da luz, fundamento daqueles pintores que se reuniam por essa ideia.

Seu pai, um comerciante abastado que não tolerava e não acreditava no seu talento, porque queria vê-lo nas atividades do comércio, dizia-lhe que era inútil a pintura por não produzir dinheiro suficiente. Corot passou bastante tempo com dificuldades, sem conseguir ser aceito no mercado e, principalmente, no salão oficial parisiense, que, na época, era o teste essencial de todo pintor para ser acolhido pela comunidade artística, crítica e pelos mercadores de arte. Mas, tardiamente, conseguiu alcançar o sucesso de mercado e crítica. Mesmo cercado por invejosos, a demanda era excelente para a venda de suas obras, fato que, infelizmente, não foi de conhecimento do seu pai. “Para mim é maravilhoso ouvir ser chamado, agora, de ‘um homem eminente’. Que lástima que não tenham dito antes ao meu pai, que odiava tanto a minha pintura e que a julgava inútil porque não se vendia”, disse a um dos seus contemporâneos.

Apesar de rigoroso com a sua obra, conta-se que Corot era de uma generosidade constante com todos aqueles que conviviam com ele. Tinha no bolso um exemplar da “Imitação de Cristo” e lia-o todas as noites. Dizia que esse livro lhe ensinou que nenhum homem deveria se orgulhar de seus talentos. O artista era incapaz de uma atitude que prejudicasse, de alguma forma, os semelhantes. Certa vez, um cidadão foi mostrar uma obra com a sua assinatura e queria saber se o quadro era autêntico. Corot reconheceu que era falso. O comprador se enfureceu com o comerciante que lhe vendeu e avisou que iria tomar as providências. O pintor disse-lhe que não fizesse isso porque poderia prejudicar a vida do vendedor e de seus filhos. Então, pediu-lhe a obra, levou-a ao cavalete, aplicou as pinceladas definitivas e afirmou: “Pronto, agora você tem um Corot”.