"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O corpo na arte



A arte rupestre tinha o aspecto mágico: o artista acreditava que, representando o lançamento do dardo sobre o animal, este seria morto e a caça se consolidaria. O espírito prático predominava porque era a conquista do alimento. Quando digo o corpo na arte, entendo que a arte do artista acompanha a sua constituição física e espiritual. Quando ele cria o fetiche da morte do animal, ele está utilizando o instinto, seus músculos, membros superiores e inferiores para realizar a obra. Todo o seu cérebro e sua emoção estão voltados para o lado da sobrevivência imediata. O artista utilizava-se da força física principalmente para reunir os materiais de sua arte encontrados na natureza e colocá-los em formas no suporte, em pedras, nos lugares mais inusitados, o que exigia um sacrifício físico de dimensão extraordinária. As questões complexas e espirituais ainda não predominavam. Apesar de serem obras de uma estonteante beleza instintiva que fizeram artistas contemporâneos se voltarem para essa arte primitiva como algo de mais puro e verdadeiro.

Com o tempo, o artista procurou a imitação da natureza, as medidas, as expressões do mundo exterior como a forma mais perfeita para a representação. Foi quando ele começou a unir o cérebro e o coração. A razão e a emoção. Os aspectos apolíneos e dionisíacos. Que fazem a parte superior do corpo na concepção da obra de arte. O artista começa a pensar a arte como veículo do espírito.  Movimenta-se nas formas, fala uma linguagem com os signos próprios. Mas, até muito tempo, a atividade nas artes plásticas era considerada inferior; o artista, então, não estava no mesmo patamar dos poetas, filósofos, cientistas... Após o mergulho na Idade Média, surge, no Renascimento, como um ser múltiplo e pensador. A sua assinatura nas obras começou daí. Antes, não as assinava ou não se preocupava com isso, talvez por ser visto como simples artesão, embora realizasse trabalhos de arquitetura, pintura, escultura, e todos os tipos de obra de forma genial, que se integravam à vida.  

Após as revoluções a partir do Impressionismo — no início do século XX e alcançando os nossos dias —, que mudaram totalmente o olhar do artista sobre a natureza e sobre ele mesmo, com que parte do corpo nós estamos lidando quando se trata de arte?
 

domingo, 8 de dezembro de 2013

Camarada Bruscki



Falo de autenticidade. De originalidade perene. De raiz fincada. Bruscky foi sempre a sua própria invenção. Não poderia ser outro. Se Marcel Duchamp aparecesse, ele iria chamá-lo para um bar e conversar, simplesmente. E aí diria: “Meu camarada...”, como faz na introdução dos longos bate-papos. Não iria mudar nada em sua trajetória. As atuações de ontem permanecem renovadas, e assim segue o caminho que encontrou. Lembrando Picasso, que disse que não buscava, só encontrava. É o caso de Paulo Bruscky. É ele mesmo construindo um mundo, inventando ideias, em concepções múltiplas, desde os anos 60.

Quando, na década de 1970, o artista fazia as intervenções na cidade do Recife — o termo intervenção quase não se usava, hoje ele é bastante utilizado para designar uma das formas de arte urbana —, causava uma movimentação no centro da capital, despertando curiosidade nos populares. Os homens da ditadura militar interpretavam-nas como uma ação comunista, talvez de guerrilha urbana, por isso Bruscky algumas vezes foi preso. Tempo de coragem e de arte. Fez uma exposição coletiva na zona — termo que usávamos para identificar o belo bairro do Recife Antigo, para quem não sabe, à época, um puteiro enorme: quase todo o bairro —, no edifício  Chanteclair. Liderou a mostra e criou performances que derramavam nas escadas “sangue”, como se tivesse ocorrido uma ação criminosa ali. As putas adoraram, porque estavam numa verdadeira festa. O artista rompia, assim, a pose dos burgueses bacharelescos, que até frequentavam, na calada da noite, as namoradas prostitutas.

Bruscky é um pernambucano que ama a cidade do Recife. Impacienta-se, às vezes, quando tem que fazer viagens extensas. Aqui, frequenta os lugares, com gente simples, sem o folclore da mídia. Os mercados são as escolhas. Conhece a arte e os artistas do Nordeste e tem um arquivo precioso sobre o ambiente cultural da região e da cidade. Possui uma pasta sobre cada artista e movimento. É coautor de um livro sobre Vicente do Rego Monteiro, artista de sua admiração. Cícero Dias, quando vinha para o Recife, ligava para Bruscky a fim de convidá-lo a compartilhar um uísque numa conversa que durava horas. Num desses encontros, realizou, acompanhado por Mário Hélio, uma entrevista com o artista.

Paulo Bruscky teve um percurso de talento que ultrapassou fronteiras e, mesmo alcançando o reconhecimento nacional e internacional, prefere os mercados...