"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

À luz vacilante

A História e seus estudiosos dizem que, se Da Vinci não houvesse empregado o seu tempo em várias pesquisas científicas, talvez tivesse uma produção de obras pictóricas em maior quantidade; na verdade, o artista florentino realizou um pouco mais de uma dúzia de obras-primas e outras inacabadas, que repercutem junto às suas investidas em vários âmbitos do conhecimento.
  
Conta-se que na sua época os pintores e escultores se interessavam pela ciência do corpo humano, como os médicos. Leonardo foi um deles, mas mergulhou com intensidade na pesquisa. Frequentava o Hospital Santa Maria Novella, em Florença, por manter excelentes relações com os monges que o administravam; lá, observava os pacientes que estavam com doenças incuráveis e aguardava o falecimento de algum deles para realizar autópsia investigativa da causa da morte, com entusiasmo. Um desses pacientes foi um velho que o artista procurou ouvir: o paciente lhe informou que tinha quase 100 anos, mas que não sentia dor nenhuma, apenas uma extrema fraqueza. No dia da morte desse homem, de forma tranquila, o artista encontrava-se presente. Logo em seguida, com uma serra muito fina em mãos, ele iniciou os trabalhos de dissecação do cadáver; encontrou nas veias do corpo calcificações em forma de pedras. Segundo biógrafos, o primeiro diagnóstico de arteriosclerose.



Da Vinci anota as experiências no Caderno de Anatomia – a ciência no seu tempo não fazia distinção com a fisiologia. Passa longas horas à noite, pacientemente, a dissecar corpos e avisa aos escritores que esses trabalhos só poderão ser acompanhados por desenhos, e não por palavras; a imagem, na sua visão, traria muito mais informações. Então, cada corte que realizava para descrever um órgão, músculos, ossos, veias, registrava em desenhos detalhados, que são considerados os estudos precursores de anatomia e fisiologia, adiantados para o século XV. Alertava também o mal-estar que o pesquisador poderia sentir nesses trabalhos pelo ambiente que proporcionava, com odores e cena macabra à luz vacilante das velas, e dizia que este é um dos ofícios mais difíceis de serem concretizados. Mas ele sabia que tinha um imenso trabalho a ser realizado e o fez de 1485 a 1513. Detalhou o esqueleto completo, o crânio, o cérebro, os músculos e seus movimentos, o coração, os órgãos genitais... Considerou, com esses longos estudos, o ser humano como o “primeiro animal entre os animais”.  

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sefie



Essa é a palavra mais conhecida e utilizada no planeta na atualidade. Mesmo as crianças já sabem que se refere à imagem da própria pessoa sozinha ou junto a outras, materializadas em fotografias e publicadas nas redes sociais, onde comungam caras e bocas; insinuando poder, inteligência, títulos, beleza, riqueza, amizades, capacidade falsa ou verdadeira de trabalho, felicidade, criatividade e pouquíssimo sofrimento; inclusive, da depressão e dos seus inibidores químicos não se falam. Mas com a presença intensa de álcool, geralmente bons uísques e vinhos. E os ambientes são os mais elevados, muitos do exterior, e poucos pobres nacionais, tais como restaurantes, ruas, praças, universidades, raramente livrarias, hospitais, círculos domésticos — quando também é contemplado o amor pelos animais de todas as espécies —, clubes, palácios, cerimônias variadas, igrejas, hotéis...  Bem, infinitos como o oceano da Internet, há lugares para os mais imprevistos selfies. Isso nos diverte, porque, se olharmos por um ângulo, vamos dizer freudiano, estamos tentando fazer autoanálise coletivamente.

Tudo isso não nos é estranho, a começar pela era das cavernas, em que realizávamos pinturas rupestres e éramos nós mesmos virtualmente retratados nas rochas, quando nos imaginávamos capturando os animais com dardos; assim, eram selfies em atividades, numa luta pela sobrevivência. A maioria dos pintores e escultores, principalmente a partir da Idade Média, realizou obras representando-se, ainda mais no Renascimento, em cenas históricas ou diretamente, como nos autorretratos de Da Vinci e de Rafael Sanzio. Na era moderna e contemporânea artistas se fizeram presentes em variados autorretratos. Van Gogh, Gauguin, Degas, Pissarro, Lautrec... Em seguida, Picasso, Matisse, Duchamp permitiram concretizar os selfies (autorretratos) em seu tempo. Lucian Freud e Balthus realizaram autorretratos que são leituras cruas de suas expressões. Como também Francis Bacon, na captação dos traços vigorosos do próprio rosto, em pinceladas cortantes e dramáticas. Muitos e importantes artistas analisaram sua própria face como uma das formas de autoconhecimento. Selfies sempre existiram através dos pintores e escultores em todas as épocas, mas, hoje, popularizaram-se em todo o planeta via redes sociais, como numa febre pandêmica.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Tempo veloz



A velocidade neste terceiro milênio é de uma intensidade tal que se diferencia de todas as eras anteriores e parece contradizer a natureza e as galáxias. Tudo é elaborado às pressas. Nos governos, nas instituições, nas empresas, nas famílias, nos relacionamentos amorosos, nas artes, na informática, na sociedade, enfim. As igrejas cristãs consideradas mercenárias estão com soluções bem práticas para captar mais rápido os recursos dos adeptos. Enquanto o universo se movimenta com um ritmo, que imaginamos harmonioso, cabendo a cada corpo celeste a ação determinada, nós, em nosso planeta, estamos num burburinho perturbador em constante desencontro com o reino da natureza e demonstramos que somos o animal predador por excelência ao inventarmos situações que produzem sangue e morte. Os animais irracionais só se defendem. O poder e o dinheiro mal direcionados — por exemplo, a fabricação e vendas de armas, o interesse desonesto por riquezas naturais, tráfico de drogas, etc. — impulsionam os acontecimentos sociais e políticos desastrosos no mundo. Haja vista a política do País nas ações de corrupção generalizada.

Estamos vivendo um tempo de fazer inveja ao “Manifesto Futurista”, editado e publicado no “Le Figaro”, por Filippo Marinetti, em 1909, que tinha como fundamento a velocidade, o desenvolvimento tecnológico e as máquinas e enaltecia que “um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia”. Ora, se Marinetti e os seguidores alcançassem o que está acontecendo hoje no planeta, com a pressa característica e opressora sobre a sociedade, talvez preferissem a suposta paz coletiva dos mosteiros. O manifesto compartilhou uma modernidade nascente, que surgiu com a fúria natural desses movimentos e influenciou parte dos artistas, principalmente europeus; inclusive, no Brasil, Oswald de Andrade e Anita Malfatti foram contagiados por Marinetti e se tornaram precursores do futurismo tupiniquim, um dos impulsionadores da “Semana de Arte Moderna”, em 1922. Face ao que existe agora no âmbito da tecnologia, a leitura do texto do poeta, escritor e jornalista italiano soa como uma voz revolucionária específica da época; porque é constatado que a violência das máquinas segue no sentido inverso da arte e da reflexão. Talvez estejamos tentando encontrar um caminho que possa amenizar esses destroços da atualidade e criar um universo mais aprazível para vivermos em sentido horário e harmônico.