"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

domingo, 10 de agosto de 2014

Renoir e Cézanne

                                                                          Renoir
                   
                                                                             Cézanne

Como se sabe, Cézanne e Renoir foram pintores provenientes do impressionismo, que, após a fase de amadurecimento do pensamento de cada um deles, criaram seus próprios caminhos, fora dos dogmas radicais que caracterizavam aquele movimento.  Apesar dos estilos diferentes, os dois artistas se admiravam e eram companheiros nas sessões de pintura que praticavam ao ar livre. A intenção de Cézanne era fazer com que a natureza, representada na obra, desse uma ideia de massas concretas e, como nessas paisagens, submetesse as representações humanas e coisas à esfera, ao cilindro e ao cone, isto é, a uma geometrização do mundo, criando valores diferentes, até então desconhecidos na história da arte, que alcançaram as bases do cubismo e seus precursores, Braque e Picasso, que o desenvolveram e o expandiram.

Renoir e Cézanne representaram visões próprias quando pintaram juntos o Monte de Santa Vitória, em L’Estaque. Renoir dissolvia tudo em manchas luminosas, enquanto Cézanne construía as rochas como uma pirâmide. É claramente visível a diferença dos enfoques deles: Cézanne cria uma solidez nas pinceladas e dá forma múltipla e paralela; Renoir, ainda influenciado pelo impressionismo, manchas leves, luminosas, e elas compartilham uma captação geral do tema.

O processo de Cézanne ao elaborar a obra, segundo depoimentos de contemporâneos, como Ambroise Vollard, marchand dos dois artistas, que por eles também foi retratado, era trabalhado em dezenas de sessões, como aconteceu no seu retrato, que ainda foi considerado inacabado pelo artista; sobre o Monte de Santa Vitória foram realizadas 30 pinturas a óleo e 45 aquarelas. Para concluir As Grandes Banhistas (2.10 x 2.51 m), considerada uma das suas obras-primas, custou-lhe 7 anos de trabalho (1898–1905). Vê-se nos movimentos das massas pictóricas dessa obra uma estrutura sólida, piramidal.

A obra de Renoir explode em sensualidade. Uma das melhores descrições do pintor foi feita pelo seu filho Jean Renoir, que lhe preparava o diluente para a pintura: disse que o pai diluía bastante a tinta e ia desenvolvendo as formas, sem nenhum desenho; era pintando e saindo o motivo, com a tinta fresca e expressiva. O gesto de um mestre.


sábado, 2 de agosto de 2014

Adeus, Santander Cultural


Foi anunciado, através de carta da equipe do Santander Cultural, no início do ano passado, aos seus caros amigos, que o edifício que o abrigava iria passar por uma grande reforma, que envolveria a restauração completa de sua fachada e importante requalificação interna. Também foi informado que a casa seria reaberta em maio de 2014, já no ritmo e na emoção da Copa do Mundo. Até aí a comunidade cultural ainda vibrava por crer que o importante centro das artes visuais, após vinte anos de participação na cidade do Recife, com exposições e curadorias direcionadas a apresentar o melhor da arte pernambucana e do País, iria, finalmente, dar um passo fundamental para se consolidar no Estado.

O baque foi grande ao alcançarmos o futuro no prometido maio de 2014. Os artistas, tendo conhecimento de que o Santander iria fechar as portas, clamaram para que o banco mantivesse as instalações e os equipamentos para que a vida cultural na cidade continuasse. A alta cúpula do banco respondeu que considera o edifício muito limitado para as exposições e que iria usar o Museu do Estado de Pernambuco (Mepe) para investir na arte e na cultura, tendo já firmado um contrato de três anos com o Museu. O Santander tem o direito de investir o seu dinheiro da melhor forma que indicar a sua estratégia financeira. A nós cabe apenas lamentar o fechamento de uma das instituições mais vivas do Recife, que já fazia parte de nossa cultura, relacionando-se com muitas outras em âmbito nacional.

O seu coordenador, Carlos Trevi, tornou-se uma das pessoas mais próximas dos artistas pernambucanos, principalmente por realizar exposições significativas e dar uma dimensão real da arte do Estado e do Nordeste para o País. As mostras eram organizadas no padrão excelente de apresentação, de curadoria; os catálogos, com grande qualidade gráfica e textos didáticos, críticos e de elevado nível. Poderia citar várias delas como exemplo, mas uma das que, no meu ponto de vista, marcaram foi Zona tórrida – certa pintura do Nordeste, que trouxe uma visão da pintura que se desenvolveu na Região. Uma liderança que Trevi exercia com discrição e elegância, admirada por todos que conheceram a sua coordenadoria. Tornou-se, assim, também um cidadão pernambucano pelo seu trabalho e pela sua dignidade.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Adversário político


Há uma tradição, no Brasil, de que o antagonista político deve ser completamente derrotado; se possível, mesmo que veladamente, nutrindo um desejo de morte física e, principalmente, de ideias do já considerado inimigo. Isso vem de longo tempo.

Aquele que diverge dos pensamentos de certas facções é um indivíduo que não deve sobreviver à política após embates de campanhas numa disputa eleitoral. Armam-se estratégias para induzir o povo a pensar que o oponente é detentor das piores qualidades como pretendente ao cargo eletivo. Por isso surgem, nesses períodos, calúnias e iniciativas precipitadas, abertura dos cofres públicos e todo tipo de guerra eleitoral. Tudo vale para conseguir o poder.  Pouco se discute ideias e interesses coletivos; a centralização está simplesmente nessa fome de domínio. Quando o vitorioso é instalado na função, inicia uma etapa para desqualificar o antecessor. Nada de aproveitar as obras positivas anteriores: os projetos são abandonados, gerando prejuízos para o erário público.  A ânsia é expor as mazelas do governo anterior para sobressair como herói, dizendo que veio para salvar a nação, o estado ou o município. A maioria pensa assim, com o olhar fora da realidade, esquecendo-se do essencial, que é a vontade do povo de sobreviver às dificuldades. Com isso entendemos que o respeito à pluralidade de ideias no País não é uma praxe. Quase sempre os políticos são obrigados a admitir a existência de outros grupos que não pensam da mesma forma, porque estamos numa democracia. E só se unem com outros partidos por interesses de poder.  O governo de países que não aceitaram outras ideias está consolidado como um estado forte e predominante sobre a vontade da sociedade, levando-a a uma tragédia social, cultural, por perder a sua identidade e força.

E é em nome do povo que todos justificam estar no poder. Nenhum deles diz que conseguiu estar lá porque seu partido quis conquistar o máximo nem deixa transparecer que está com a ambição afiada. Dizem que estão ali por idealismo. Até os mais descarados na história contemporânea da política brasileira revestem-se com uma pele de cordeiro bem-adaptada para o momento, unindo-se com antigos desafetos, entre abraços e batidas nas costas, deixando a opinião pública revoltada com essas demonstrações de hipocrisia. O essencial é o povo se libertar das armadilhas do Estado para escolher melhor seus representantes