"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

domingo, 29 de julho de 2001

O Guggenhein, o Tacaruna e a Realidade Possível

Plínio Palhano


Foram necessários 500 milhões de dólares – oriundos, em grande parte da iniciativa privada -  para a reestruturação de  Bilbao, a quarta maior cidade da Espanha e o porto mais importante do país, quando da interferência urbanística e social que teve o museu Guggenheim, inaugurado em outubro de 1997, como a principal estrela. Só este movimentou, para sua instalação, a quantia de US$100 milhões  – sob os olhos exigentes do Tribunal Basco de Contas Públicas, que, além de estimar esse valor em US$131 milhões,  questionou o seu acervo na avaliação realizada pelo próprio museu.
Todo o complexo de revitalização foi realizado numa nação com tradição milenar e rica, que explora também, e com muita força, o turismo como fonte para a economia. É uma terra fértil, onde quase todos os projetos relativos à cultura e turismo têm grandes oportunidades de frutificar. Certamente não foi somente o interesse de Bilbao em instalar um museu Guggenheim, mas, essencialmente, o Museu é que sabia da plena viabilidade de uma instalação naquela cidade. Após o sucesso e o marketing que se vende da experiência na cidade espanhola, segundo informações, há mais de cinqüenta países interessados na grife.
A América Latina está nos objetivos do Museu, como foi declarado pelo seu diretor, o todo poderoso Thomas Krens. Ele lidera uma equipe competente e boa em negócios e que sempre está à espreita de resultados, sem perder tempo em estratégias que possam trazer prejuízos – negócios são negócios. E prova que é excelente em lucros ao convencer a estatal russa, o Museu Hermitage, de São Petersburgo, a ceder a sua importante coleção de impressionistas e pós-impressionistas arrebatada das mãos dos nazistas pelos stalinistas, na Segunda Guerra Mundial, para se associar às realizações do Guggenheim numa exposição junto ao seu acervo, realizada em abril de 2001, e para fazer parte dos projetos de uma  filial americana, em Las Vegas.
Também do Brasil, para expor artistas brasileiros, na sua sede em Nova York, objetivando internacionalizar a nossa produção artística, na exposição Body and Soul, em setembro de 2001, foi cobrado a bagatela de um pouco mais de US$ 8 milhões como aluguel. Isso foi uma concessão para abrir caminhos a futuras conversas e contratos para a consolidação de  uma filial no País, com maiores chances para o Rio de Janeiro.
O Museu é um equipamento de grande porte, com um acervo de valor histórico e artístico consideráveis, além de obras dos artistas mais importantes dos séculos XIX e XX, donde provém o seu maior prestígio internacional. Conta também com projetos arquitetônicos pós-modernos, obras de arte a interferir nas paisagens urbanas contemporâneas, somando elementos de poder na conquista de doadores e de países ávidos para adquirirem a sua marca, os quais, se não tiverem caráter cultural para equilibrar a relação com aquele poder, que também é político e econômico, serão engolidos.
Como se sabe, o governo municipal e o estadual estavam unidos para uma possível instalação do Museu Guggenheim no Recife, que iriam  disponibilizar, das finanças públicas, para o estudo de viabilidade que será  realizada pela Fundação do Museu, o valor de US$1.46 milhão. Nesses dias, o governo estadual retirou a sua parceria  e o interesse do investimento total ficou para a Prefeitura do Recife, que irá tentar sensibilizar o  empresariado pernambucano para assumir a parte que seria do poder estadual. Pelo menos, enquanto estavam juntos em mesmo propósito, demonstraram uma nova mentalidade política com interesse e benefício público, que elimina a mentalidade de que não é possível colocar de lado as ideologias em prol de objetivos maiores. Mas para esses objetivos maiores não é preciso pensar grande – como faziam os governos militares preocupados com suas obras de impacto – mas pensar viável e realisticamente no contexto que o Terceiro (Sub?) Mundo nos oferece,  com seus grandes problemas sociais e econômicos.
Mas Recife não é Bilbao, tem as suas características e necessidades próprias e meios econômicos diferenciados. Tem, sim, um porto também, e um bairro antigo com a sua expressiva arquitetura, que há anos trabalha a sua revitalização, que não foi devidamente totalizada. Por que, então, não concentrar recursos e idéias nessa parte do Recife? A exemplo de Lisboa e Bilbao, por que não utilizar os armazéns do nosso porto e dinamizá-los de forma eficiente e competente para que sejam úteis às várias manifestações culturais, criando áreas de atuações para feiras de artesanato, galerias para exposições temporárias de artes plásticas, teatros, cinemas, auditórios para encontros e debates em geral. Talvez o US$ 1.46 milhão desse para impulsionar esse projeto e, assim, por sua viabilidade quase certa, não precisaríamos de tutela para administrar esses trabalhos. Como os que já foram realizados na rua Bom Jesus, na praça da Torre Malakoff, e o projeto “Eu vi o mundo…”, com as representativas esculturas de Francisco Brennand, e a abertura do Marco Zero, com a  Rosa dos Ventos, de Cícero Dias. Essas realizações dão uma idéia do grande potencial ainda por concretizar. Se ficássemos “limitados” a esta parte do Recife e fizéssemos com qualidade os trabalhos a serem realizados, e são muitos, isto seria uma obra considerável para nossa realidade econômica e social. E essa revitalização completa e harmoniosa atrairia, também, certamente, maior atenção turística e cultural, tornando-se mote para outros empreendimentos geradores de recursos.
Mais viável e real que o projeto de instalação do Museu norte-americano é o Complexo Cultural Tacaruna. O prédio é belíssimo, precisando apenas de reformas para estruturá-lo segundo as necessidades do projeto. Com o Bairro Antigo completamente revitalizado, harmônico, e mais a concretização do Tacaruna, haveria a tão recitada visibilidade para o Recife. É  básico dizer que não temos condições, talvez, nem para o Museu, que, se concretizado, será uma espécie de sucursal de uma filial instalada no País – provavelmente no Rio. Como quer que seja, uma coisa é certa: torcemos para que, em nossa cidade, haja, primeiro, uma realidade menos socialmente cruel e bem mais humana, que a torne bela; conseqüentemente, imponente pela sua eqüidade social. Mas muitas vezes o que idealizamos, mesmo quando possível na realidade, são coisas quase sempre adiadas no mundo da política.

terça-feira, 29 de maio de 2001

Antes que os Guggenheins nos calem

Plínio Palhano


Na Espanha, no primeiro semestre de 2000, os artistas plásticos, através de suas representações de classe, com o apoio e a força da imprensa, questionaram, profissionalmente, os marchands espanhóis, quanto à parcela dos 50% que estes cobram aos artistas na venda das suas obras nos espaços das galerias. Para eles, essa cobrança era injusta e isso principalmente pela falta de investimentos, por parte do marchand. Tal percentual de cobrança só se justificaria quando se tratasse de exposições (ou não) com investimentos diretos do galerista, como, por exemplo, em folders, catálogos, vernissage, assessoria de imprensa, coquetéis, etc. Os marchands, por sua vez, também organizados em suas representações, procuraram dialogar com os artistas para entrarem em acordo e solucionar essas questões.
Esse fato é um exemplo do nível de importância que tem a representação profissional entre os artistas espanhóis. Através de suas entidades, eles tocaram numa questão fundamental da relação com o mercado, o mesmo podendo ser dito dos marchands na defesa de suas práticas comerciais. Seria redundante dizer que isso é uma necessidade do século e da visão contemporânea nas interações profissionais. Hoje, quem não tem representação de classe não fortalece a entidade que o representa, não tem voz para atuar de forma direta e objetiva em defesa dos interesses coletivos e individuais.
O artista plástico no Brasil precisaria de algo como essa visão espanhola de atuação, deixando de admitir a “adoção” que muitos marchands e curadores agregados a governos apregoam pelo País afora como se fossem os únicos caminhos para o artista assegurar a divulgação do seu trabalho. Isso abriria debates, congressos e outros meios para uma forma independente de influir nas instituições do município, do estado e da área federal, se possível de forma curatorial e exercendo a sua crítica com a força e a influência que lhe cabe. Mas, para entrar de forma efetiva nesses campos de ação, precisaria estar organizado através de sua representação de classe.
A força do artista plástico é comprovada nas épocas eleitorais. É uma das classes mais procuradas para apoiar candidatos das mais variadas colorações. É sempre requisitado como um “missionário de ideologias”, sem remuneração, o que não acontece aos outros profissionais, que são contratados. Prometem-lhe voz e vez quando o “governo” for estabelecido. Com o seu voto, o artista promove indicações de secretários e diretores de instituições culturais e ainda dá sua contribuição, no plano das idéias, para os executivos e realizadores do momento.
Atualmente, por exemplo, na região Sudeste há uma discussão acirrada entre artistas, críticos e curadores sobre a vinda do Museu Guggenheim para o Brasil, com opiniões quase sempre desfavoráveis ou questionadoras, com argumentos bem plausíveis. Aqui, no Recife, o interesse ficou mais na esfera da política municipal e estadual, porque “acham” importante ter um Guggenheim na cidade, sem solicitar a opinião dos artistas plásticos e dos demais setores da cultura. Esquecem, talvez, que existem, no Recife, e no Estado, museus importantes, para nossa cultura, que precisariam, prioritariamente, ser reestruturados e, certamente, um dia o serão, para chegar ao ideal de museus dignos do nome.
Dessa forma, não traria a presença do Guggenheim um verdadeiro deserto em termos de investimentos, que já são escassos, para projetos culturais de qualquer origem, pelo simples fato de destinarem, naturalmente, para aquele museu americano, todas as atenções financeiras de iniciativa privada e estatal?
Lembremos que são milhões envolvidos na instalação de um museu desse porte. Se os investimentos viessem e a administração fosse nossa, seria uma grande idéia… Mas o foco da polêmica se concentra justamente nestas questões: o custo da instalação do museu, a sua administração, a presença de muitos curadores estranhos à nossa cultura e, finalmente, como seria sua interferência em nosso meio.
Então, se nós precisamos reestruturar nossos museus, para que trazer um trator de verbas financeiras para um estado do Nordeste que têm imensas lacunas na área da cultura? Em Lyon, na França, sabe-se que houve um grande questionamento sobre a possível instalação de um Guggenheim, muitos achando que o museu interferiria na cultura e na arquitetura francesas. Lá podem dizer isso, porque são franceses e Primeiro Mundo. E nós, se disséssemos o mesmo, que rótulo levaríamos?
Com uma representação profissional efetiva, o artista plástico sempre terá meios de lutar em casos assim como o do Guggenheim, além de contribuir em assuntos práticos, de interesse geral, objetivando enriquecer, permanentemente, a sua participação na sociedade e fortalecendo seu relacionamento profissional com galeristas, críticos, curadores e governos.