"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O artista solar do Renascimento



Por ser bastardo, Leonardo da Vinci foi impedido de entrar na universidade para consolidar a sua formação; essencialmente se tornou, ao longo da vida, em seus 67 anos, um autodidata natural; tudo que percebia pelos sentidos, pesquisava e decifrava os fenômenos de forma realista e científica. Segundo relatos de biógrafos, na infância e adolescência conviveu com a natureza e já despertava uma curiosidade permanente sobre as coisas e os seres. Aos dezessete anos, o pai, Piero da Vinci, notário — uma espécie de tabelião e advogado, à época — de Florença, apresentou o jovem ao futuro mestre, Andrea del Verrocchio, famoso escultor e pintor que arregimentava discípulos para o seu ateliê, que funcionava de forma coletiva, como era comum no trabalho dos mestres do século XV com os seus aprendizes.

Esse era o único caminho para um bastardo: o das artes e ofícios; não poderia, por exemplo, herdar a profissão do pai, como notário. Foi ali, no estúdio de Verrocchio, que Leonardo adquiriu todo o conhecimento inicial sobre pintura, escultura e outras artes, bem como sobre arquitetura e engenharia. O aprendiz logo revelou o seu talento e alcançou a posição de assessor destacado do mestre, a ponto de dividir com ele a obra O batismo de Cristo (c. 1475), cumprindo a missão de pintar um dos anjos, que se diferencia pela delicadeza do rosto, ao lado da representação do Cristo pintado por Verrocchio. A partir dessa obra, diz a lenda, o mestre, abismado com o talento do jovem artista discípulo, permite que Leonardo dirija, sob sua supervisão, a seção de pintura do ateliê.

Leonardo sai do ateliê de Verrocchio consagrado como mestre para alçar o próprio voo. Vai para Milão com o fim de oferecer os seus serviços ao Duque Ludovico Sforza, cognominado “o mouro”, e com um instrumento musical, uma lira de prata ornamentada com uma cabeça de cavalo, de sua invenção, para presenteá-lo, seduzindo-o para um acordo de paz, a mando de Lourenço de Médici, o Magnífico, o mecenas e protetor das artes e da cultura florentina. O artista faz uma carta para se apresentar a Ludovico e diz dos seus talentos, do que é capaz de fazer como possível servo artista e criador daquele ducado. Começa dizendo que tem conhecimentos sobre armamentos de guerra, de arquitetura, engenharia, decoração, encenações teatrais, música... e, por fim, expressa que é capaz de pintar e esculpir. Isso, talvez, por saber do espírito bélico de Ludovico Sforza, um inteligente soberano, mas tido como rude.

Além das obras-primas pictóricas realizadas por Leonardo, que não foram muitas, há de se pensar na imensidão de trabalhos relacionados com os estudos em vários ramos do conhecimento, que ele coletou durante a vida e até nos últimos momentos. Estudou o corpo humano minuciosamente, a anatomia, a fisiologia; o corpo dos cavalos; a luz, seus efeitos na cor, antecipando o impressionismo; o movimento das águas, dos rios, dos oceanos; o céu e a razão de sua cor; o movimento das nuvens; a Lua e a luz refletida sobre ela; os projetos de arquitetura urbanística; o Sol, observando-o como centro do Universo; a astronomia; a mineralogia; a botânica; a arqueologia; o voo dos pássaros; a física; a geometria; a matemática... Por esses estudos, foi interpretado como um herético pelos seus contemporâneos, mas ele respondia que os assuntos místicos ele deixava com os frades, dizia que não era a sua missão, a sua estava relacionada com a ciência, com a experiência dos fenômenos e a síntese das comprovações...