"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Visão do capeta


Goya - Sabbath

Fui acordado, com uma forte luminosidade, às 2:30; era uma bola de fogo que, aos poucos, foi diminuindo a sua intensidade e tomando uma forma humana. Fiquei tão surpreendido, estatelado, como tomado por uma força poderosa, e aquele ser começou a falar com uma polidez de quem tem alta cultura: “Sou Lúcifer, o Anjo Decaído, ou o Dragão do Apocalipse, ou a Besta, ou o Diabo, que, na acepção da palavra, é aquele que divide; você escolherá depois como me chamar. Muitos religiosos, na mitologia do demônio, constroem a imagem como terrível, monstruosa, mas, como vês, sou belo”. Então, comecei a perceber a sua maneira de articular as palavras, de gesticular, de se vestir, de pentear o cabelo, o seu perfume; para mim era uma espécie de executivo financeiro da Wall Street, desses que o mundo respeita e considera como a melhor estirpe de gente. E continuou: “Sou doutor em todas as ciências e filosofias, principalmente me atrai a economia, o direito, a genética, a medicina, a matemática, a física, a história, a teologia, a psicologia, a política, nenhum conhecimento me escapa, gosto até da gastronomia e, nesse ramo, tenho também profundo conhecimento. E é com esse saber que penetro na vida entre os homens, na verdade eles me distraem muito, porque se acham sábios e não entendem que a minha sabedoria supera qualquer gênio da humanidade, só estou abaixo daquele que não pronuncio o nome, por razões óbvias. Por exemplo, o Brasil é um dos países que mais me atraem, abaixo, claro, dos EUA, com suas infindáveis guerras interesseiras e desumanas. A começar pelo Congresso Nacional, onde encontro os piores tipos humanos de ignorância, eles são tão bons nas besteiras que fazem que, às vezes, não preciso nem inspirá-los, muitos parlamentares já realizam o meu pensamento: defraudam, votam em interesses próprios, só pensam em presidir a Câmara e o Senado e nas reeleições deles e para a presidência da República. Morro de rir, meus auxiliares ficam indignados de tanta risada. E as más seitas do País que falam no Evangelho do Nazareno. Com essas palavras eles enriquecem a si próprios e aos planos de expansão dos seus templos; ah, que prazer me dão esses cegos guias de cegos deturparem as palavras do homem mais santo que esteve entre vocês. Fazem milagres televisados com atores improvisados e, aí, gritam cinicamente: ‘Ele salva! Ele salva! Eis o milagre!’. E, depois, dão o número da conta para depósito. Que maravilha! Que progresso no mal! Também estou no Escândalo Vatileaks e me envolvi no encontro entre os dois papas, homens sérios, é verdade, mas, quando começaram a ler aquelas páginas, grande risada eu dei. Para sua informação, do meu conhecimento sobre arte, você não tem dimensão. Até mais...”.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O violino de Matisse


O pintor francês Henri Matisse (1869–1954) concretizou a sua vocação para as artes plásticas tardiamente, após passar um ano estudando direito em Paris e tentar ser um violinista durante a infância e adolescência, por influência do pai, que acreditava que o artista poderia ser um virtuoso no instrumento que o acompanhou durante toda a vida, principalmente nos momentos mais difíceis, quando o artista mergulhava nas emissões agudas das sonoridades características daquelas cordas musicais, para liberação das tensões nervosas que o acometeram em vários períodos e fases da carreira de um dos principais inventores do pensamento, da arte e da cultura moderna ocidental.

A sua influência na Europa pós-impressionista foi considerada fundamental e exerceu uma das lideranças que esteve como ponta de lança nos movimentos mais importantes, a exemplo do Fauvismo, consolidado em 1905, e inspirado nas cores fortes de Van Gogh e no primitivismo de Gauguin, tendo como origem do nome o termo les fauves, dado por um dos críticos conservadores, à época, Louis Vauxcelles. Portanto, chamaram seus seguidores de “as feras”, grupo em que estavam artistas como Derain, Vlaminck, Dufy, Braque... Segundo Matisse, todos procuravam a pureza das cores e o seu equilíbrio, com a força de pinceladas veementes.

Na sua permanência em Paris, Picasso encontrou Matisse — um mestre atuante na cultura parisiense que era ouvido seriamente e apontava caminhos como fonte de muitas revoluções estéticas e um competidor à altura da genialidade picassiana. Matisse teorizava suas elucubrações plásticas com força e rigor, exercendo o poder das ideias sobre os demais artistas, fato que intimidou Picasso, no início, ao conhecê-lo, e fez o poeta Apollinaire chamá-lo de fauve dos fauves.

A trajetória do artista, sempre acompanhada pela presença do violino, foi marcada por lutas e reflexões que o levaram a conquistas não somente no âmbito estético, mas também na popularização da arte que realizou, ampliando as vendas das suas obras, que se propagaram em toda a Europa e América, através de importantes colecionadores que o acompanharam durante todas as suas fases. Alcançar o mérito de tornar-se Cavaleiro da Legião de Honra, eleito pela revista L’Art Vivant como um dos artistas mais populares da França, e incluído no hall da fama da Vogue inglesa gerou a velha inveja humana entre os cubistas e surrealistas, que o consideravam um artista decorativo.