"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sexta-feira, 16 de março de 2018

Gauguin, o esplendor de uma obra



Paul Gauguin foi marinheiro por seis anos. Dos 17 aos 23, esteve no convívio com o horizonte imenso dos oceanos, até 1871, e, também, como Édouard Manet anos antes, desembarcou no Rio de Janeiro. Período de experiências difíceis: primeiro como estudante para oficial na marinha mercante e, depois, cumprindo deveres militares como marinheiro de terceira classe, enfrentando os seus colegas rudes, que o mantinham a distância. Apesar de ser de estatura de 1,63 m, possuía uma compleição forte e sentia-se respeitado pela coragem no enfrentamento físico. Durante essas viagens marítimas, realizava desenhos para se desconcentrar do ambiente e tentar se afastar dos colegas de convés. Os mares não o faziam sonhar com o seu futuro como artista, coisa inimaginável para o jovem marinheiro. Era um diamante bruto, um gênio em estado latente.

Em seguida, por iniciativa de Gustave Arosa — homem rico que conseguiu sucesso no âmbito da bolsa de valores de Paris e pessoa da relação de sua mãe, Aline Gauguin, que o escolheu como o tutor de Paul —, Gauguin entra no ramo dos negócios financeiros e consegue uma estabilidade burguesa, casando-se com Mette-Sophie Gad, que, durante algum tempo, não suspeitava que estivesse casada com um futuro artista que seria de grande importância para a história da arte. Mas, no próprio trabalho como agente financeiro, encontrou um amigo aficionado em artes plásticas, Claude Émile Schuffenecker, que o fez se aproximar dos museus, dos artistas, das coisas que fizeram Gauguin caminhar ao encontro do mundo da arte. No início, era aos domingos que encontrava tempo para a pintura. Um período sem grandes preocupações para Mette, pois a vida de estabilidade financeira a fazia respirar tranquilidade, enquanto Paul não se definia numa dedicação integral à arte, que consolidaria a separação de um casamento conflituoso.

As primeiras obras de Paul Gauguin foram influenciadas por pintores da escola Barbizon, como Corot, Théodore Rousseau, Millet, Daubigny, que representavam uma pintura escura, na captação direta da paisagem, e depois complementada com as pinceladas de cada artista nos ateliês.

Arosa já possuía, em sua mansão, obras de artistas da nova pintura, que foi considerada como a da sensação, da impressão. Com o título de uma pintura de Monet, “Impressões do sol poente”, um crítico cunhou o nome “Impressionismo”, que, como se sabe, vingou. O seu protetor era um dos investidores da nova pintura; possuía quadros de Pissarro, de Jongkind e outros. Foi ali que Gauguin começou investir mais em suas pinturas, bebendo das novidades que encontrava em Paris. Pissarro — o mestre passageiro — foi quem o introduziu realmente na pintura de pesquisa, de concepção; não se fixou na maneira impressionista de representação, a técnica da sensação foi apenas um aprendizado que logo passaria para outras experiências. Não era mais um diletante, e sim um desbravador que alcançaria o mais alto grau na criação.

Em sua trajetória, Gauguin apreciava trabalhar com outras culturas ou pelo menos com as que considerasse longe dos movimentos civilizatórios; ou estranhas de alguma forma para penetrar nas cores que mostrassem o lado primitivo das coisas. Nesse ponto, o artista encontrou seu mundo e dele era o mestre, acompanhado por seguidores encantados pelo seu discurso. Uma personalidade com ideias que influenciou muitos, inclusive artistas como Vincent Van Gogh; em contrapartida, o holandês deixou as marcas dos seus girassóis na pintura de Gauguin, na convivência dramática que tiveram em Arles, no sul da França, por volta de 1888.

Após as experiências na Martinica, na Bretanha, o artista encontrou, nas ilhas longínquas da Polinésia Francesa, a visão do Criador, que foi despertada com lutas intermináveis e as incompreensões que vinham de um mundo civilizado; dizia em Paris, antes de partir, que, entre “os selvagens daqui e os de lá”, preferia os que estavam no Taiti ou nas Marquesas. Libertou a história da sua própria pintura e, consequentemente, a arte universal, ampliando-a a cada passo num processo crescente de beleza, de luz, de cor, de forma, de conceitos — um encontro feliz com o que ele chamava de “mitologia maori”, que recriou com seu olhar agudo. Foi lá onde realizou suas obras-primas, amou suas “noivas” meninas — Teha’amana e Pau’ura — e viveu dolorosamente em luminosidade tropical. O Cubismo, o Fauvismo, o Expressionismo e toda a geração posterior devem à nascente Gauguin, como numa trindade com Paul Cézanne e Van Gogh, que foram os motores a influenciar o modernismo na arte do século XX.