"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sonhos de Chagall


O pintor Marc Chagall (1887–1985) teve, na cidade de Vitebsk, onde nasceu, a fonte durável para a criação de seus trabalhos. A memória do artista era repleta de passagens inesquecíveis daquele recanto da Rússia. Foi ali que descobriu seu talento e o amor por Bella, a primeira esposa, que o acompanhou a Petrogrado, a Berlim, a Paris e ao exílio nos EUA, quando fugia dos nazistas; era uma companheira produtiva e presente em muitas fases do artista. Os dois, judeus, mergulhavam na cultura judaica; ela, apegada aos rituais e às tradições, escrevia em iídiche e deixou um livro de memórias, que foi ilustrado pelo artista. Na obra de Chagall, a terra natal e a Bíblia foram mescladas e representadas com técnica e grande imaginação.

“Sonhos, sou um sonhador. Herdei essa índole onírica de minha mãe...”, disse Chagall em carta às suas irmãs. Foram esses sonhos que o alimentaram durante os seus 97 anos de vida.

Na juventude, após ter explorado Vitebsk em pinturas e desenhos e formado uma base com as orientações do pintor Yori Pen, partiu para São Petersburgo, a fim de ampliar seus horizontes nos estudos de Belas-Artes, mas logo se decepcionou com os métodos encontrados. Foi lá que teve as primeiras notícias da modernidade e conhecimento de Gauguin, iniciando uma linguagem própria que o desenvolveu e o tornou o Chagall que vemos propagado na História.

Na Alemanha, Chagall encontrou, com maior consistência, o público e o mercado para adquirir suas obras, após ter passado uma fase de entusiasmo com os movimentos culturais pós-revolucionários de 1917, que, por motivos de divergências, o fariam se afastar da Rússia por pretender maior liberdade para elaborar o seu pensamento na arte.

Paris, na verdade, era a sua meta, o seu sonho. Ele encontrou a Escola de Paris e se tornou um dos seus membros mais importantes. Conviveu com Soutine, Modigliani, Matisse, Picasso, Derain, Vlaminck, o marchand Ambroise Vollard, os poetas Apollinaire e Blaise Cendrars, tendo este último se tornado seu amigo. Nesse momento em Paris, dizia de si próprio: “A única coisa que vale a pena é que mestres como Matisse reconheçam a sua existência. Um teste? Sim. Paris é o peso mais pesado que pode existir para um artista”.

Ao final da vida de Chagall, as suas obras, com as imagens flutuantes e leves, em cores puras e extremamente harmoniosas, eram disputadas pelos museus e colecionadores, na Europa e nos EUA, numa consagração absoluta no mundo da arte.

                                                                 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Arte e Política




                                                      Portinari - "Os retirantes"




Sempre na época das eleições os artistas plásticos são solicitados para dar apoio político às campanhas; há assembleias, exposições, declarações, artigos e toda uma manifestação que feche a garantia de que eles estão do lado escolhido. Quando da volta do exílio e da candidatura de Miguel Arraes, nós estávamos presentes pintando muros com o grupo que chamamos de Brigada Portinari, numa bela campanha, porque acreditávamos na redemocratização e na volta de um político que foi retirado do Palácio do Campo das Princesas, simbolizando, assim, a expulsão de todos nós daquele palácio. Participar da Brigada Portinari nos deu muita alegria e fez história nas artes visuais.

A primeira candidatura municipal do PT, em 2000, só foi bem-sucedida por causa da presença entusiasta de personalidades no âmbito cultural e artístico, participando de encontros e expondo ideias; caso contrário, certamente não ganharia com aqueles pouquíssimos votos de diferença. Logo após a vitória, o secretário de cultura deu às costas a um segmento de artistas, não ouvindo os seus anseios ou não aceitando as reivindicações vindas das ideias que surgiram nas reuniões tão concorridas. O secretário só queria pensar “grande” querendo instalar o Museu Guggenheim na cidade, sem pisar no chão da realidade — iniciativa que “virou água”. Depois de longos anos, nada mudou nos museus municipais, ou muito pouco. Todos estão decadentes e sem verbas básicas para confecções, por exemplo, de um simples catálogo ou para infraestruturas necessárias para fazer um museu andar, sem falar nos baixos salários dos seus diretores.

Agora, em 2012, durante as campanhas, vão começar as mesmas histórias de reuniões e todas as formas de envolver os artistas para dar o respaldo necessário eleitoral. Creio que está no momento de o artista se impor como uma força independente, exigir em documentos formalizados os compromissos dos candidatos e cobrar, com altivez, a concretização de um plano de desenvolvimento dos museus já existentes e fazê-los agentes da cultura com maior força e eficiência. Diz-se que não se tem dinheiro para investir nas artes plásticas, mas, para instalar os palanques em cima da obra plástica Rosa dos Ventos, de autoria de Cícero Dias, e pagar altos cachês aos cantores de outros estados, para deles tirar imediatos proveitos, não há limites financeiros, porque são eventos que atraem as grandes massas; mas sabemos que a cultura não se expressa apenas com o talento dos nossos cantores, também com o dos poetas, dos escritores, dos artistas plásticos, dos atores... são as fontes de que a administração pública e os políticos precisam em suas campanhas.

                                                 

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Um artista múltiplo


                                                                        Raul Córdula

Na Galeria Janete Costa, no Parque Dona Lindu, com sua área circular e espaços abertos, o espectador, de qualquer ponto do olhar, vislumbra a obra do múltiplo artista Raul Córdula — que inaugurou a exposição 50 anos de arte, uma antologia —, num equilíbrio entre a arquitetura e o pensamento que emana dos trabalhos do autor.

É uma bela exposição para se olhar e para se pensar, porque em cada série encontramos o alimento para os sentidos, por simplesmente estar presente a plenitude do artista com relação ao percurso que desenvolveu e o prazer de ter marcado uma história construída passo a passo com a coerência de um dos artistas mais presentes na arte e na política cultural do País, admirado e estimado pelos seus pares; e mais ainda para se pensar, porque induz o público a ver além do véu, das aparências, e o faz penetrar no objeto da intenção da obra, educando-o em outra percepção, dando-lhe meios para questionar a arte nas suas amplas interpretações.

Córdula nunca esteve dissociado de um objetivo coletivo: o seu trabalho permanente é ver a arte inserida num contexto social que envolva a comunidade, o artista, o público e todos os que possam circular nesse âmbito. Mesmo nos trabalhos mais recentes, que o artista intitulou Fachada, que tem uma conotação do pensamento estético que tanto o atrai, a geometria, o mote foi uma pesquisa realizada sobre a arquitetura popular do interior e, em uma dessas obras, interpreta a representação de um carro que captou em um grafismo numa das casas no Sertão do Ceará. Na série Paris, de 15 aquarelas, percebe-se a mão do pintor em gestos que estão presentes em outros trabalhos; essas aguadas em pinceladas tênues quebra o rigor das formas geométricas, os triângulos, os círculos, os pontos, numa sinfonia cósmica.

O artista segue em todo o espaço da exposição — com a curadoria competente de Olívia Mindêlo — dialogando com o espectador, mostrando-lhe que a arte transgride certos valores políticos, principalmente nos anos em que éramos proibidos até mesmo de usar metáforas: tudo era subversão, inclusive a inteligência. Na série Araguaia, Raul Córdula denuncia e lembra o trucidamento dos guerrilheiros presentes naquela região. Em outra série, 1968, as obras Primavera Negra 1, 2 e 3 representam mãos que nos apontam armas e foram censuradas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ao serem expostas no hall dessa instituição. Há ainda O País da Saudade, um trabalho em que Raul estabeleceu correspondência com os artistas enviando um papel em branco com esse título para que cada um deles interferisse na proposta...