"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

As redes


A cada era, a arte dá os seus sinais e nos diz a que veio. Na das cavernas, havia os artistas que matavam os animais, digamos, virtualmente, antecipando a caça, em pinturas nas pedras. Uma espécie de fé cega e instintiva que os fazia acreditar que o animal já estava metade morto. Imperava aí a sobrevivência. Nas civilizações antigas, as representações de seres e homens que indicavam uma severa hierarquia e uma mística de deuses múltiplos. Na clássica, a harmonia das proporções e a imitação da natureza exatamente ou mais próximo possível na sua representação. Na Idade Média, o mergulho na mística cristã. No Renascimento, a volta aos ideais da arte greco-romana. E assim continuamos num processo que, a cada mudança ou novidade, seria como uma forma de modernidade. Quando desperta uma invenção, vem esse conceito do moderno. A arte é velha e moderna ao mesmo tempo. Isso segue até os movimentos do início do século XX, quando se despertou a várias concepções.

Estamos no ápice nos conceitos e na materialidade da arte? Não sabemos, porque somos ainda o presente e temos, à frente, supostamente milhões de anos em que, certamente, haverá mudanças com revoluções estéticas e sociais inimagináveis; caso antevíssemos a arte do futuro terrena, seríamos comparados a um homem na Idade Média que não compreenderia a nossa era se, na possibilidade de fazer uma viagem ao tempo, em visita, começasse a tentar decifrar os nossos códigos atuais.

Um dos conceitos sobre a arte estabelecida como contemporânea é de que todos os atores que envolvem a arte estão como em redes de comunicação. A sua maior característica é o intercâmbio de informações que envolvem todos os agentes dessas redes. Faria uma imagem como a de um plano líquido em que caíssem simultaneamente pedras sobre aquela superfície e que, ao alcançarem-na, entrassem em ondas e se entrecruzar. Não há hierarquia nos valores desses personagens. Todos estão no mesmo plano e importância. Artista, curador, jornalista cultural, marchand, publicitário, mercado de arte, público, colecionador, aficionado, enfim, todos aqueles envolvidos da produção até a divulgação das obras de arte ou simplesmente com o ato criativo, sem materialidade. A pirâmide dos séculos anteriores — na qual o brilho absoluto estava nas mãos dos artistas — ruiu; hoje, a arte está em um imenso plano.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

País das festas

                                                                   

No Brasil, as temporadas de festejos ocupam quase o ano inteiro. Ao entrar em janeiro, já na noite da passagem de ano, as músicas são como prévias carnavalescas, que acompanham todo esse mês. E ainda tem fevereiro quente, com os anúncios e as propagandas de clubes que realizam as suas antecipações dos dias de Momo. O povo extravasa num delírio coletivo de alegria. Mesmo terminando o Carnaval, continuam os bacalhaus na vara, como querendo eternizá-lo nos últimos suspiros de vida. E ainda há os carnavais fora de época, que acontecem nos intervalos festivos. Depois de concretizados os finais da festa, lá para o mês de maio, começam-se a anunciar as fogueiras juninas. Aí vêm as quadrilhas mal caracterizadas, cheias de novidades que não são da tradição, com danças e balés improvisados por coreógrafos que parecem vir de outro planeta. O intervalo até o Natal é preenchido com invenções de todas as formas. Quando novembro se anuncia, o Papai Noel, estranho à nossa cultura, aparece.
 
Admiro as manifestações festivas e culturais genuinamente populares e autênticas dos períodos. Chamo a atenção para as deformações que nossas festas estão sofrendo e para a alimentação do exagero, concretizado pelas administrações públicas. No Carnaval, por exemplo, há uma invasão de ritmos que não fazem parte de nossa cultura. Mas os políticos financiam essas deformações porque precisam dar ao povo circo e pão de todo jeito, para mantê-lo sempre como eles querem: alienado.

Este ano, então, em termos de festas e eventos, será inimaginável. Teremos a mais as eleições e também a Copa do Mundo, que, na visão de muitos críticos especialistas no assunto, talvez seja um desastre de organização, de gastos, de desvio de verbas...

Mas a verdadeira alegria do povo seria poder manter seus filhos em escolas públicas dignas, para receberem uma formação exemplar que os ensinassem das letras à educação do meio ambiente; poder ir aos hospitais e ser recebido com todos os equipamentos necessários ao atendimento, para que ninguém morresse na porta; ter uma Justiça eficiente, que ofereça respostas precisas, sem os erros tão evidentes; ter um Poder Legislativo que sirva com honestidade, sem as tortuosidades proclamadas na imprensa; e poder contar com os poderes democráticos em prontidão para todas as suas necessidades, e não as enganações de projetos para mantê-lo em uma situação degradante. O povo quer mais!