"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

domingo, 13 de novembro de 2011

Antropofagia e Arte

Parte do Modernismo brasileiro representado por Oswald de Andrade e pela pintora Tarsila do Amaral, como também pelo poeta Raul Bopp, se influenciou pelo livro do alemão Hans Staden, História Verídica, lançado, em primeira edição, em 1557, em Marburgo, Alemanha, no qual o autor relata as suas vindas ao Brasil recém-descoberto: a primeira em 1549 e a segunda em 1550, quando foi aprisionado e, por pouco, não foi comido pelos antropófagos Tupinambás, inimigos ferrenhos dos portugueses, e Tupiniquins, que, quando aprisionados pelos primeiros, eram assados e devorados com o peculiar apetite canibal. O livro foi ilustrado com xilogravuras feitas por outros artistas, com orientação do autor, e com suas próprias anotações em desenho.

A obra de Hans Staden me fez pensar nos artistas plásticos de todas as épocas que trabalharam temas dramáticos e fortes, numa tentativa de mostrar ao mundo o lado violento e autodestrutivo do homem. Começo pela obra de Caravaggio Salomé com a Cabeça de João Batista, que dá uma ideia da representação da violência, da força plástica da decapitação e do transbordante sangue na composição; a série de gravuras em metal Os Desastres da Guerra, de Goya, em que o gênio captou todas as misérias que as ambições e os instintos assassinos humanos são capazes de concretizar numa situação de defesa dos seus interesses, como, no caso, do povo espanhol ao expulsar os franceses do seu território; e a obra de Picasso Guernica, um verdadeiro campo de batalha pictórica contra o ditador Franco, este aliado às atrocidades dos alemães, que treinaram os seus aviões nos bombardeios à cidade de Guernica.

Como no título de uma gravura de Goya, O Sono da Razão Produz Monstros, tive — não sei se ainda igualmente influenciado por Staden — uma visão, em sonho, que deixou marcas para a realização de uma obra. Vi um personagem que me disse: “Venha ver uma cena que você poderia pintar!”. Entramos numa sala escura, à maneira das Pinturas Negras, de Goya, e ali estava uma velha mulher, de semblante angelical, de seus 90 anos, levitando no centro e três homens e três mulheres ao seu redor. Cada um deles exercia uma função. Era uma visão de antropofagia. Um, com o olhar esgazeado, perdido e louco, segurava, no braço, um facão amolado e era guiado por uma mulher, a mais velha do grupo, que entendia um pouco de anatomia, a indicar-lhe as partes para cortar aquele corpo; a mais nova mordia-lhe o crânio, a sorver parte do cérebro, pensando assim em chupar toda a sua alma, enfraquecendo-a; outra, gorda, a rezar uma espécie de terço macabro, do anticristo, para segurar a parte mística da ação; o mais novo entre os homens mordia-lhe o braço já decepado, em lágrimas e risos; o mais velho segurava em uma das mãos uma espécie de diploma à primeira vista, mas, depois, percebi que era simplesmente uma procuração; na outra mão, movimentava moedas num pequeno baú como a sentir o prazer tátil daqueles metais; uma sétima jovem personagem, separadamente, anotava tudo, descrevendo a cena com interpretação própria, para que não houvesse nenhuma testemunha a relatar o real crime antropofágico. Era apenas uma visão.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O mercado de arte regional

Ao se esmiuçar o mercado promissor de arte no Nordeste, constatam-se aqueles que estão na liderança ou no olho do furacão: uma elite financeira, os que giram em órbita e usufruem do potencial desse circuito, e os artistas envolvidos no sistema, em várias gradações. Apesar de percebermos aqui, no Recife, um movimento positivo em torno de galerias, marchands e artistas, há muitas perguntas que podem ser feitas. Por exemplo: existe, de fato, um mercado consolidado, a exemplo dos países desenvolvidos, onde os preços e as obras dos artistas são avaliados por um processo que inclui as referências históricas, a invenção do autor, a influência estética sobre o seu tempo, etc.?

Quando pensamos em mercado de arte no mundo, voltamos o olhar a personagens importantes do século XX, que o dinamizaram com suas iniciativas marcantes. A começar por Peggy Guggenheim (1898-1979), que se tornou uma das maiores colecionadoras das obras dos artistas de sua época e os colocou no topo do mercado, como Jackson Pollock, Max Ernst, Wasili Kandinsky, Paul Klee e muitos outros; a sua iniciativa foi precursora de toda essa força que está hoje nas grandes sucursais da fundação Salomon R. Guggenheim. Filha de milionários norte-americanos, Peggy se empenhou em gastar seus milhares de dólares, com inteligência, em artistas promissores.

Outra personalidade, Georges Wildenstein (1892–1963), marchand francês que herdou do pai, Nathan, a tradicional Galeria Wildenstein, tornou-se um dos veículos mais dinâmicos no mercado de arte para a circulação das obras impressionistas e pós-impressionistas entre os colecionadores, principalmente norte-americanos, e deixou um lastro como um marchand essencialmente consciente da cultura e dos valores espirituais da arte.

Essas são algumas das referências que nós, nordestinos, procuramos imitar mantendo as características próprias, claro, com uma história particular. Aqui, no Recife, os comerciantes tradicionais mantiveram-se desde a década de 1960 e, ao longo do tempo, foram se aperfeiçoando, criando formas novas de adaptar o mercado à atualidade. Hoje, praticamente só a elite econômica procura obra de arte com preços razoáveis nas galerias; essa é uma realidade concreta. Na década de 1970, predominava a classe média, formada por profissionais liberais ou funcionários públicos, que conseguia adquirir obras através de consórcios ou de bons parcelamentos. Os proprietários que permaneceram no mercado consolidaram seus nomes e os estabelecimentos com sacrifícios, partindo de um ponto a outro, a passos lentos. Mas quem pretende iniciar nessa atividade terá que ter segurança financeira para poder bancar os riscos e os investimentos naturais; geralmente, estes são também provenientes da elite econômica.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O artista e o seu tempo

Naturalmente, o nosso mundo vive o ápice do conhecimento científico, tecnológico, e isso influencia todas as demais áreas do pensamento humano. Nem o Manifesto Futurista, em 1909, do poeta Marinetti, que exaltava “a beleza da velocidade”, como “um automóvel rugidor”, o “voo rasante dos aviões”, a “guerra ― única higiene do mundo”, imaginava a quanto chegaríamos: ao domínio das terras, dos mares, dos ares, deste planeta; e, fora dele, nessa inimaginável velocidade, alcançando e explorando o seu satélite, enviando sondas espaciais para saber de outras explosões criativas de mundos e nebulosas, penetrando no universo ínfimo dos átomos, desenvolvendo a nanotecnologia, revelando, assim, uma nova etapa da humanidade muitíssimo mais veloz do que a era do Cubismo, Expressionismo, Fauvismo e de todos os movimentos do início do século XX, inclusive do manifesto italiano, que influenciou o Modernismo brasileiro.

O artista de agora recebe esse impacto contemporâneo com agudeza em seu espírito e tem à disposição não somente todos os meios materiais e virtuais para dar vazão ao ato criador, como também as informações, que são múltiplas e intensas, advindas de conferências, livros, revistas, jornais, etc. Os meios materiais são as novas tecnologias em computação, em vídeo; são os veículos técnicos para as expressões plásticas, como tintas e outros. Essa revolução em processo – uma rede incomensurável de circuitos concretos para a criação – seria, no mínimo, estarrecedor para a cabeça daquele modernista ou de um renascentista que preparava todos os seus materiais. Nós, que recebemos todos esses recursos em mãos, não compreendemos o que significa preparar uma cor, uma tela ou um trabalho manual que exija mais habilidade ― o que, aliás, não está em voga em certas conferências.

Mesmo o artista vivendo o seu tempo, o que permanece é o pensamento individual, a elaboração da arte que escolheu e o caminho estético para desenvolvê-la; não se pode negar que o criador ou inventor tem o poder de selecionar as suas escolhas e discuti-las e, principalmente, de refugiar-se das ideias construídas em rebanho, extremamente nocivas, onde “todos turvam as suas águas para parecerem profundas” e poucos se atrevem a discordar do coletivo. Essas ideias estão difundidas em alguns setores da cultura, do poder político e do financeiro, que dão o aval em troca da publicidade.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A história testemunha os artistas


Claude Monet foi considerado um dos artistas mais felizes, principalmente quando adquiriu a sua propriedade em Giverny, na Normandia, criando, ali, os seus jardins, com um lago e uma vegetação inspiradores para o seu trabalho como longevo impressionista. Nesse ambiente, captou os reflexos das águas daquele lago, com a ponte japonesa, onde estavam os nenúfares que reproduziu ad infinitum, numa concepção plástica abstrata das mais belas e importantes no século 20, tendo como base as ideias e teorias que formaram a revolução do Impressionismo na segunda metade do século 19.

Também outro artista que transparecia uma harmonia estética e espiritual foi Henri Matisse, este um dos que mais influenciaram o mundo da arte no seu tempo, alcançando, com a poderosa verve, até mesmo outro sensível e genial artista, que reinou soberano em suas várias fases: Pablo Picasso.

Mas nem sempre a história testemunha uma felicidade na vida dos artistas. Um dos exemplos mais dramáticos foi o de Vincent Van Gogh, que, inicialmente, trabalhou na Goupil and Co., que negociava obras de arte e foi o seu primeiro fracasso. Posteriormente, fez a sua tentativa de “ser útil à humanidade” como pastor protestante, concorrendo para a função já com 24 anos, quando seus colegas eram todos bem mais jovens. Mesmo assim, foi reprovado pelos radicais instrutores religiosos que, por um ato de “misericórdia”, mandaram-no para uma região de pobres mineiros de carvão em Borinage, Bélgica. E foi quando demonstrou uma grandiosidade humana, doando àqueles mineiros tudo de si, inclusive sua casa e suas vestes, como um São Francisco enlouquecido. Ao abandonar a religião, seguiu a segunda reprovação, esta da família, principalmente do pai, dos irmãos e das irmãs, por ser uma espécie de vergonha na tradição protestante calvinista, com as suas maneiras “grosseiras” de estar na sociedade; apenas um deles, Theo, o mais novo, manteve uma grande amizade e correspondência com Vincent. Restou-lhe a arte, e aí inicia um caminho que todos nós sabemos: a glória de uma obra que resplende sobre toda a Holanda e o mundo, como um sol de genialidade, e, naquele país, os Van Goghs estão no topo por causa única daquele tido pelos seus, à época, como enlouquecido e vergonhoso artista.

Van Gogh, no seu percurso, conhece Paul Gauguin, outro artista que teve uma história de grandes realizações em sua obra, mas também o gosto amargo por abandonar uma vida burguesa provinda de suas atividades como especialista na área financeira. Todos os caminhos da miséria, com algumas exceções, Gauguin encontra e, nas palavras de sua própria esposa, Mette, era um verdadeiro canalha. Enquanto ele tinha a certeza de que estava deixando um patrimônio para a arte, imensurável, a família da mulher o considerava o pior de todos os maridos e pai. Só existia uma pessoa a quem Gauguin dedicava sua obra e seu sentimento: sua filha Aline. Para esta, quando da sua morte, dedicou a obra-prima — De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? (1897).

DIARIO DE PERNAMBUCO

sábado, 16 de julho de 2011

O Jardim das Oliveiras de Gauguin

O pintor Paul Gauguin se autorretratou como um Cristo no Jardim das Oliveiras, porque também a sua história foi eivada de martírios e sacrifícios. Ele tentou assemelhar-se ao Nazareno como num gesto místico, indo ao encontro daquele que sofreu todas as ignomínias de que os homens são capazes, como conduzir o semelhante ao cadafalso da dor profunda, do escárnio e da torpe hipocrisia. Obra belíssima, em tons e pinceladas gauguinianos, que representa o sofrimento do Messias antes do seu martírio físico, prosseguindo até a crucificação definitiva, que o tornou a personalidade mais discutida e seguida por suas ideias e princípios. Foi ali, no Getsêmani, que anunciou a vinda do traidor que iria denunciá-lo e prendê-lo, sendo este, o Judas, o símbolo da traição humana. Como está dito em Lucas 22, 44, “aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra”; sangue que prenunciou o sofrimento das torturas por que iria passar antes e durante a crucificação.

Mas essa dor no Getsêmani não representa somente a do Cristo e a do artista, mas a de todos os seres humanos que Gauguin pretendeu representar. Mateus 26, 37 diz que, “levando consigo a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e angustiar-se”, isto é, a angústia que a todo ser humano é possível alcançar. E no versículo seguinte: “Então lhes disse: A minha alma está profundamente triste até a morte; ficai e vigiai comigo”.

A pintura representa o Cristo envolto em ocre-escuro, sentado ao lado esquerdo — em tonalidades sombrias, com variações de lilás, azul, verde —, a cabeça baixa, cabelos e barba em tons vermelhos — para dar o destaque do ser divino e profético; as árvores em massas vermelhas; ao fundo, entre as oliveiras, algumas pessoas —, transparecendo imagens de discípulos fugindo covardemente. Todo o movimento da composição da obra é de dor e de uma luz crepuscular vespertina, porque esta é a luz para a ação das serpentes.

Gauguin era envolvido com muitas teorias místicas do seu tempo, inclusive cruzava em sua mente a teologia católica e a teosofia e acrescentava, à sua maneira, o anticlericalismo e a independência do seu pensamento sobre a vida e a morte. Com o vulcão dessa própria visão, interpretou a obra Cristo no Jardim das Oliveiras: “Pintei meu próprio retrato. Mas ele representa também a luta por um ideal, e um sofrimento tanto divino quanto humano. Jesus está completamente abandonado, os discípulos estão indo embora, e o quadro é tão triste quanto a alma dele”.

JORNAL DO COMMERCIO
OPINIÃO

terça-feira, 28 de junho de 2011

A arte e a medicina em Mano Victor

Mano Victor é como assinou os seus quadros; Maninho é como todos o chamavam numa só irmandade; e Dr. Edson Victor, o seu nome como ilustre clínico que atendia com a fraternidade imensa de quem tinha a missão natural de conquistar pessoas simplesmente pelos gestos sensíveis na prática médica, em que alcançava as medidas da arte, consolidada através do conhecimento e da experiência. Mano Victor, Maninho ou Dr. Edson Victor foi um ponto de convergência entre grupos e ideias; ele, como um sol, aquecia a temperaturas consideráveis, eliminando, assim, as divergências possíveis ou se destacava como uma das mais importantes presenças para os amigos de vários segmentos da sociedade.

Um artista nato e um médico por prazer. A ciência médica, para ele, servia, acima de tudo, como veículo para se aproximar da parte essencial e humana do paciente. Nada lhe importava mais que a felicidade de quem atendia; por isso, talvez, tantos pacientes também artistas o solicitavam para tratamento. Numa consulta, além da sua perspicácia como excelente clínico, interessava-lhe, principalmente, a história do paciente de forma mais ampla. Essa prática médica absorveu, como profissão, em grande parte de sua vida, o tempo de artista, mas, com os amigos artistas, escritores, poetas, jornalistas, atores, músicos, médicos, cientistas, alimentava-se permanentemente do espírito da arte e da cultura. O humor e a inteligência que lhe pertenciam atraíam esses companheiros, que partilhavam com ele, semanalmente, a bela e famosa sopa em sua residência.

Grande parte de sua arte foi direcionada a registrar as formas arquitetônicas antigas que as cidades de Olinda e do Recife ainda milagrosamente possuem. E lamentava que o Recife estivesse perdendo espaço, em função das construções verticais — quase sempre sem a beleza artesanal daquelas edificações com detalhes e ornamentos graciosos realizados por pedreiros artistas as quais Mano Victor registrava logo, antes que fossem demolidas. Por isso, intitulou Fachadas uma das séries fundamentais da sua obra. Mas também o mar, os barcos, as pessoas, as árvores e toda imagem que humanizasse o universo do seu trabalho estavam presentes nos motivos.

Maninho — este nome foi dado carinhosamente pelos familiares — expandiu-se sobre as pessoas e a cultura das duas cidades vizinhas; onde estivesse a manifestação da inteligência e da sensibilidade, o nome Maninho estava presente como testemunha e símbolo de que aquela exposição, peça teatral, apresentação musical, centros populares de cultura, etc., estavam alcançando os objetivos da qualidade preciosa. Nome que está impresso nas nossas mentes e que marcou presença no coração dos amigos e admiradores.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Montez Magno - A arte como reflexão

Montez Magno é um dos pilares da arte em Pernambuco e se insere na história dos movimentos conceituais e plásticos do Brasil, junto a uma geração de artistas – como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Antônio Dias, Lygia Pape, entre outros – que proporcionaram um rumo de ideias que, até hoje, influencia os jovens artistas. É um dos precursores em pensar a arte como veículo múltiplo de expressão na Região Nordeste e no país, com afinidades duchampianas, como ele próprio disse: “Penso a arte 24 horas ao dia”, como a demonstrar que trabalhar a arte é, acima de tudo, pensamento e reflexão.

 A sua obra foi construída numa complexidade de circuitos que se entrecruzam na concepção. O artista, além de mergulhar nas obras conceituais contemporâneas, sendo ele próprio um dos artistas pensadores, integra-se na percepção sobre a genialidade de pintores como Morandi, Balthus ou sobre os baluartes do Renascimento ou tão somente sobre a pintura como investigação; essa captação entre artistas e obras lhe é substrato para estudos e exercícios estéticos. Ao se deparar com duas obras de Morandi na Fundação Peggy Guggenheim, em Veneza (1964), ficou tão fascinado que, ao vê-las “lá no fundo, todo o resto eclipsou-se”. A partir desse contato, segue-se a bela série Morandi, em tonalidades que sugerem uma harmonia musical, orquestrada por composições simples que diz da sua visão sobre o artista italiano, por quem expressa admiração permanente. Mas a cultura nordestina foi também fonte para uma das mais importantes obras de sua autoria — Barracas do Nordeste —, que capta o imaginário popular nas suas “diversas modalidades de expressão abstrato-geométrica”, série que repercutiu, na concepção geométrica, nos trabalhos de vários artistas na década de 1970, como Bete Gouveia, Isa do Amparo, Eudes Mota, Fernando Lins e outros.

Penso que a sua influência ainda permanece, porque parte das manifestações dos artistas jovens em Pernambuco reflete, mesmo inconscientemente, um laivo do aspecto inventor de Montez Magno, como nas obras Objeto Especular (1972), Mesa Tantra (1972), A Última Partida (1972), Autoxequemate (1973), a série Tacos (1993), a série Mastros (1994), a série Fachadas do Nordeste (1996), entre outros trabalhos pioneiros na concepção contemporânea que hoje se alardeia como uma novidade ímpar.

O livro Montez Magno – recentemente publicado pelo Mamam, organizado por Clarissa Diniz, que assina um excelente ensaio crítico panorâmico da obra do artista, e com a participação de outros textos dos críticos Paulo Herkenhoff, que toca em aspectos relevantes da sua obra e nos pontos de convergências com os seus contemporâneos, e Luiz Carlos Monteiro, que aborda a sua poética discursiva e visual – já é um patrimônio cultural por se tratar de um dos artistas e inventores mais destacados da história contemporânea da arte brasileira.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Teoria e prática na arte

Há dois caminhos na arte global contemporânea que se encontram harmoniosamente. Um é o teórico; o outro, o prático. O teórico prega uma espécie de democracia das ideias e pretende o nascimento de uma inteligência coletiva absoluta em substituição à tão anunciada morte do gênio. A criação, para os ideólogos desse caminho, é um processo de reapropriação artística. O prático move bilhões de dólares numa acirrada competição, digna do mais exemplar capitalismo, que faz os megainvestidores -– entre eles, os estados -- caírem como patos no milho, porque ambicionam o retorno publicitário ou o do investimento, com riscos permanentes de consolidarem bolhas, como é fato no mercado de arte internacional.

O artista -- na concepção desses teóricos -- encontra pronto o substrato para a sua criação nas obras elaboradas por outros, e é nesse veio que ele surfa nas ondas das ideias. Ele pode se apropriar de um som, uma forma,uma imagem, palavras, isto é, a criação circula deixando sempre o seu rastro para que outros ainda possam utilizar desse material produtivo. A isso, o escritor e crítico britânico Nicolas Bourriaud chamou de pós-produção, usando, assim, um termo do âmbito do cinema, da televisão, do vídeo, etc. -- o qual reúne todas as etapas técnicas -- para explicar o processo criativo atual. Segundo Bourriaud, na arte contemporânea, “é possível produzir uma obra musical sem saber tocar uma única nota, utilizando discos existentes”.

Os teóricos fornecem o respaldo e o charme para por em circuito nomes de artistas que se tornam verdadeiros mitos no mercado de arte, que movimentam milhares de dólares para si e para os cofres dos seus mercadores, que também partilham dos lucros. A exemplo dos artistas Jeff Koons (americano) e Damien Hirst (britânico), que se tornaram verdadeiros magnatas, construindo, assim, uma nova modalidadede artista. É essa harmonia que impera entre a teoria aparentemente democrática e o capitalismo escancarado que submete todas as forças ao redor, como a mídia, a crítica, os galeristas, os marchands e até mesmo o público, que, naturalmente, é influenciado por esse poder avassalador do convencimento pela intensa publicidade. No mundo, há um início de despertar quanto a essas máscaras na arte, numa resistência através de artigos, livros e debates, o que certamente proporcionará meios para um possível renascimento.

domingo, 10 de abril de 2011

Plínio Palhano está na Internet há mais de dez anos participando do processo em que o artista se faz presente no tempo, através da sua obra plástica e visão crítica, integrando-se ao veloz mundo contemporâneo que se modifica a cada dia pela força da tecnologia, derrubando as fronteiras geográficas e formando uma rede de ideias em todos os âmbitos do conhecimento humano — às vezes até de forma polêmica.

A concepção do site foi elaborada pelo webdesigner Ronaldo Castro que distribuiu as séries do artista relacionando-as com textos críticos de vários autores, sempre numa técnica que transparece elegância e propicia uma fácil navegação. Agora, Ronaldo Castro deu uma nova dinâmica, procurando atualizá-lo com os meios técnicos de ponta, buscando promover mais velocidade, facilidade e estética e tendo como objetivo principal a comunicação direta e clara.

Nessa dinâmica, além das obras expostas em série e da fortuna crítica, o site faz um link com o Blog Plínio Palhano na intenção de interatividade com o público, no qual estão presentes os artigos críticos que o artista publica na imprensa do Nordeste do Brasil.

Raul Córdula
Artista Plástico e Crítico de Arte – membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Cadê o Museu Guggenheim?

Em 2001, a Fundação Guggenheim promoveu, no Brasil, uma apresentação das suas estratégias para instalar uma das sucursais do Museu Guggenheim no País e, depois, expandir pela América Latina, reunindo, na ocasião, secretários de Cultura. É possível imaginar a parafernália tecnológica para fornecer aos participantes do encontro uma visão da grandiosidade sedutora desses museus no mundo. O País foi tomado por uma febre guggenheimniana, e explodiram notícias nutridas com polêmicas em grande parte nas capitais. No Recife, só se pensava “grande”, quando naturalmente poderia se pensar simplesmente com realidade, porque bastava perceber e procurar resolver primeiro os problemas dos nossos museus.

Fui um dos primeiros a expressar, em artigo, que seria inviável uma sucursal do Museu Guggenheim no Recife, porque não havia condições econômicas e sociais que possibilitassem um museu desse porte, que requer uma estrutura inimaginável para os tantos problemas básicos que já tínhamos (e temos) para resolver. Teria que se destinar toda a verba municipal da cultura e mais outras para instalar e manter o museu; seria como uma obra cultural única, porque, depois de sua construção, não existiria mais nada por fazer a não ser manter o monstro sagrado vivo, sacrificando todas as outras instituições culturais — certamente, estas morreriam de inanição, sem chance para ressuscitar.

Bastaria, no caso, olhar para dentro, isto é, para os museus que temos, e ver as coisas simples que faltam aos seus diretores para atuarem com mais eficiência. É necessário um projeto político-cultural mais amplo, que possa oferecer um aperfeiçoamento nessa estrutura, além de um corpo técnico especializado permanente, e destinar verbas corajosas para a divulgação da cultura plástica local.

A informação que se tem hoje é de que o diretor de estratégia global da Fundação Solomon R. Guggenheim, de Nova York, Juan Ignácio Vidarte, desistiu dos projetos que teriam como finalidade abrir novos museus no Brasil e no México. Segundo ele, “a Fundação está interessada exclusivamente no Museu Guggenheim de Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos”. Isso depois de gerar, no Brasil, imensas polêmicas, principalmente no Rio de Janeiro, quando a comunidade repudiou a forma como a prefeitura estava negociando com a Fundação Guggenheim. E, no México, faltou dinheiro público para embarcar no projeto. Claro, os Emirados Árabes serão um paraíso para um novo Museu Guggenheim.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O colecionador no mercado de arte

No Modernismo nas artes plásticas — período que compreende o Impressionismo, o Pós-Impressionismo, o início do século XX e todos os movimentos relevantes até a década de 1960 —, o artista centralizava esse universo como um sol, e, ao redor, estavam os planetas que participavam da sua luz, como os marchands, galeristas, colecionadores, críticos de arte, curadores, jornalistas culturais e diretores de museus. Picasso, Matisse e os artistas que construíram seus percursos luminosos foram os protagonistas dessa época e permaneceram na história da arte. Hoje, o processo é outro: o suposto sol e a sua luz foram dissolvidos em uma rede, na qual esses astros brilham na trama com a mesma intensidade múltipla, excedendo-se, alguns deles, quando tentam ultrapassar os seus limites para alcançar o prestígio de criador — que, antes, era de domínio exclusivo do artista —, como os curadores mais ousados.

Mas, entre os atores que atuam no mercado de arte internacional, o colecionador se destaca. Esse personagem, milionário ou bilionário, alimenta toda uma estrutura onde os marchands fazem reverência aos seus interesses, os críticos também vão nesse barco, e aí entram revistas importantes, como a Artforum; jornais britânicos e norte-americanos; feiras; leilões; museus: todos procuram servi-lo e ao privilegiado grupo financeiro a que pertence. Os importantes marchands e galeristas em Nova York e Londres — metrópoles que lideram o mercado — iniciaram como colecionadores, a exemplo de François Pinault, dono da casa Christie’s; Victoria Miro, da Victoria Miro Gallery; Charles Saatchi, com a Saatchi Gallery; e Larry Gagosian, da Gagosian Gallery; entre outros badalados no meio.

Nos leilões e nas feiras, o colecionador geralmente é reconhecido e tratado com distinção, como um participante que sabe adquirir obras com independência, criando até estilo e influenciando um leque de marchands, críticos de arte e jornalistas culturais. Também não se importa com as críticas publicadas em revistas e jornais. Ele dá a última voz, e são os seus milhares de dólares que fazem tendências, elevam ou baixam o preço de um artista e dimensionam a sorte dos mercadores da arte. É extremamente refinado, culto, transparece com suas coleções o que pensa sobre arte e segue o próprio roteiro com determinação religiosa. É imbatível na escolha, que poderá afetar a vida financeira no mercado em poucos minutos de sua ação. Talvez a cultura e a tradição dos países desenvolvidos propiciem a formação do colecionador.

No Brasil, existe esse personagem, mas não na dimensão com que atua no mercado internacional. Mais ainda: especificamente no Nordeste do País — mesmo tendo os que se destacam como bons colecionadores —, estes são poucos. É preciso tempo para desenvolver o olhar do aficionado em arte, porque depende de toda uma história consolidar agudos e permanentes colecionadores.