"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

sábado, 16 de julho de 2011

O Jardim das Oliveiras de Gauguin

O pintor Paul Gauguin se autorretratou como um Cristo no Jardim das Oliveiras, porque também a sua história foi eivada de martírios e sacrifícios. Ele tentou assemelhar-se ao Nazareno como num gesto místico, indo ao encontro daquele que sofreu todas as ignomínias de que os homens são capazes, como conduzir o semelhante ao cadafalso da dor profunda, do escárnio e da torpe hipocrisia. Obra belíssima, em tons e pinceladas gauguinianos, que representa o sofrimento do Messias antes do seu martírio físico, prosseguindo até a crucificação definitiva, que o tornou a personalidade mais discutida e seguida por suas ideias e princípios. Foi ali, no Getsêmani, que anunciou a vinda do traidor que iria denunciá-lo e prendê-lo, sendo este, o Judas, o símbolo da traição humana. Como está dito em Lucas 22, 44, “aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra”; sangue que prenunciou o sofrimento das torturas por que iria passar antes e durante a crucificação.

Mas essa dor no Getsêmani não representa somente a do Cristo e a do artista, mas a de todos os seres humanos que Gauguin pretendeu representar. Mateus 26, 37 diz que, “levando consigo a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e angustiar-se”, isto é, a angústia que a todo ser humano é possível alcançar. E no versículo seguinte: “Então lhes disse: A minha alma está profundamente triste até a morte; ficai e vigiai comigo”.

A pintura representa o Cristo envolto em ocre-escuro, sentado ao lado esquerdo — em tonalidades sombrias, com variações de lilás, azul, verde —, a cabeça baixa, cabelos e barba em tons vermelhos — para dar o destaque do ser divino e profético; as árvores em massas vermelhas; ao fundo, entre as oliveiras, algumas pessoas —, transparecendo imagens de discípulos fugindo covardemente. Todo o movimento da composição da obra é de dor e de uma luz crepuscular vespertina, porque esta é a luz para a ação das serpentes.

Gauguin era envolvido com muitas teorias místicas do seu tempo, inclusive cruzava em sua mente a teologia católica e a teosofia e acrescentava, à sua maneira, o anticlericalismo e a independência do seu pensamento sobre a vida e a morte. Com o vulcão dessa própria visão, interpretou a obra Cristo no Jardim das Oliveiras: “Pintei meu próprio retrato. Mas ele representa também a luta por um ideal, e um sofrimento tanto divino quanto humano. Jesus está completamente abandonado, os discípulos estão indo embora, e o quadro é tão triste quanto a alma dele”.

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