"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Crime coletivo



A experiência do pintor Francisco de Goya (1746-1828), a partir de uma doença que o deixou surdo, em 1792, mergulhando-o no silêncio, fazendo-o se comunicar apenas por sinais ou escrevendo, tornou a sua visão mais aguçada. Esse fato, para os biógrafos e estudiosos da sua obra, é considerado como uma alavanca para despertar-lhe a genialidade, induzindo-o a concentrar o olhar sobre o mundo e os sentimentos humanos. Foi com esse espírito que ele realizou obras assombrosas de imaginação e de concepção em pinturas, gravuras e desenhos. Uma das mais fortes interpretações da violência bélica constituiu a série de gravuras Desastres da guerra. Essas gravuras foram produtos de seu testemunho sobre a invasão das forças napoleônicas, descrevendo a violência e animalidade da guerra; a fome em Madri, no mesmo período; e a reação dos espanhóis na expulsão dos franceses do seu território. Cada uma dessas gravuras aborda um aspecto humano quando está sob a pressão de um conflito. Goya dá título genérico à série: Fatais consequências da guerra sangrenta na Espanha contra Bonaparte e outros caprichos impressionantes. Com a verve própria, descreve as decapitações, os fuzilamentos, os roubos, os enforcamentos, os estupros e todas as inconsequentes ações e reações das guerras. O interesse do artista foi demonstrar que dos dois lados a brutalidade não tinha pátria, o importante era evidenciar o ponto animalesco nas duas forças. Individualmente, as gravuras eram batizadas com títulos esclarecedores quanto à complexidade humana: E são feras, Bem feito para ti, Mãe infeliz!; entre outros, surge o título Populacho, como tentando ressaltar a sombria ação do povo nessas circunstâncias. E, com essa indução, poderíamos confirmar o dito romano Voz do povo, voz de Deus?

Hoje, nós temos o jornalismo para mostrar as guerras e a violência humana. No mês de maio, aconteceu uma das cenas de barbárie em nosso país. A vítima, Fabiane Maria de Jesus, inocente, foi espancada até a morte, resultado de uma calúnia multiplicada nas redes sociais. Fotografias e vídeos do ato violento contra Fabiane comoveram a sociedade. Uma mulher indefesa e a multidão insana a lhe esbofetear a face, a feri-la com todos os instrumentos. Ela, ali, representando todos os Cristos, os mártires, como símbolo de mais uma vítima da maldade humana. Não estamos em guerra nem em revolução; talvez em convulsão social...