"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Raízes da arte



A vida é enraizada em conflitos, por isso existem a arte e o artista, para transcendê-la ou adentrá-la mais densamente. A visão que tenho sobre o mundo contemporâneo é de como se estivéssemos imersos em ondas que se quebram sobre nós, num ritmo permanente. A dor é espalhada no planeta, e bilhões de indivíduos atingem o cume da miséria, da fome e de todas as doenças possíveis, que os levam a condições sub-humanas; ainda enfrentam fundamentalismos religiosos, às vezes, cruéis, guerras étnicas e a violência generalizada. A cada pessoa, uma história concretizada em percursos impregnados de imprevistos raramente bons e invariavelmente maus.

Os artistas Francis Bacon e Lucian Freud representaram a angústia, a carne humana, num simbolismo da prisão em que a humanidade se encontra. Como na obra O Grito, de Edvard Munch, que é a representação da agonia, principalmente do próprio pintor, que, ao realizar essa obra, estava em desespero. Van Gogh percebeu na pele toda a força da vida, da natureza, e extraiu o ouro dos astros solares, das árvores contorcidas, das igrejas, como se estivessem em pleno terremoto. O chão tremeu em pinceladas expressas através de uma das almas mais sensíveis do século XIX. Picasso representou a injustiça e a perversidade dos bombardeios em Guernica, em 1937, realizando uma das suas obras-primas — símbolo da nossa era, em que impera a amargura coletiva. Goya, ao observar a guerra na Espanha, deixou um patrimônio que fala do homem e seus instintos na série de gravuras Os Desastres da Guerra.

É essencial lembrar não só a história dos grandes artistas que deixaram a sua marca e seus testemunhos sobre a vida, com seus percalços, mas também lembrar a história das pessoas que crescem, vivem em família e lutam pela subsistência. Aquela dos homens comuns. Que são pegos nas ondas que mencionei e que são açoitados por essas investidas até deixá-los sem forças. Que sonham um mundo melhor, mais justo, e recebem o troco da péssima política dos poderosos, corruptos e hipócritas, como se para eles, não valesse a luta que continuamente desempenham. Que são abandonados pelo Estado em todas as assistências. E só encontram a desilusão. Combalidos, procuram o consolo nas religiões e são explorados por guias cínicos e ambiciosos que lhes tiram o dinheiro, valendo-se do nome de Deus em vão. Esses cidadãos vilipendiados habitam no Brasil.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Arte e liberdade

                                                                               Stalin

A arte de Picasso, apesar dos seus laços com o comunismo, principalmente o soviético, não seguia os preceitos estéticos do realismo socialista, adotados pelo partido. Conta-se que na conferência de Wroclaw, na Polônia, em 1948, o artista foi atacado pelo Sindicato dos Escritores Soviéticos por causa do seu estilo, considerado decadente para o consumo da massa comunista e para ser reproduzido em jornais do sistema. Mesmo assim, Picasso negou-se a fazer concessões à ortodoxia comunista. Françoise Gilot, a sexta das suas oito mulheres, dizia que a Rússia odiava o seu trabalho, mas amava a sua política; e os EUA amavam a sua arte e odiavam a sua política. Um retrato de Stalin desenhado pelo artista e reproduzido em Les Lettres Françaises, logo após a morte do ditador soviético, causou um mal-estar no partido, porque o representou de forma sintética; o pintor dizia que era odiado por todos os lados, talvez por ser um criador, e encarava esse embate como uma alavanca para expandir a sua obra.

A Revolução Russa de 1917, nos primeiros momentos, entusiasmou os artistas que a apoiaram oferecendo ideias para estabelecer um movimento que desse uma nova dimensão à cultura. Os artistas bolcheviques estavam dispostos a criar com liberdade. Mas logo vieram os obstáculos. Malevich fez um monumento em homenagem a Lenin: reuniu peças agrícolas e industriais e máquinas. No topo da pilha, pretendeu pôr a imagem de Lenin em forma de um cubo. Mas aí cobraram o realismo na representação do líder. Como é que o povo iria entender que o cubo era Lenin? E começaram a determinar aos artistas uma propaganda mais direta, como no realismo soviético, para o povo entender a arte. Logo em seguida à morte de Lenin, iniciaram-se as perseguições, prisões, os assassinatos e a consequente fuga dos artistas para outros países europeus. Um deles que viveu esse movimento foi Marc Chagall, que emigrou para Paris.

Os estados totalitários no século XX foram desfavoráveis à arte e aos artistas. O nazismo é um dos fortes exemplos. Como no realismo soviético, produziu-se um horror de esculturas e pinturas, sem a forma e o conteúdo das verdadeiras obras de arte. Com ódio à arte moderna, por avaliá-la como judaica e comunista, o nazismo realizou uma exposição, em Munique, em 1937, intencionalmente caótica e a intitulou de Arte Degenerada, incluindo obras de artistas como Mondrian, Otto Mueller, Kandinsky, Max Ernst, Lasar Segall, Klee, Otto Dix e muitos outros.