"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Tudo desmoronava...

 “Matar o sonho é matarmo-nos.”

   Fernando Pessoa




Sonhar é um atributo humano — mas dizem que os outros animais ditos irracionais também possuem essa capacidade —, e, por mais absurdas que as imagens lembradas no estado de vigília possam parecer para nós, racionais, fica quase sempre uma mensagem telegráfica de símbolos às vezes incompreensíveis e confusos. 

Parece que, em tempos de pandemia e crises consequentes ou guerras mundiais etc., somos levados talvez a sonhar com coisas fantásticas ante a nossa realidade, como numa saída em visões que possam dizer algo. Os livros sagrados estão cheios de sonhadores proféticos e intérpretes de sonhos sobre acontecimentos futuros ou contemporâneos que serviram a reis, príncipes e seguidores desses profetas.

Muitos artistas sonharam e realizaram obras com o que lembravam das imagens. O renascentista nórdico, pintor, ilustrador, gravador, matemático e teórico de arte alemão Albrecht Dürer sonhou com uma grande quantidade de água que caía do paraíso e que proporcionou um dilúvio, realizando a obra “Visão do sonho”, representada como uma cordilheira de montanhas a ficar submersa durante o fenômeno.

O surrealista espanhol Salvador Dalí apreciava os sonhos como fontes para o seu trabalho, tanto assim que homenageou o momento do sonho na pintura “O sonho aproxima-se”. O pintor e gravador, também espanhol, Francisco de Goya era tão atormentado pelos sonhos que intitulou uma de suas obras como “O sonho da razão produz monstros”. Um dos mais brilhantes pintores e poetas dessa linguagem, o inglês William Blake, concebia os sonhos como seu estado místico natural, porque passou a vida toda concebendo visões dos mortos aos vivos, o que inspirou o desenho “Cabeças visionárias”. E um dos representantes da arte pop norte-americana, Jasper John, sonhou que tinha pintado uma bandeira dos Estados Unidos. E logo ficou impulsionado para realizá-la, o que fez na manhã seguinte, quando despertou. Há exemplos infindáveis de que muitos artistas exploraram essa matéria do sonho como mote para suas obras.


Pois também tive a minha parcela de sonhos na noite da lua de sangue, como é chamada, presenciando visões fantásticas. Era como se desabasse uma grande construção incrustada com obras de arte e que, em um momento, caiu sobre todos nós como várias Capelas Sistinas, esculturas pesadas e criações diversas que rolavam sobre formas arquitetônicas. Parecia que toda a arte construída, as conquistas estéticas e os valores éticos estavam desmoronando em meio ao pânico das pessoas, às correrias para todos os lados, às pedras caindo sobre elas e à ansiedade de não sabermos como conter aquele desastre. Um sonho angustiante de desarmonia interior, como se nos restasse apenas o recomeço, um renascimento, porque tudo estava destruído. Não sei o que fazer com essas lembranças, mas é certo que elas têm algo a dizer... 


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