"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Cézanne e Émile Zola




Duas vidas, dois criadores que se cruzaram no século XIX, principalmente na juventude. Paul Cézanne, um burguês, filho do banqueiro Louis-Auguste, antigo chapeleiro bem-sucedido que terminou investindo no mundo das finanças e se tornou um dos homens mais ricos de Aix-en-Provence; Émile Zola, órfão de pai, nascido em Paris, pobre, mantinha-se nos estudos graças aos sacrifícios de sua mãe e dos avós. Os dois se encontraram no Colégio Bourbon: Cézanne um ano mais velho; eram considerados estudantes dotados, mas isolados, porque os outros colegas zombavam de Zola pelo sotaque e pela natural diferença de classe social, que, numa ocasião, fez Paul defendê-lo em uma briga, quando levou uma sova dos colegas. A partir daí surgiu uma grande amizade. Discutiam os poetas, e acima de tudo reinava Victor Hugo.
 
Louis-Auguste, como era de origem operária, sonhava para o filho uma carreira na magistratura, para dar suporte à ideia de que superou o preconceito dos cidadãos de Aix-en-Provence, que não admitiam o velho banqueiro como um membro da elite. E dizia: “Filho, filho, pensa no futuro. Com o gênio morre-se, com o dinheiro come-se”. Nessa época, Cézanne já ensaiava as investidas na arte. Mesmo assim, entra no curso de Direito, mas, para a decepção do pai, abandona o curso após os estudos do primeiro ano. Louis-Auguste ainda tenta colocá-lo no banco para ver se Paul herdou algum talento para os negócios. Outro fracasso, porque o jovem pintor queria mais. O artista fez alguns cursos de desenho em Aix-en-Provence que, para ele, não foram suficientes. Paris era o destino. 
 
Desde então, o mundo dos dois amigos começa a se separar. Zola, com os anos, torna-se um dos grandes jornalistas e escritores franceses, um defensor implacável da nova pintura, que iria ser batizada como Impressionismo. Cézanne desdenhava o sucesso do amigo, acreditava que ele tinha se aburguesado, seguindo o caminho inverso dele. Zola criticava Cézanne por ser tão devagar — era negado no Salão Oficial de Paris, mas, por interferência, foi admitido, um ano, por ter sido aluno de um pintor influente — e o interpretava como um artista fracassado. Num de seus romances, “A Obra” (1886), que é o drama da criação, narra o seu tempo e a história de um pintor, Claude Lantier, que se enforca ante uma pintura inacabada por não se sentir capaz de continuar a sua obra. Cézanne se sente atingido por essa publicação e rompe, definitivamente, a amizade com um bilhete sucinto. Para alguns estudiosos, Cézanne foi mais clarividente sobre a obra do escritor, e a visão de Zola sobre o pintor foi equivocada. O pintor foi como um demiurgo para a pintura e o mundo moderno que viria se anunciar no século XX, o que não aconteceu com o escritor.
 
 Cézanne não teve mestre — só nos museus aprofundava suas pesquisas —, foi de si próprio que implantou uma nova visão da pintura que, com sua influência, alcançou até a arquitetura, o design e outras formas de linguagem visual; talvez, sem o poder criador do artista, a modernidade nas artes plásticas não fosse consolidada como foi. Uma caminhada árdua a sua, passou da fase de um expressionismo barroco, com bastantes pastas de tinta, para uma intermediária, seguindo uma natural sequência de refinamentos estéticos, rompendo o tradicional olhar da perspectiva com uma multifacetada interpretação das coisas. Tornou tudo sólido, numa geometria criativa e inovadora. O Cubismo foi um dos seus herdeiros, com as genialidades de Picasso, Georges Braque e muitos outros artistas, inclusive Marcel Duchamp.

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