"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Juana Inés de la Cruz, uma feminista das Américas


Juana de Asbaje y Ramírez de Santillana (1651–1695) — que adotou o nome de Juana Inés de la       Cruz como freira, primeiro no Convento das Carmelitas Descalças e, depois, na Ordem de São Jerônimo, na Nova Espanha, ou México colonial, considerada uma das maiores escritoras, poetas e dramaturgas do Século de Ouro espanhol — é a protagonista da bela série “Juana Inés”, apresentada pela Netflix, que adquiriu os direitos dessa produção realizada pelo canal mexicano Once.

Nas Carmelitas Descalças, Juana Inés não suportou o excesso de rigor que lhe foi imposto, até por motivos invejosos de uma superiora que a impedia de ter acesso a livros e à escrita, obrigando-a a serviços de limpeza infindáveis para que ela soubesse que ali o conhecimento profano não tinha nenhum valor. Não adaptada a esses métodos, conseguiu escapar do convento sob a reprovação do seu  confessor, o padre jesuíta Antonio Núñez de Miranda — docente de teologia, reitor da escola de São Pedro e São Paulo, assessor do Santo Ofício e também confessor dos vice-reis —, que exercia sobre a jovem freira uma ascendência intransigente e perseguição fanática sobre sua obra poética, para não ser publicada, mas reconhecia-lhe o gênio e a grande influência que exercia na Nova Espanha, ante os vice-reis e na corte de Madri. Esse mesmo confessor que a colocou nas Carmelitas tratou de introduzi-la na Ordem de São Jerônimo, a pedido de Juana Inés, em 1669, e pagou os custos da cerimônia, conseguindo também que o dote fosse custeado pelo ministro Pedro Velázquez de la Cadena. A então ilustre monja poeta, com 17 anos, encontrou certo apaziguamento nos Jerônimos, porque pôde ter uma biblioteca com obras de sua seleção — 1.500 livros, segundo o poeta Octavio Paz, autor da obra “Sóror Juana Inés de la Cruz, ou As armadilhas da fé” —, alguns instrumentos musicais levados na bagagem, uma luneta astronômica e a possibilidade de escrever.

Em seu tempo, era vedado às mulheres frequentar a universidade, fato que a incomodou porque era seu maior sonho: saciar a sede do saber. Dizia-se que quando criança, entre 6 a 7 anos, pedia a sua mãe para vesti-la de homem com o fim de entrar na universidade. Lia aos 3 anos e escrevia poemas aos 8, um deles premiado em concurso. Restou a Juana Inés entrar para o convento com o fim de estudar e desenvolver as suas potencialidades em paz. Não possuía afinidades com a religião, como dizem alguns biógrafos; seu desejo profundo era concretizar a obra que se expandiu pelo mundo.

Aos 13 anos, apresentou-se à corte, convidada pelo vice-rei Conde de Mancera. Com sua beleza física, os imensos talentos, uma personalidade forte e atraente pela sua polidez, conseguiu a simpatia e a admiração de todos, principalmente da vice-rainha Leonor Carreto, Marquesa de Mancera, que tornou Juana pessoa de sua intimidade, chamando-a de Juanita. Com 16 anos foi convidada pela marquesa para ser tutora de sua filha, Maria, um cargo de importância na corte. O vice-rei não consentiu de imediato, convocou uma audiência com o confessor Antonio Núñez de Miranda, a vice-rainha e Juana Inés, para tomar uma decisão mais austera com a finalidade de aprovar essa tutora para a filha e sugeriu que a pretendente fosse submetida a uma prova de competência com quarenta homens considerados sábios na cidade do México, inclusive com a presença do próprio assessor do Santo Ofício. Juana Inés foi aprovada com louvor ante o tribunal de avaliação e ainda ironizou alguns questionamentos acerca de livros proibidos pela Inquisição.

Já adulta, com uma obra consolidada, o prestígio como uma intelectual que correspondia com a nata do mundo hispânico do século XVII, inclusive com o próprio Papa, tornou-se motivo de inveja por muitos prelados que não admitiam que uma mulher escrevesse e muito menos fosse famosa por isso. Com a sua força, desafiou o universo masculino da época, defendendo a igualdade de gênero ante o direito de pensar e de se expressar na escrita. A vice-rainha Marquesa de Laguna, Maria Luiza, a segunda que a protegeu, a fez se libertar do confessor Atonio Núñez de Miranda e conseguiu, na corte espanhola, publicar a sua obra poética completa. Por causa do ímpeto de liberdade no conteúdo dos seus escritos, foi perseguida pelos inimigos, autoridades da Igreja, que lhe tiraram a biblioteca e a liberdade, mas não a impediram de publicar a obra, que era o desejo daqueles inquisidores. Hoje, também é reconhecida como a primeira feminista das Américas...

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