"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quarta-feira, 24 de maio de 2017

A explosão plástica do inconsciente

                                                                         Fernando Diniz
  
Na década de 1970, tive contato com as obras plásticas dos pacientes do Centro Psiquiátrico Pedro II, do Rio de Janeiro, conhecidos como os Artistas de Engenho de Dentro. Naquela época, vi muitas delas em exposições. Desde então, passei a acompanhar tudo que era publicado em vídeos, revistas e livros sobre o assunto. Esses pacientes encontraram nos métodos da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) — influenciados pelas teorias de Jung — uma forma de se integrar à arte na seção de psicoterapia ocupacional do hospital, dirigida por ela como um laboratório da psique. Essa aproximação com a arte foi um sólido apoio para amenizar os seus sofrimentos provocados pelos transtornos mentais e uma saída para expressar o seu mundo inconsciente atormentado, mas rico de explosões de imagens, que foi estudado minuciosamente pela psiquiatra, que tem uma história naquele hospital, na psiquiatria do País e, principalmente, junto aos pacientes com esquizofrenia, que se tornaram artistas marcantes. 

Quando Nise da Silveira teve o seu primeiro contato, em 1944, com o Centro Psiquiátrico, questionava o uso de tratamentos como eletroconvulsoterapia (eletrochoque) e lobotomia, entrando em confronto com os colegas do hospital. Para alguns deles, a lobotomia era o ápice da ciência médica, método utilizado também por Estados totalitários no século passado para encerrar a vida psíquica e emocional de seus inimigos. Houve verdadeira luta até se decidir que Nise assumiria a Seção de Terapia Ocupacional (abandonada, sem nenhuma função no Centro), em 1946, com a anuência da direção, talvez para se livrar do incômodo daquela médica para o hospital e seus colegas. Ela permaneceu dirigindo esse setor até 1974. 
   
A psiquiatra convocou poucos enfermeiros e funcionários do hospital para auxiliá-la nos trabalhos de psicoterapia. Pediu aos colaboradores que mantivessem o maior respeito possível aos pacientes e os deixassem livres. Só observassem e anotassem o que eles diziam ou suas ações. Foi instalado, então, o Ateliê de Pintura, que era o desejo da psiquiatra, com a assessoria de um funcionário artista que se tornaria importante, Mavignier. Ele reunia os materiais para os pacientes e ensinava como utilizá-los, sem interferências na criação. Tornou-se, a Seção, aos poucos, um sucesso no hospital, porque os pacientes vinham lentamente e começavam a descobrir que poderiam realizar coisas que não estavam previstas nas suas vidas. Era uma novidade que foi atraindo o entusiasmo de muitos dos que se interessavam pelo Ateliê. 

À medida que as pinturas e outras linguagens plásticas eram realizadas, Nise da Silveira registrava tudo em fotografia, para entender o universo daqueles artistas e procurar avaliar cada um deles no seu percurso histórico pessoal. Numa das remessas dessas fotos a Jung, o psiquiatra ficou admirado e a aconselhou que se aprofundasse no estudo da mitologia de todas as culturas e religiões possíveis para acompanhar o que o inconsciente revelava naqueles artistas/pacientes. A experiência foi magnífica. A Dra. Nise encontrou muitas revelações que foram consignadas em suas obras, principalmente, no livro “Imagens do inconsciente”. Mario Pedrosa, um dos nossos maiores críticos de arte, foi um entusiasta não só do trabalho da psiquiatra como dos artistas que consolidaram suas obras no Ateliê, que se expandiram em mostras nas instituições culturais, nos museus, na imprensa nacional e internacional.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário