"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

domingo, 3 de janeiro de 2010

O múltiplo artista Raul Córdula

Raul Córdula é um dos extraordinários artistas brasileiros que, por mera coincidência ou acaso do destino e sorte nossa, nasceu no Nordeste do País — para ser mais preciso, na cidade guerreira de Campina Grande, Paraíba. Em toda a sua vida e obra, deu uma contribuição notável para a cultura da região, com o seu olhar de profundo pesquisador que utiliza o método quase científico ou com o rigor próprio do seu olhar, não somente no âmbito da cultura plástica e visual, como nas linguagens múltiplas da arte.

Com essa verve, registrou as manifestações históricas da arte, da qual é um dos mais importantes atores. Com naturalidade, elegante estilo e veracidade dos fatos, consigna o nome de inúmeros companheiros que dividiram espaços e conquistas para tentar fazer brotar, primeiro, intensamente, na própria terra paraibana e, num segundo tempo, na pernambucana, as melhores fontes e realizações da cultura, nas décadas de 1950 e 1960, como se percebe nos relatos apresentados no livro de sua autoria Memórias do Olhar, editora Linha D’água, lançado no dia 19 de dezembro, na Galeria Arte Plural.

A sua linha de luta sempre foi ligada à região e ao País, mesmo porque foi no Nordeste onde recebeu os primeiros conhecimentos culturais e plásticos, e, por isso, quis dar a sua contribuição à sociedade. Mas o seu olhar é plenamente universal, conectado com as vertentes contemporâneas pontas-de-lança do planeta, fato que o faz compreender o mundo e as pessoas com peculiar fraternidade. Assim, o artista congregou (e congrega) as maiores forças da arte — como um Gauguin dos trópicos — em torno de suas ideias, que oxigenaram de forma magistral as dos companheiros, exercendo uma liderança espontânea e, por opção, refinadamente discreta, desde o início da sua carreira, quando formou gerações de artistas plásticos que foram temporariamente seus alunos e que hoje estão circulando na arte brasileira com dignidade e destaque.

Nessa sua visão histórica, o autor das Memórias procura não esquecer nenhum detalhe, movimento ou nome, principalmente dos que contribuíram com destaque para a cultura na Paraíba, citando, de início, no capítulo As heranças, como de maior importância na gênese da arte local, o Centro de Artes Plásticas, fundado em 1948, “que era uma instituição dos pintores, independentes do governo”, onde se concentrava a nata dos artistas e intelectuais, que proporcionou um dinamismo de caráter pré-moderno, ainda não experimentado nas décadas anteriores, que viveram sob forte influência do academicismo. Nesse mesmo capítulo, o texto Leon Clerot, o meu amigo elefante já em seu título apresenta uma poética claramente endossada na narrativa, aliás uma das mais atraentes numa obra que tem muitos pontos fundamentais para a História da Arte.

Mas a grande obra de Raul Córdula se mescla às preocupações culturais e sociais, porque os seus passos geraram frutos ao longo desse percurso. Para ele, praticar a pintura, a gravura, a fotografia, o design, a cenografia, as artes gráficas, a ilustração, a agitação cultural, a curadoria e a crítica de arte deve deixar marcas que beneficiem culturalmente a sociedade, além de atentar para a estética e o conhecimento.

Nesse sentido, sua participação na Geração 59, “a geração que mobilizou a vanguarda da época”, foi imensamente produtiva, por ter sido um dos ilustradores do movimento poético. Posteriormente, realizou ações como as intervenções no Departamento Cultural da UFPB, junto a outros nomes citados por ele, nos trabalhos de formação dos estudantes. Devendo-se citar ainda o Movimento da Ribeira, em Olinda, em que participou com uma coletiva, sob sua liderança, de artistas paraibanos e construiu contatos que foram duradouros com os artistas de Olinda; a fundação do Museu de Arte Assis Chateaubriand de Campina Grande (MAAC); a sua própria obra plástica, então de cunho extremamente político, contestatória ao regime militar; a participação no movimento tropicalista, que marcou os anais da História da Arte.

No mais, extrapolando as décadas de 1950 e 1960, suas atuações sempre foram tão intensas e concretas — em Olinda, no Recife, em Salvador, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Curitiba..., enfim, em quase todo o País — que não caberiam todas neste breve artigo. Ao leitor, o livro Memórias do Olhar fornece uma excelente visão da dimensão do trabalho seminal desse grande artista. 

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