"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Memória pernambucana



                                                                          José dos Santos

O livro “Fotografias da Memória Pernambucana – Coleção José dos Santos” transportou-me para uma reminiscência da cultura católica nativa que recebi na infância; fez-me relembrar de rituais e celebrações, imagens, crucifixos, santuários, adornos das igrejas barrocas de Olinda e do Recife, e do Convento de Santo Antônio — localizado no Ipojuca, na Região Metropolitana do Recife. Acompanhado por meu pai, natural daquele município, ex-seminarista, era levado para venerar a imagem do Santo Cristo, uma tradição que recebeu dos seus ancestrais. Da religião romana, ficou a visão cultural; a admiração pelos santos e, atualmente, pelo Papa Francisco; a beleza plástica das obras-primas que constam no Vaticano e em igrejas do mundo; a grandiosidade histórica; e o tradicional batismo firmado, do qual não dou conta.

Voltando ao livro, o que me abismou mesmo foi a capacidade de José dos Santos — conhecido também como Zé Santeiro — de reunir durante toda a vida uma coleção notável, principalmente de imagens e símbolos católicos, também de peças raras em cristais, pratarias, miniaturas, fragmentos, peças de engenho, obras de artistas populares e outras, que provam um olhar agudo do colecionador, consolidado com a experiência. Nascido na cidade do Cabo, logo cedo aprendeu, nas oficinas especializadas em restauração e conservação de imagens, no Recife, a penetrar nas leis que regem esse campo do conhecimento. Tornou-se um dos maiores antiquários do País, pesquisado por gente especialista, como Pietro Maria Bardi, que foi um dos muitos que constataram o valor da sua coleção.

Grande parte do conjunto é um registro da nossa história, da nossa cultura, da maneira como procurávamos eternizar a fé predominante. Homens e mulheres escravos, oprimidos, apelaram às mesmas imagens católicas que a aristocracia canavieira reverenciava para amenizar os seus sofrimentos — ou simplesmente porque eram coagidos. Acompanhavam as senhoras de engenhos nas rezas ante os oratórios das casas-grandes, com imagens das Virgens Marias, dos Cristos crucificados e dos santos; muitas dessas peças estão na rica coleção de José dos Santos. Dentre tantas fundamentais, existe uma que me chamou a atenção: um “tronco-prato”, de pedra, com forma cilíndrica, para prender até três escravos, com correntes de ferro que os aprisionavam, entre as quais se alimentavam, através da abertura acima, onde se colocava a ração. Creio ser essencial a preservação, pelo Estado de Pernambuco, para que esse patrimônio renasça como um museu cultural e sacro.

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