"A luz na pintura de Palhano é tão vital quanto a fotossíntese no crescimento das plantas, daí por que se distancia de qualquer concepção acadêmica de mera iluminação do cenário. Essa luz invisível preexiste na tela, é embutida no seu cerne, como uma candeia fechada."
Francisco Brennand

domingo, 4 de agosto de 2013

Piedade Moura

                                                           Piedade Moura



Conheci a pintora Piedade na década de 1970, em uma visita que me fez, pelo fato de a artista ter lido uma entrevista minha. Desde então, consolidamos um laço que permanece vivo nas lembranças.

O seu sorriso vem logo à memória: largo, intenso, sonoro; os olhos brilhantes e inteligentes de quem gostava de ler, de falar intensamente, de viver, de acompanhar os melhores filmes, de ir às peças teatrais — e lá estava Piedade, às vezes nos bastidores, por ser amiga dos atores e por ter irmãos no ofício, como Nilson Moura, um dos criadores do Mamulengo Só-Riso, e Gilson Moura; uma família de artistas.

Piedade era assim, intensa, tudo o que fazia era como a sua pintura, com fortes pastas de tinta, cores saídas do tubo diretas e entregues ao suporte, com pequenas interferências de brancos e negros, para criar as sombras ou clarões que vinham de sua mente, como os amarelos que apreciava evidenciar. Rasgava as composições com pinceladas como meteoros, numa interferência proposital; tudo tinha o seu valor para o olhar da pintora, enxergava as coisas com uma visão própria e deixava-se levar pela força da ação gestual.

Pintávamos juntos nessa energia vibrante, paisagem, pessoas, temas variados. Era magnífico como encarava as paisagens. Dava o tom que queria e como via, sem nenhuma preocupação com a captação natural — em sua cabeça não havia nenhum mestre para se influenciar. A pintura de Piedade poderia, hoje, por exemplo, estar presente no que conceituamos sobre a arte contemporânea, ou melhor, pintura contemporânea. Estaria caminhando estreitamente com artistas desse veio atual.

Nesse entrelaçamento de trabalho e amizade, convidei-a para que posasse para mim. Ela concordou de imediato. Realizei uma série imensa com Piedade como modelo. Série que me deixou tomado por cada quadro realizado. Eram soluções pictóricas que encontrava, ora penetrando numa sequência abstratizante, ora captando as formas um pouco realistas. Mas a meta era dar o ponto exato da expressão.

No dia 21 de janeiro de 1984, acordei de madruga, e, naquele dia, o sol nasceu de cor dourada, com tons avermelhados, numa aparência de dor profunda, o meu sentimento é que havia perdido alguém tão importante que não poderia acreditar naquela fatalidade. Era um dia após a morte de Piedade Moura, nunca mais pude ter a alegria do seu convívio...

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